sábado, 30 de maio de 2009

Guido Rossi

O espírito ambíguo do dinheiro


O jurista e advogado italiano Guido Rossi analisa o papel do dinheiro na crise atual. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 29-05-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


A verdadeira riqueza nunca é o dinheiro, isto é, a pecúnia que Agostinho , em uma pregação incomparável na sua Hipona, retrata como um amante volúvel e cruel e que só pode se tornar instrumento de salvação na doação ao pobre. Mas, no desejo de acumulá-la, aninha-se, pelo contrário, a perdição do rico e a contínua volatilidade da riqueza que escapa de quem a possui. Escreve Agostinho: "A moeda é redonda, gira, nos escapa: é preciso contê-la adquirindo um imóvel". "E assim querem conter o próprio dinheiro comprando uma casa no campo [...] mas onde contiveste o teu dinheiro, não podes conter a tua vida [...] que te será pedida de volta. Não terás, portanto, a casa no campo, e a casa no campo não te terá".

Essa parece ser uma fantástica antecipação da teoria keynesiana da acumulação e do amor pelo dinheiro que refletem, ao mesmo tempo, o motor do capitalismo e a pulsão de morte que o acompanha. E como também não encontrar em Agostinho um índice, um traço do início da terrível bolha financeira atual que teve origem nos Estados Unidos dos derivados dos "sub-prime mortgages", em que a passagem do dinheiro ao imóvel e do imóvel ao dinheiro acabou destruindo tanto o imóvel quanto o dinheiro. Agostinho comentaria: "não terás, portanto, a casa no campo, e a casa no campo não te terá".

À deificação do ouro, como símbolo da verdadeira riqueza, sinônimo último do dinheiro e ao mesmo tempo segurança contra a morte, uma espécie de eternidade garantida, corresponde a deificação do homem que o acumula. Nos "Manuscritos econômico-filosóficos", de 1844, de Karl Marx, há um trecho que, pelo seu valor explicativo, vale a pena citar textualmente: "O que eu posso pagar mediante o dinheiro, isto é, o que o dinheiro pode comprar é o que eu mesmo sou. [...] Aquilo que eu sou e posso não é por isso determinado pela minha individualidade. [...] Eu sou feio, mas posso comprar a mais bela dentre as mulheres. Por isso, não sou feio. O dinheiro é o bem supremo e, portanto, a sua posse é boa".

O interesse composto que nos assegura contra o futuro e nos leva para o desejo mórbido da liquidez, garantia de riqueza contra a morte, tem a sua última obra-prima na riqueza, não mais criada pelo dinheiro possuído, que se reproduz no interesse, mas no débito.

Mas o débito deve ser pago, e a economia dos últimos 20 anos foi baseada no pressuposto que negou esse princípio.

As sofisticadas técnicas do capitalismo financeiro, ao contrário, transformaram o débito em um instrumento de criação de riqueza, da qual todos podem gozar. Assim iniciou a idade da leverage [alavancagem]. E, na manivela financeira, na opacidade, operaram bancos, fundos, entidades financeiras de toda a forma e tipo, instituições públicas e privadas. Não se investia mais com o próprio dinheiro, mas com o dinheiro tomado por empréstimo, de forma que, para ser financeiramente íntegro e poder pagar interesses e débitos, o modelo econômico exigia um aumento contínuo dos preços e uma contínua reavaliação do capital investido.

Mas a corrente se quebrou começando pelos bens imóveis, cuja transformação em bens móveis (instrumentos financeiros, derivados e assim por diante) não governou mais a contínua autorreavaliação, e a autodestruição terminou no desvio econômico de uma civilização marcada pela neurose do dinheiro, a qual, segundo uma asserção perfeita de Keynes, "destrói a beleza da paisagem, porque os esplendores da natureza não têm nenhum valor econômico. E somos capazes de gastar o sol e as estrelas, porque não pagam dividendos".

A atual crise dos mercados financeiros, que se deve à sua natural instabilidade e incapacidade de se autorregulamentar, como os mais inflamados idólatras do mercado admitiram, quando dotados de honesta intelectualidade, como ocorreu com Richard Posner, no seu recentíssimo livro "A Failure of Capitalism", parece colocar em discussão muitos dogmas passivamente recebidos para a interpretação dos comportamentos humanos, chegando até a se perguntar se não é o caso de se restaurar leis severas contra a usura.

O capitalismo financeiro deu um amplo espaço à fantasia dos "animal spirits" e impulsionou a criação de uma falsa riqueza às suas mais contraditórias paranoias, pensando ser um novo Midas que deve ser o alquimista com o débito. E, como Midas, perdeu tudo de vista e correu o risco da fome e da eutanásia. A falsa riqueza criada com o débito acabou na miséria. Porém, ainda hoje há quem pense em resolver o problema da crise atual substituindo os mercados financeiros com potenciais mercados de seguros, alimentados pelos incontroláveis "credit defaults swaps", sob a proteção de macabras apostas sobre a falência. Isto é, os derivados que Warren Buffett chamou de "armas financeiras de destruição de massa"

O princípio de Tomás de Aquino "Nummus non parit nummos", mesmo com algum ajuste, ainda é, pelo contrário, o ponto de onde é preciso partir. Então, é o tempo, como já defendi, de reverter a centralidade do problema econômico deslocando-a do capital ao trabalho e, finalmente, de descobrir que a verdadeira riqueza das nações não é fixada pelo dinheiro e pelos interesses de mercado, produtos como as operações mais imprudentes que a fantasia dos operadores inventa, mas está fundada sobretudo no trabalho, entendido no amplo sentido de atividade humana, de capacidade do homem de aprender e aplicar os seus conhecimentos aos procedimentos de produção e de consumo.

A justiça social quer que o produto do dinheiro, isto é, o interesse, seja comparado, no caso, à produtividade do trabalho assim entendido, e não ao mercado do risco. Pelo contrário, o dinheiro se tornou o objeto mesmo dos mercados do investimento. O feitiço da liquidez resultou, assim, no mais antissocial dos programas de investimento das instituições financeiras, em que aquilo que deve criar riqueza é só a liquidez.

Isso ocorreu nem tanto ou não apenas porque a avidez e a irracionalidade dos indivíduos tenham tido a supremacia, mas porque a avidez e a irracionalidade foram teorizadas e colocadas na base de um sistema que está se desagregando. A insensatez e o medo andam ao mesmo passo na cotidianidade de hoje e de então.

A globalização econômica comporta agora uma reflexão que aqueles que governam um mundo do risco total encontram de acordo para evitar as disparidades de riqueza entre os indivíduos e entre os países e uma caótica mas generalizada conflitualidade destrutiva, segundo os princípios fundamentais da Teoria da Justiça de John Rawls, e de modo particular o princípio de diferença, em base ao qual, se melhorarmos a situação dos menos favorecidos (indivíduos ou Estados), melhoramos a situação geral de todos.

Para usar uma metáfora que já usei mais vezes, a Fênix do desenvolvimento econômico contemporâneo está queimando no seu leito de arbustos que construiu para si. A nova Fênix que ressurgirá das cinzas deverá, seja no Ocidente como no Oriente, nascer por radicais reformas institucionais. E a já inevitável globalização deverá abandonar os princípios do Supercapitalismo, formulados por Robert Reich, para colocar em sua base acordos que privilegiem os direitos dos cidadãos e dos menos favorecidos.

Ela só poderá ser baseada na liberdade, na transparência e regulamentações dos mercados, mas sobretudo em um estado jurídico ditado pelo direito cosmopolita de Immanuel Kant, que defendia que "uma federação de Estado, tendo como objetivo só a remoção da guerra, é o único estado jurídico que é compatível com a sua liberdade". Não é, portanto, o direito cosmopolita que pode se sujeitar à força do dinheiro, que, pelo contrário, comprime a liberdade. Só na "Utopia" de Thomas Morus e por meio da "À paz perpétua" de Kant pode-se, por isso, realizar o sonho de uma verdadeira riqueza. E é justamente uma grande crise como a que atravessamos, com fortes características escatológicas, que pode unir os povos da terra em um projeto utopista.

Porém, o projeto pode se tornar menos utopista se os Estados conseguirem criar um consenso geral ao redor de princípios ("global legal standards") que obedeçam às linhas que tracei anteriormente, na dimensão de um novo "contrato social".

Para ler mais:



REVISTA CARTA CAPITAL - EDIÇÃO nº 481

por Mino Carta

Bolsas ou cassinos?
Um livro mostra: o capitalismo financeiro está acima da lei.E a política submete-se

No início do século deste terceiro milênio, entre as cem maiores economias mundiais compareciam 51 multinacionais e 49 Estados nacionais. Assim começa o primeiro capítulo de um livro que acaba de ser lançado na Itália pela editora Adelphi, de autoria do jurista Guido Rossi, professor da Universidade de Milão, e intitulado Mercato d’Azzardo, mercado de azar.

A tese central do livro, a desenvolver uma análise bem documentada e profundamente aguda, é de que somente a lei pode salvar o capitalismo. “Não surpreende, nesta altura – escreve Rossi – que a capitalização da Bolsa chinesa tenha ultrapassado o Produto Interno Bruto do país, e que entre as dez sociedades mais capitalizadas do mundo três sejam chinesas.” E logo adiante: “As corporações são os verdadeiros protagonistas da cena econômica contemporânea (...) e sancionam a divisão do mundo entre ricos e pobres: 93% das 200 principais sociedades pertencem a sete países”.

Os grandes grupos internacionais integram um sistema de troca paralela, acima do mercado e da lei. As bolsas são cassinos e o capitalismo financeiro funciona a seu talante com o beneplácito, mais, a submissão da política. Neste quadro, traçado com raro brilho e fluência, teriam de ser encarados desenvolvimentos da situação global que julgamos meramente políticos, na acepção tradicional.

Situações, por exemplo, como a da Itália, a correr o risco do retorno de Silvio Berlusconi e dos seus aliados da direita. Ou da França, entregue a Sarkozy. Quem sabe houvesse condições para repensar no declarado passamento das ideologias, desejado, anunciado e assentado pelos conservadores. Mas deus mercado também significa deus dinheiro, e diante dele a política cai em genuflexão. Quem reage, até a favor da sobrevivência do capitalismo pelos caminhos de uma lei internacional a ser cumprida à risca, milita do lado oposto. Seria esta a idéia de uma nova esquerda?

Não é por acaso que Sarkozy, ao encontrar na quarta 30 o líder da AN italiana, Gianfranco Fini, durante a conferência dos partidos populares (?) europeus, disse: “Torço por vocês”. Referia-se à crise italiana e à possibilidade de eleições antecipadas após a queda do governo de Romano Prodi. A AN é herdeira do neofascismo e Fini, aliado de Berlusconi.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Paulo Nogueira Batista Jr.

Real forte, economia fraca

"A valorização é um sintoma de que a economia brasileira começa a escapar da crise. No exterior, prevalece a percepção de que o país resistiu bem à gravíssima turbulência internacional" mas também "ameaça a competitividade das exportações brasileiras, já fortemente prejudicadas pela recessão mundial". A análise é de Paulo Nogueira Batista Jr., economista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 28-05-009.
Fonte: UNISINOS


O real voltou a se valorizar, invertendo grande parte da depreciação acumulada desde o agravamento da crise internacional, no final do ano passado. Moeda forte é exatamente como a ponte Rio-Niterói: "Por um lado, é bom; por outro, é Niterói" (Max Nunes).

Por um lado, a valorização é um sintoma de que a economia brasileira começa a escapar da crise. No exterior, prevalece a percepção de que o país resistiu bem à gravíssima turbulência internacional. Essa percepção, aliada a certa melhora do quadro mundial e aos juros altos no Brasil, está levando a um aumento da demanda por ativos em reais e a entradas significativas de capital. A valorização cambial também ajuda a controlar a inflação, que já vinha em queda por conta da recessão.

Por outro lado, a valorização ameaça a competitividade das exportações brasileiras, já fortemente prejudicadas pela recessão mundial.

Representa, além disso, um estímulo à importação, favorecendo a substituição de produção nacional por bens e serviços externos. A queda das exportações e o deslocamento da produção nacional por importações contribuem para dificultar a retomada da economia.

Como lidar com o problema? A acumulação de reservas é uma alternativa atraente, que vem sendo adotada pelo Banco Central desde o início do mês. Ao intervir no mercado de câmbio, absorvendo o excesso de oferta de moeda estrangeira, o BC alcança dois objetivos:

a) segura a apreciação do real, impedindo pelo menos parcialmente a perda de competitividade; e

b) eleva o nível das reservas, reforçando a proteção contra choques externos e garantindo a autonomia do país.

O aumento das reservas para mais de US$ 200 bilhões, que ocorreu antes da fase mais grave da crise mundial, é um dos fatores que explicam o desempenho relativamente favorável do Brasil em circunstâncias muito adversas. Diversos outros países em desenvolvimento, que não tinham a proteção proporcionada por reservas elevadas, sofreram crises cambiais e tiveram que bater às portas do FMI. O Brasil, inversamente, irá emprestar dinheiro ao Fundo, pela primeira vez na história.

Tivemos, entretanto, alguma perda de reservas. As reservas brasileiras, no conceito de caixa, caíram de US$ 206 bilhões no final de setembro de 2008 para US$ 191 bilhões no final de abril de 2009, uma perda de US$ 15 bilhões.

Convém aproveitar a conjuntura mais favorável para recompor as reservas. Neste mês, até o dia 22, as reservas aumentaram em US$ 4,5 bilhões. Um esforço adicional de acumulação de reservas ajudaria a conter a tendência de apreciação do real e poderia trazer as reservas para o nível observado antes da intensificação da crise, em outubro.

A valorização acentuada do real sugere também que a taxa de juro continua fora do lugar, apesar das diminuições recentes. O diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo ainda é muito alto, contribuindo para o fortalecimento do real. Os juros altos também obstruem a recuperação da demanda interna. Portanto, uma diminuição mais rápida dos juros internos traria um duplo benefício: contribuiria para conter a perda de competitividade externa e apressaria a recuperação do mercado interno.

Em suma, o governo tem instrumentos para lidar com o problema. Trata-se basicamente de intensificar a acumulação de reservas e acelerar a redução dos juros. É recomendável, porém, agir com rapidez, evitando que se instale a expectativa de um novo ciclo de valorização da moeda brasileira.
[grifos do blog]

Para ler mais:


quarta-feira, 27 de maio de 2009

Charge - Maringoni

Fonte: Agência Carta Maior

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Por que não limitar a entrada de capitais?

Artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, publicado no jornal Folha de S. Paulo, 25-05-2009. Fonte: UNISINOS


Na semana passada, minha mulher, que não é economista, mas psicanalista, vendo o real voltar a se valorizar, disse-me que esse vaivém era muito ruim e, usando seu bom senso, perguntou por que não se limitavam a entrada e a saída de capitais. Não se limita a entrada de capitais, respondi-lhe, porque essa política vai contra os princípios fundamentalistas neoliberais aprendidos pelos economistas nas suas escolas e porque não interessa aos países ricos que os países em desenvolvimento tenham taxas de câmbio competitivas.

Já quanto à saída de capitais, a história é outra: não se deve limitá-las porque isso é sinal de fragilidade financeira do país, sinal de que ele não controlou seu déficit público e aceitou o "bom" conselho de "crescer com poupança externa", deixando, assim, que o país fosse inundado de dólares, euros e ienes.

A taxa de câmbio é o preço que, se os mercados funcionassem como seus fundamentalistas supõem, flutuaria mantendo-se razoavelmente estável e garantindo o equilíbrio da conta corrente do país. Entretanto, como esse excelente coordenador da economia que é o mercado não é capaz de realizar essa tarefa específica, a flutuação da taxa de câmbio nos países em desenvolvimento tem um viés para o lado da apreciação que, não sendo corrigido pelo governo, termina em crise de balanço de pagamentos. As causas dessa tendência são estruturais, associadas à doença holandesa e à maior rentabilidade dos investimentos, às quais se somam as políticas da ortodoxia convencional de crescimento com poupança externa, âncora cambial e taxas de juros elevadas.

Dada a existência dessa volatilidade e, principalmente, dessa tendência à sobreapreciação, os países em desenvolvimento bem-sucedidos administram sua taxa de câmbio evitando que a sobreapreciação ocorra. No passado, faziam isso com o regime de câmbio fixo, mas aos poucos ficou claro que era melhor deixar a moeda nacional flutuar no mercado e, ao mesmo tempo, administrá-la.

Essa era a prática recomendada por Keynes; é o que o bom senso determina. A ortodoxia neoliberal, porém, chama essa prática de "flutuação suja", insiste em que o mercado é bom coordenador do câmbio, apesar de todas as evidências em contrário, e, novamente contra toda evidência, afirma que é impossível administrar o câmbio e, finalmente, condena às chamas do inferno quem defender o controle de entradas quando os influxos de capital forem muito grandes; só economistas "populistas" poderiam fazer isso.

O problema não é apenas ideológico. Interessa aos operadores financeiros que haja flutuações no câmbio dos países em desenvolvimento porque essa é uma origem de seus ganhos. E principalmente interessa aos países ricos de onde nos vem a "verdade econômica" que a taxa de câmbio nos países em desenvolvimento tenda a ser alta. Dessa forma, sua desvantagem nos mercados internacionais causada por seus salários mais altos é compensada pelo câmbio sobreapreciado nos países em desenvolvimento, principalmente nos países de renda média que são seus grandes concorrentes.

O mal maior que os países em desenvolvimento enfrentam é a fragilidade financeira internacional. Se o país adotar uma política macroeconômica correta, baseada em Orçamento público equilibrado, juros moderados e câmbio competitivo, o país não precisará controlar a entrada de capitais, a não ser em momentos especiais. Se ouvir o fundamentalismo, estará sempre à beira da crise e pedindo ajuda a seus concorrentes mais ricos.

[grifos do blog]

obs: a imagem animada foi encontrada no blog do Josias de Souza

Elton Leão

O PSDB e suas visões da Petrobras

Escrito por Elton Leão, empregado da Petrobras
Fonte: Correio da Cidadania






Sou empregado da Petrobras há 19 anos e venho através deste espaço comentar a minha visão do que foi o idealismo do PSDB para com a Petrobras no período de FHC.

De início, como todos sabem, o PSDB implantou no país um vasto programa de privatizações, colocando prioridades em setores de pouca relevância e posteriormente avançando sobre os braços fortes das empresas brasileiras.

Bancos estaduais, ferrovias, siderúrgicas, telecomunicações, energias entre outras. Banco do Brasil, CEF, Petrobras e Previdência Social eram as próximas instituições a serem negociadas. Graças à entrada do presidente Lula neste meio, e dos partidos de oposição, o processo foi interrompido.

Mais especificamente com a Petrobras, o processo foi iniciado. Porém, o PSDB pensava em como poderia privatizar a empresa sem que a população criasse resistência ao processo. Como fazer, então, com uma empresa símbolo nacional desde a década de 50?

Tarefa difícil, porém, nada impossível para o grupo de FHC. Em 1997, Joel Rennó, que era o presidente da Petrobras na época, aquele francês naturalizado brasileiro, contratou uma consultoria internacional para orientar a empresa sobre como privatizar sem que a população percebesse a manobra. Aliás, tentou até mudar o nome da Petrobras para Petrobrax, para que os gringos pudessem pronunciar melhor o nome da empresa.

Esta consultoria orientou o seguinte: 1) transformar a empresa numa holding; 2) não privatizar a empresa no todo, mas dividi-la em unidades independentes, a que chamaram de "Unidades de Negócios-UN", as quais, aí sim, poderiam ser privatizadas; ou seja, não seria a "Petrobras" que estaria sendo privatizada, mas a Unidade A, B ou C. Foi o artifício que a consultoria sugeriu.

O processo foi iniciado, e a Fronape (Frota Nacional de Petroleiros) foi uma das primeiras a serem preparadas. Mas, neste caso, o processo não chegou a ser concluído. Hoje ela existe com um CNPJ paralelo, com a denominação de Transpetro. A refinaria de Porto Alegre, Alberto Pasqualini (REFAP), foi negociada com a Repsol argentina/espanhola, e assim as demais seriam pulverizadas.

Se se observar o organograma da empresa, é possível verificar que o que antes eram "superintendências" hoje são "Unidades de Negócios" (passíveis de vendas). Temos UN-Reduc (RJ), UN-Replan (SP), UN-Regap (MG), UN-Revap (SP), UN-AM (AM), UN-RNCE(RN), UN-BA(BA), UN-BC (Bacia de Campos-RJ), UN-Rio (Macaé) e a mais recente UN-BS (Bacia de Santos), onde se encontram as reservas do pré-sal.

Para que as privatizações das UN fossem efetivadas, o "excesso" de contingente teria que ser minimizado, e com isto a empresa terceirizou o máximo que pôde a força de trabalho. Reduziu-a de 60 mil empregados em 1990 para 32 mil em 2000. A mão-de-obra terceirizada era despreparada e, junto com a falta de repasses de recursos para manutenção preventiva, observaram-se os maiores acidentes da história recente da Petrobras: o derrame de óleo da baía da Guanabara, o derrame de óleo em Paranaguá e o mais crítico, pelas perdas humanas, o afundamento da P-36.

Portanto, esta é a minha visão do que o PSDB e afins pensam da Petrobras e do mercado de petróleo brasileiro. Espero ter contribuído.

domingo, 24 de maio de 2009

Entrevisa - Ivana Bentes

'O que a mídia vende/explora não é a publicidade - somos nós mesmos''


Maisa comanda um programa no SBT e, aos domingos, é protagonista de um quadro em que conversa longamente com ninguém menos que seu patrão, Silvio Santos, e ajuda a alavancar a audiência do restante da programação. Mas, nas duas últimas semanas, o quadro dominical foi palco de cenas ao vivo de gritos e choros da criança. A reportagem e a entrevista é de Cyrus Afshar e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 24-05-2009.

Ivana Bentes é professora do programa de pós-graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Na entrevista concedida por e-mail, Bentes explica alguns dos mecanismos de funcionamento da apropriação da imagem de novas celebridades, o comportamento do público e a importância da internet para o processo de espetacularização.
Fonte: UNISINOS



O que está acontecendo com a menina Maisa é um caso de exploração midiática?

"Exploração midiática" é quase uma redundância. A expropriação/apropriação é base de funcionamento do próprio regime midiático em que nós, telespectadores, somos a matéria-prima em diferentes sentidos. Na busca de criar fatos midiáticos incessantemente, capturar nossa atenção e comprar nosso tempo, a televisão convoca, explora e mobiliza nossos afetos, nossa atenção.

O espectador é o primeiro "explorado" pela publicidade, pela ficção, pelas "atrações". Somos nós que emprestamos nosso tempo, nossa subjetividade e nosso imaginário para criar valor na TV. Ou seja, o que a mídia vende/explora não é a publicidade - somos nós mesmos.

E, para isso, precisa minimamente que essa audiência se conecte, se deixe afetar por um personagem, uma situação, que crie hábitos e possa voltar - criando um sentimento de pertencimento a uma "comunidade imaginada". Aí se chega a Maisa, a menina-prodígio do SBT, a "menina-monstro" como definiu ironicamente, mas com precisão, o "Pânico na TV".

A garota é realmente adorável e "monstruosa" ao mesmo tempo. Tem a dupla face da mídia atual, que incorpora e utiliza o mais "espontâneo", o íntimo, a gafe, o erro, o choro e todo tipo de assujeitamento e humilhação como matéria altamente valorizada. Isso sem abandonar a celebração do visível, da formalidade e da encenação.

Não é à toa que os vídeos de Maisa estão no YouTube anunciem "pérolas de Maisa", gafes de Maisa, micos de Maisa, choro de Maisa, tropeços etc. A questão é saber onde acaba o lúdico e o adorável e começa a perversão e a monstruosidade dessa situação-mídia.

Não se trata de julgar nem de moralizar "este" caso, num momento em que o valor de "exposição" da vida, da intimidade, da subjetividade na TV, na internet ou em qualquer outra mídia é um valor em si. A visibilidade é um bem altamente valorizado e disputado -"naturalizado". É preciso justamente desnaturalizar esse novo regime midiático que não para de testar os limites do tolerável e do aceitável.

Nesse contexto (de exploração midiática), qual é o papel da mãe? E o do apresentador?

Não é difícil entender o seu nível de satisfação/excitação do pai e da mãe da menina (satisfação simbólica e real, com sua galinha dos ovos de ouro mirim). E o apresentador/dono da emissora cumpre o mesmo papel de outros homens de negócio de TVs abertas que vendem "produtos" tão ou mais discutíveis e monstruosos: homofobia, intolerância religiosa, espetáculos de descarrego e expulsão de demônios dos corpos, preconceito racial, condenações morais, denuncismo, criminalização da pobreza e dos pobres e toda uma pauta conservadora e moralista. A questão que importa é saber qual o papel da "comunidade" de telespectadores e da sociedade diante desse quadro.

Como tem sido e como deveria ser o tratamento dado pela mídia neste caso?

A televisão não tem programa de debate e de discussão do seu próprio conteúdo. A TV não dá direito de resposta, o que é escandaloso. Confunde audiência com legitimidade social e qualidade. Daí que não vi na mídia (com raras exceções, como a coluna de Bia Abramo do dia 17/5, na Folha) nenhuma discussão sobre os limites e constrangimentos de colocar uma criança de seis anos no horário nobre de domingo falando de "pum", gases, bunda, meleca.

E, ao mesmo tempo, tendo que responder sobre assuntos extremamente complexos, como outras celebridades televisivas, profissões, afetos, casamento, Deus e infidelidade. E sempre constrangida por Silvio Santos até o limite do embaraço, do choro ou da mudez com reprimendas, ameaças, provocações.

Pessoas antes quase desconhecidas são alçadas rapidamente à condição de celebridades por conta dos milhões de acessos, casos da escocesa Susan Boyle, de Cris Nicolotti e de Maisa. Qual a importância hoje da internet no processo de criação das celebridades?

"Celebridade" talvez seja um nome antigo (coisa do século passado, de mídias "modernas", como cinema e TV) para descrever os processos da visibilidade contemporânea. A internet e o YouTube criaram um novo público, pós-televisivo, um consumidor-produtor superativo, que clica tudo e que vê tudo - sem dúvida é uma nova força.

O YouTube é genial porque é o esgoto público das imagens, onde é possível experimentar o que há de mais potente e monstruoso (no sentido positivo e negativo dos excessos e das exceções) na multidão de usuários, sem mediação. Sem o "patrão", como Silvio Santos se apresenta para a menina Maisa no SBT, num dos quadros.

Quando procuramos vídeos da artista mirim no YouTube, o site remete a entradas como "Maisa chorando", "Maisa chora" e "Maisa peidando", a partir das buscas mais realizadas. Os fãs sentem prazer em ver celebridades em situações constrangedoras?

Trata-se de um fenômeno bem mais amplo e disseminado de midiatizacão, comercialização da intimidade e da "visibilidade". A partir do momento em que ruiu a barreira entre intimidade e publicidade, em que se esgarçou o limite entre público e privado, o que poderia ser constrangedor? Maisa chorando, Daniela Ciccarelli transando na praia, a cabeça de Saddam Hussein rolando, os exames de saúde da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em jornais assistidos por milhares de pessoas? Exibir a intimidade vem deixando de ser um constrangimento para se tornar um "valor". A intimidade na era da sua visibilidade máxima e as tecnologias de exibição de si são uma característica geral e uma exigência do capitalismo contemporâneo.

O caso da construção da ex-atriz Shirley Temple é paradigmático para entender a situação atual deste caso?

Bem, o visual da apresentadora mirim do SBT parece inspirado nos vestidinhos de babados e cabelos cacheados da mais famosa menina-prodígio de Hollywood. Mas é preciso lembrar que Shirley Temple é um produto da máquina fordista hollywoodiana, dos anos 1930 e 1940, de um capitalismo disciplinar e disciplinador em que a ideia de "infância" e "criança" ainda estava bem delimitada e definida.

Hoje, quando foram desenvolvidos produtos midiáticos para crianças de zero a um ano - como os Teletubbies, que aceleram os processos cognitivos enquanto ensinam a criança a desejar e a consumir -, a comparação com Shirley Temple talvez não seja apropriada.

Pois o capitalismo contemporâneo tem necessidade de incluir e modular todos, desde o ano zero e mesmo antes do nascimento.

O aprendizado se faz pela mídia - com o fim dos tempos "mortos" da infância, de ócio e lazer, em nome de uma hiperprodutividade infantil - e por adestramento precoce, cujo modelo visível Maisa encarna.

O assustador é que a subjetividade-Maisa é o modelo de criança e de infância em via de se universalizar. São muitos os indícios: o assédio e crescimento da publicidade infantil, sem controle no Brasil; a invasão de bichinhos e desenhos animados em anúncios de cerveja, carros, criando uma sensibilidade precoce e formando consumidores futuros, a erotização do universo infantil dissociada, mais tarde, do abuso sexual por adultos e da violência contra crianças.

Enfim, a garota-prodígio do SBT aponta para antigas questões e novos limites, em torno da intimidade, da visibilidade, da infância. Nesse sentido é uma menina-modelo, exemplar de uma série de transformações.

Para ler mais:


Luiz Alberto Gómez de Souza

A doutrina cristã e a consciência histórica de hoje.

Artigo de Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo, ex-funcionário das Nações Unidas (CEPAL e FAO), diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, é autor do livro Uma Fé exigente, Uma Política Realista, Rio de Janeiro: Educam, 2008.
Fonte: UNISINOS




Frequentemente vemos confundir doutrina – prescrições feitas num tempo dado – com o núcleo duro da Fé, que são os dogmas, bem menor do que se crê. O teólogo Newman, convertido ao catolicismo, feito cardeal por Leão XIII para mostrar distância de seu antecessor Pio IX que não o tolerava, escreveu, em 1845, um alentado livro sobre o desenvolvimento da doutrina no tempo. Ela permanentemente deve adequar-se às mudanças na consciência histórica de uma época. Se não o fizer, fica defasada e não corresponde às demandas dos fiéis. É o aggiornamento, posta em dia, a que se referiu João XXIII. Bento XVI acaba de lançar um livro, Elogio da consciência, com seus textos dos tempos de teólogo e ali alude a Newman, ao qual várias vezes tem declarado admirar. E cita o teólogo inglês, que escreveu que se devesse brindar, o faria primeiro à consciência e apenas depois ao papa. Só que Ratzinger, numa interpretação restritiva e paradoxal, considera que o papa é o responsável quase exclusivo pela memória e pela consciência cristãs.

Voltando a Newman, em célebre artigo para a revista The Rambler, (julho de 1859) indicou que, no século IV, a maioria dos bispos era ariana – negando a divindade de Jesus – e o próprio papa Libério parecia inclinar-se nessa direção. A ortodoxia foi salva pelo “consenso dos fiéis” (e pela reflexão dos teólogos, completaria mais tarde o Pe. Congar). Se isso aconteceu diante de um dogma tão central na Igreja, muito mais certo será quando se tratar de preceitos doutrinários ou disciplinares que tem de ser revistos quando mudam os tempos. Deixar de fazê-lo é ficar para trás e não responder às novas sensibilidades e às exigências emergentes. Não se trata de oportunismo, mas de estar à escuta dos “sinais dos tempos”.

Quando Leão XIII, em 1891, referindo-se ao que se chamaria depois a doutrina social, falou de “coisas novas” (Rerum Novarum) , elas o eram no mundo católico. Entretanto o leigo Ozanam, em 1848, quase meio século atrás, ano do Manifesto Comunista, profeticamente lançara seu “passemos aos bárbaros”, isto é, a classe operária e a democracia, sem ter sido levado em conta pelo magistério. Tratava-se porém de um tema antigo para um socialista francês, cujo pai lutara na comuna de Paris, o avô estivera nas barricadas de 1848 e o bisavô nas lutas sociais de 1830.

Durante o Vaticano II, João XXIII retirou da pauta o tema da reprodução e nomeou uma comissão para estudar o assunto. Paulo VI a ampliou para mais de sessenta membros, incluindo mulheres e um casal. A maioria, contra apenas três, foi favorável ao uso amplo de anticoncepcionais. O papa, depois de muitas dúvidas e sofrimento (papa hamletiano, como o chamaram), ficou com a minoria, onde se encontrava o cardeal Otaviani, para não contradizer o que dissera Pio XI na Casti Connubii nos anos trinta. Como se hoje tivéssemos de obedecer aos anátemas do Syllabus de Pio IX contra as liberdades modernas e contra a democracia. Ou manter o furor antimodernista dos tempos de Pio X, posto de lado logo depois por Bento XV. As conseqüências da Humanae Vitae de 1968 são negativas até hoje.

Em nossos dias, há um consenso crescente na sociedade e entre os fiéis, em sua prática cotidiana, em temas de sexualidade e de reprodução, não levando em conta uma doutrina oficial cada dia menos seguida. Também em voz baixa, mas de maneira crescente, sacerdotes e mesmo bispos se insurgem contra o celibato obrigatório, fonte de tantas deformações, como nos Estados Unidos e agora indicado em recente relatório na Irlanda. Além disso, frente à escassez de sacerdotes e diante de uma exigência de prática eucarística, sobe a demanda da ordenação de homens casados e de mulheres das próprias comunidades. Estamos assim frente à necessidade de um novo agggiornamento. Um teólogo escreveu, em 1990, que vivíamos um inverno na Igreja. Ele se mantém e mesmo se agrava. Não será o momento, num próximo futuro, de uma nova inesperada primavera, como disse o papa João do Concílio Vaticano II? Quando o Vaticano I proclamou isolado o dogma do primado do papa, Newman indicou a um amigo angustiado (carta de 3 de abril de 1871): “Pio (IX) não é o último dos papas. Um novo papa ou um novo concílio polirão a obra”. O problema, como chegou a proclamar o jovem Ratzinger durante o Vaticano II, é que a cúria tem “uma negação quase neurótica com tudo o que é novo”.



quarta-feira, 20 de maio de 2009

Entrevista - Rolando Astarita

Uma pletora de capital: a gênese da crise econômica

Entrevista publicada no suplemento CASH, do jornal argentino Pagina 12, em 17 de maio de 2009. Para conhecer o trabalho, os interesses e parte das publicações do professor Rolando Astarita, ver a sua página: www.rolandoastarita.com. Tradução: Katarina Peixoto.
Fonte: Agência Carta Maior


Pagina12: Acreditas que a crise financeira marca a queda da ditadura das finanças?

Roland Astarita: Não vejo que haja uma ditadura das finanças, mas um domínio do capital em geral, acentuado de maneira muito profunda a partir dos anos 80. No último quarto de século, o disciplinamento do capital sobre as classes trabalhadoras operou através de mecanismos diretos, mas também do mercado, com políticas monetárias duras, aberturas comerciais, flexibilização laboral. Mas não vejo distinção de setores dentro do capital.

P12: No entanto, o crédito e as dívidas cresceram em todo o mundo. Isso pode ter afetado o desenvolvimento da economia real?

RA: Nunca houve desenvolvimento do capitalismo sem desenvolvimento do crédito e de uma monetarização da economia. Na perspectiva de Marx, o crédito é uma alavanca da acumulação de capital. Isto também se vê na fase que vai de 1890 a 1929. Na China, junto à expansão capitalista cresceram seus índices monetários e a participação dos mercados financeiros. Mas o crédito também potencializa as possibilidades de especulação, de sobre-acumulação e de quebradeira. Marx trabalhava com tendências e contra-tendências. Hoje, ao contrário, toma-se só um aspecto da realidade.

P12: Alguns sustentam que o crescimento do crédito prova o estancamento do sistema capitalista.

RA: A idéia de que o sistema capitalista está estancado há 25 anos não resiste à análise da realidade. Nos últimos 30 anos a economia capitalista teve taxas de expansão superiores a 3% em nível mundial, ainda que tenham sido desiguais: o Japão está estancado desde 1992 e a Europa teve um crescimento débil. Houve uma expansão geográfica do sistema capitalista, que entrou na China, no Leste Europe e na Rússia, e um aprofundamento das relações capitalistas. O aumento da produtiviade na economia dos EUA desde 1995 foi maior do que 3% ao ano. O crédito atua como uma potencialização de tendências do sistema e muitas vezes permite que um ciclo econômico se expanda para além de suas possibilidades. Em 2001 os EUA sofreram uma recessão suave. A economia cresceu 0,8% e o crédito lubrificou os mecanismos econômicos. Mas a recuperação de 2002 foi débil, com pouca geração de postos de trabalho e débil recuperação do investimento.

P12: Nesse contexto o crédito migrou para que setores?

RA: Para a construção residencial e para o consumo em geral, não para as empresas. Desde 2000 as empresas dos EUA e do G7 diminuíram sua dependência do sistema financeiro. Houve um excesso de poupança e as empresas diminuíram suas dívidas com os bancos. Inclusive, usaram parte dessa liquidez para recomprar suas ações. Não houve uma grande expansão do investimento produtivo, mas tampouco uma dependência do capital produtivo em relação ao financeiro. As relações de dependência voltaram em meados dos anos 70. Não se pode dizer que fosse uma crise como a diagnosticada a la Hyman Minsky, um autor keynesiano que sustentava que as crises se produzem porque as empresas caem num sobre-endividamento e pagam dívida com dívida até que a situação exploda.

P12: No entanto, houve uma “financeirização dos consumidores”, com a qual se amorteceu a crise de 2001.

RA: E ademais ajudou a recuperação de 2002. Isso é certo. O equivocado é pensar que isso atuou isoladamente. Em 2001, a superabundância de capital líquido e o investimento débil ocorreram porque a taxa de rentabilidade do capital vinha se debilitando desde 1996/7. Esse é o fundo do problema. Produziu-se o que Marx chamava “uma pletora de capital”: capital líquido abundante, taxas de juros muito baixas (dirigidos pelo Federal Reserve e pela entrada de capitais que buscavam refúgio nos EUA) e uma super-oferta do crédito. Esses capitais líquidos terminaram no setor da construção, onde encontraram um campo de expansão relativamente rápido. E terminou explodindo.

P12: Também se diz que, desde os anos setenta, o mundo assiste a uma crise de superprodução combinada com uma crise de subprodução.

RA: Há dois tipos de explicações da crise. Uma diz que o problema da crise deu-se com as finanças. Outra, que a Argentina repete bastante, que se deve a uma importante desigualdade de renda, o que produziu uma crise de consumo por falta de demanda. Creio que isto tampouco explica o que aconteceu. No último quarto de século houve um processo de “proletarização”, enormes massas da população se incorporaram no exército de assalariados. Os casos mais ressonantes são China e Índia. Isso supõe uma ampliação de mercados, enquanto houver crescimento nos lucros. Segundo a The Economist, nos Estados Unidos 0,1% da população ganha 77% vezes mais do que 90% da população restante. Nos anos 70 essa diferença era de 1 para 20. Também na China a desigualdade cresce. Mas não é certo que se a desigualdade cresce, crescem os mercados.

P12: Neste crescimento da economia capitalista, como se compõe o produto bruto no mundo?

RA: No caso dos Estados Unidos, desde a recuperação de 2001 se geraram fenômenos de sobre-acumulação de capital e de queda da taxa de rentabilidade. Esse é o pano de fundo da crise. Sobre isso o fator financeiro atuou, mas também o crescimento desproporcional na construção residencial, entre 2001-2007. Sua participação no PIB passou de 4,2% a mais de 6%. Isso gera tensões, porque um setor está crescendo em taxas muito superiores ao resto, e num contexto em que os investimentos se mantêm débeis. Isso potencializou o sistema de crédito e deu-se uma sobre-expansão do setor em relação às necessidades da economia.

P12: Pegando apenas o setor financeiro, o crescimento da sua participação no PIB dos EUA implicou uma mudança ou uma continuidade em relação a etapas anteriores?

RA: Não me parece que a taxa de crescimento tenha se acelerado desde 1979-80. Entre 1895 e 1929, a taxa de crescimento desse setor nos EUA foi superior a dos últimos vinte anos. Com a crise dos anos 30, o setor financeiro diminuiu sua participação na economia e recuperou terreno desde a década de 50, com um crescimento relativamente constante desde 1960. Não houve uma queda importante nos anos 80, ainda que as taxas de juros tenham aumentando muito: entre 1979 e 1985, o peso dos juros nos balanços empresariais subiu consideravelmente. Isso expressa parte da tese da financeirização, mas não se converteu em algo permanente.

P12: Por que?

RA: Prognosticou-se que iria se produzir uma punção permanente do setor financeiro sobre o lucro empresarial, mediante a taxa de juros. E que isso debilitaria o setor produtivo e levaria ao estancamento. Mas insisto que o peso dos juros sobre o setor produtivo tendeu a baixar. Segundo dados do Official Bureau of Economic Analysis dos Estados Unidos, entre 2006 e princípios de 2007, esse peso estava nos níveis de 1970, que era uma época keynesiana. Penso que esta é uma crise muito grave, muito profunda, mas estamos longe de uma crise como a dos anos 30.

P12: Então acreditas que não há um predomínio do capital fictírico sobre o produtivo, em detrimento da economia real?

RA: Há que se perguntar até que ponto isso é novidade. Quando houve expansão de capital no sistema capitalista, na Bolsa de Valores houve sobrevalorizações. Tradicionalmente, metade disso estaria em 10 anos de price earning (1). No momento de euforia das bolsas, alcançou 20 ou 30 anos. Isso ajuda à instabilidade do sistema capitalista, já que provoca inflação dos lucros que desaparecem da noite para o dia, mas esses lucros não crescem à margem do trabalho produtivo.

P12: Acreditas que a crise atual reflita esse mecanismo?

RA: Aqui estouraram ativos financeiros ligados ao crédito, que se havia sobrevalorizado. O estouro reflete que a economia estava funcionando mal. Há que se pensar o tal do capital ficítcio com parâmetros; ele não deve nos fazer perder a análise estrutural. Ao extrair a mais valia e a realizá-la nos mercados, pode haver inflações que terminam arrebentando. Mas, à medida que a instabilidade se agrava, as crises não se explicam por si mesmas.

P12: Pode estabelecer-se alguma relação entre o excesso de liquidez e a tendência à financeirização da economia?

RA: Esse excesso de liquidez deveu-se à debilidade do investimento produtivo. Em determinado momento, houve setores que super-acumularam. Os neoclássicos interpretaram esse fenômeno como uma decisão das instâncias domésticas, das famílias, quando, na realidade, foi uma debilidade no investimento. Um exemplo é a queda de investimento na Ásia – com exceção da China – depois da crise de 1997-98. Essa massa de capital líquido pressiona sobre o setor financeiro em busca de sua valorização. Mas há que se destacar a relação de causalidade. O crescimento deste setor é consequência da acumulação de capital, ele não opera por fora do conjunto dos problemas dessa acumulação. A interpretação dos neokeynesianos – que hoje são mainstream – é a do acelerador financeiro. Quer dizer, o uso dos ativos financeiros como garantias em empréstimos, até que, em determinado momento, produza-se um choque que se potencializa através do mecanismo financeiro.

P12: E qual a tua opinião sobre esse diagnóstico?

RA: Há aspectos de realidade importantes, mas não analisa a quê se deve o choque, de onde vem. É o próprio sistema de competição capitalista que obriga a um banco a competir com outros para oferecer mais rentabilidades. Se não os ligamos aos problemas de fundo, não entendemos por que essas especulações podem explodir numa brutal crise financeira, que nem sempre afeta a economia. Por exemplo: o crash de Wall Street de 1987 não se tornou uma crise global e foi a segunda grande queda da bolsa dos Estados Unidos.

P12: No encontro do G20 propô-se uma maior regulação dos mercados como forma de sustentar a situação econômica. Crês que essa seria uma solução?

RA: No G20 a regulação dos mercados foi defendida como uma grande questão para depois da crise. Hoje a discussão é até que grau há de se ter intervenção estatal e se medidas protecionistas serão ou não aplicadas. Todo mundo pede que não haja medidas protecionistas mas, no fundo, muitos as aplicam. Sobre isso gostaria de fazer duas reflexões. Os mercados financeiros e capitalistas pressionam para afastar as regulações. As regulações da Basiléia estabeleceram que os bancos deviam ter certa ratio de capital em relação a sua carteira de ativos. Mas os bancos criaram “Sociedades de Propósitos Especiais” (espécie de fideicomisso) para armar suas operações por fora do balanço e, assim, comprar papéis que essas entidades emitiam.

P12: E a segunda reflexão?

RA: Lênin dizia que estavam bem as consignas, mas há que se pensar em quem as aplica. No G20, defendeu-se que o FMI deve retomar o poder de regular. Esse organismo está governado pelas grandes potências, os grandes banqueiros e o capital internacionalizado. Vai responder a esses interesses. É um controle dos altos comandos do capital para evitar desequilíbrios. Não há controles em abstrato.
[grifos do blog]


(1) Ratio Price Earning é um indicador (normalmente designado por P/E ou PER) de análise do valor de uma ação. É a medida estabelecida entre o preço da ação e os lucros das empresas. Quanto mais elevado for o seu valor, mais cara deverá estar a ação e vice-versa. Exemplo: se a Empresa X estiver cotada a € 60 por ação e os seus lucros forem de € 3 por ação, o seu PER é de 20 (60/3). Isto significa que os investidores estão pagando € 20 por cada € 1 de lucros da Empresa X. Esta relação é também conhecida por stock multiple, significando que a Empresa X está a negociar num múltiplo de 20 vezes os seus lucros. Este é um indicador muito utilizado pelos analistas e um dos mais conhecidos dos investidores. Na verdade, é muito frequente ver na imprensa a referência a uma ação como cara ou barata apenas por referência ao PER. Veja-se a estratégia de investimento boas & baratas divulgada pela Revista Carteira, em que um dos critérios para selecção das acções é um PER inferior a 14, dado que este representa aproximadamente a média a nível mundial. Porém, a realidade não é assim tão clara e de simples análise. O PER tem limitações e devem ser conhecidas do investidor, de modo a que não se tomem decisões apenas com base nele. N.deT. Com http://www.analistafinanceiro.com/fiscal-financeiro/o-price-earnings-ratio-pe-ou-per/

Leda Paulani

Marx, as crises e a ''desregulação financeira''

Artigo é da economista Leda Paulani, professora titular do Departamento de Economia da FEA/USP e publicado pela Carta Maior, 20-05-2009.
Fonte: UNISINOS

No terceiro texto da Série ‘Marxismo e Século XXI” - seminário virtual organizado por Carta Maior, com curadoria do sociólogo Chico de Oliveira - a economista Leda Paulani aborda a conceituação das crises cíclicas do capitalismo. Ela explica que Marx enxerga nas crises uma característica definidora do capitalismo, o modo pelo qual o sistema funciona, não o modo pelo qual ele falha. A causa das crises, do ponto de vista marxista, é sempre o excesso de acumulação de capital, que, a partir de determinado momento, não encontra condições de se realizar. Ao permitir a queima de capital, as crises liberam espaço para a continuidade do processo de acumulação. Há quase três décadas, porém, o capitalismo vem sendo comandado pelo lado financeiro, e isso introduziu mudanças significativas na forma de operar do sistema.


Em artigo de seu clássico livro The Wordly Philosophers, Robert Heilbroner afirma que, conforme Marx, as crises servem para renovar a capacidade de expansão do sistema, sendo assim o modo pelo qual ele funciona, não o modo pelo qual ele falha. Não há forma mais concisa para expressar o que pensava o profeta mouro desses fenômenos.

Bem ao contrário do que postula a economia convencional, para a qual o estado normal da economia capitalista é a harmonia e o equilíbrio, sendo as crises momentos incomuns, rapidamente corrigidos se o mercado for deixado em paz, Marx enxerga nesses eventos a característica definidora do capitalismo. Vendo-o como um sistema complexo e dinâmico, movido a contradições, esses episódios são, para ele, tão naturais quanto necessários.

Na visão de Marx, a crise é o momento em que as contradições se materializam e exigem solução, sob pena de se comprometer a viabilidade do sistema. A causa das crises é sempre o excesso de acumulação de capital, que, a partir de determinado momento, não encontra condições de se realizar. Ao permitir a queima de capital, as crises liberam o espaço para a continuidade do processo de acumulação.

Tanto nos momentos de aceleração e auge quanto nos de desaceleração e crise, o lado produtivo e o lado financeiro operam combinadamente, cabendo ao último um papel multiplicador, pois ele tende a inflar a economia nos momentos de crescimento, tornando mais profundos, por conseqüência, os momentos de crise. Mas o pressuposto aí é que o lado produtivo comande o processo (o que não significa que ele possa por isso ficar imune ao trabalho amplificador que o lado financeiro produz).

Há quase três décadas, porém, o capitalismo vem sendo comandado pelo lado financeiro, e isso introduziu mudanças significativas na forma de operar do sistema. A riqueza financeira, constituída em boa parte por aquilo que Marx denominou capital fictício, cresce exponencialmente, enquanto o crescimento da renda real (PIB) e, por conseguinte, da riqueza real, dá-se de modo muito mais lento.

Com isso, o sistema fica estruturalmente frágil, dado que o caráter rentista da propriedade do capital se choca com o desenvolvimento vagaroso da produção de valor excedente. As pressões que se exercem sobre o setor produtivo são por isso enormes, justificando toda sorte de barbarismos e retrocessos na relação capital-trabalho. Ademais, o sistema fica muito mais exposto às crises provocadas pelos movimentos dos estoques de riqueza (ativos), que caracterizam o lado financeiro do sistema.

Dos anos 1980 para cá, o capitalismo já experimentou pelo menos cinco grandes crises, contando a maior delas, esta que ora presenciamos. Todas essas conturbações foram provocadas pela intensa mobilidade do capital financeiro planeta afora, com a recorrente formação e estouro de bolhas de ativos. A forma de “resolver” essas crises tem jogado para frente, de forma magnificada, o mesmo problema, pois busca salvar a riqueza financeira da fogueira que ela mesma provoca.
[grifos do blog]

Para ler mais:



terça-feira, 19 de maio de 2009

Eduardo Galeano

Desculpem a moléstia

O artigo é de Eduardo Galeano. Tradução: Emir Sader.
Fonte: Agência Carta Maior




Quero compartilhar com vocês algumas perguntas, moscas que zumbem na minha cabeça:

O sapatista do Iraque, o que jogou os sapatos contra Bush, foi condenado a três anos de prisão. Não merecia, na verdade, uma condecoração?

Quem é o terrorista? O sapatista ou o sapateado? Não é culpado de terrorismo o serial killer que, mentindo, inventou a guerra do Iraque, assassinou a um montão de gente, legalizou a tortura e mandou aplicá-la?

São culpados os habitantes de Atenco, no México, ou os indígenas mapuches do Chile, ou os kekchies da Guatemala, ou os camponeses sem terra do Brasil, todos acusados de terrorismo por defenderem seu direito à terra? Se sagrada é a terra, mesmo se a lei não o diga, não são sagrados também os que a defendem?

Segundo a revista Foreign Policy, a Somália é o lugar mais perigoso do mundo. Mas quem são os piratas? Os mortos de fome que assaltam navios ou os especuladores de Wall Street, que há anos assaltam o mundo e agora recebem multimilionárias recompensas por suas atividades?

Porque o mundo premia os que o saqueiam?

Por que a justiça é cega de um único olho? Wal Mart, a empresa mais poderosa de todas, proíbe os sindicatos. McDonald’s, também. Por que estas empresa violam, com delinqüente impunidade, a lei internacional? Será que é por que no mundo do nosso tempo o trabalho vale menos do que o lixo e valem menos ainda os direitos dos trabalhadores?

Quem são os justos e quem são os injustos? Se a justiça internacional realmente existe, por que não julga nunca aos poderosos? Não são presos os autores dos mais ferozes massacres? Será que é porque são eles que têm as chaves das prisões?

Por que são intocáveis as cinco potências que tem direito de veto nas Nações Unidas? Esse direito tem origem divina? Velam pela paz os que fazem o negócio da guerra? É justo que a paz mundial esteja a cargo das cinco potências que são as cinco principais produtoras de armas? Sem desprezar os narcotraficantes, este também não é um caso de “crime organizado”?

Mas não demandam castigo contra os senhores do mundo os clamores dos que exigem, em todos os lugares, a pena de morte. Só faltava isso. Os clamores clamam contra os assassinos que usam navalhas, não contra os que usam mísseis.

E a gente se pergunta: já que esses justiceiros estão tão loucos de vontade de matar, por que não exigem a pena de morte contra a injustiça social? É justo um mundo em que a cada minuto destina três milhões de dólares aos gastos militares, enquanto a cada minuto morrem quinze crianças por fome ou doença curável? Contra quem se arma, até os dentes, a chamada comunidade internacional? Contra a pobreza ou contra os pobres?

Por que os adeptos fervorosos da pena de morte não exigem a pena de morte contra os valores da sociedade de consumo, que cotidianamente atentam contra a segurança pública? Ou por acaso não convida ao crime o bombardeio de publicidade que aturde a milhões e milhões de jovens desempregados ou mal pagos, repetindo para eles dia e noite que ser é ter, ter um automóvel, ter sapatos de marca, ter, ter, e que, quem não tem, não é?

E por que não se implanta a pena de morte contra a pena de morte? O mundo está organizado a serviço da morte. Ou não fabrica a morte a industria militar, que devora a maior parte dos nossos recursos e boa parte das nossas energias? Os senhores do mundo só condenam a violência quando são outros os que a exercem. E este monopólio da violência se traduz em um fato inexplicável para os extraterrestres e também insuportável para os terrestres que ainda queremos, contra toda evidência, sobreviver: os humanos somos os únicos especializados no extermínio mútuo e desenvolvemos uma tecnologia da destruição que está aniquilando, de passagem, ao planeta e a todos os seus habitantes.

Esta tecnologia se alimenta do medo. É o medo que fabrica os inimigos que justificam o desperdício militar e policial. E em vias de implantar a pena de morte, que tal se condenamos à morte o medo? Não seria saudável acabar com essa ditadura universal dos assustadores profissionais? Os semeadores de pânico nos condenam à solidão, nos proíbem a solidariedade: salve-se quem puder, destruam-se uns aos outros, o próximo é sempre um perigo que se aproxima, olho, cuidado, esse cara vai te roubar, aquele vai te violar, este carrinho de nenê esconde bomba muçulmana e se essa mulher te olha, essa vizinha de aspecto inocente, certamente vai te contagiar com a gripe suína.

No mundo de cabeça para baixo, dão medo até os mais elementares atos de justiça e de bom senso. Quando o presidente Evo Morales começou a refundação da Bolívia, para que esse país de maioria indígena, deixasse de ter vergonha de olhar no espelho, provocou pânico. Este desafio era catastrófico do ponto de vista da ordem racista tradicional, que dizia que era a unida ordem possível. Evo era, trazia o caos e a violência e por sua culpa a unidade nacional ia explodir em pedaços. E quando o presidente equatoriano Rafael Correa anunciou que se negava a pagar as dívidas não legítimas, a noticia produziu terror no mundo financeiro e o Equador foi ameaçado com terríveis castigos, por estar dando um tão mau exemplo. Se as ditaduras militares e os políticos ladrões foram sempre mimados pelos bancos internacionais, não nos acostumamos já a aceitar como fatalidade do destino que o povo pague o garrote que o golpeia e a cobiça que o saqueia?

Mas será que se divorciaram para sempre o bom senso e a justiça? Não nasceram para andar juntos, bem pegadinhos, o bom senso e a justiça? Não é de bom senso, e também de justiça, esse lema das feministas que dizem que se nós, os machos, ficássemos grávidos, o aborto seria livre? Por que não se legaliza o direito ao aborto? Será por que então deixaria de ser o privilegio das mulheres que podem pagá-lo e dos médicos que podem cobrá-lo?

O mesmo acontece com outro escandaloso caso de negação da justiça e do bom senso: por que não se legalizam as drogas? Por acaso não se trata, como no caso do aborto, uma questão de saúde publica? E o país que tem mais drogados, que autoridade moral tem, que autoridade moral tem para condenar os que abastecem sua demanda? E por que os grandes meios de comunicação, tão consagrados à guerra contra o flagelo da droga, não dizem nunca que provém do Afeganistão quase toda a heroína que se consome no mundo? Quem manda no Afeganistão? Não é esse um país ocupado militarmente pelo pais messiânico que se atribui a missão de salvar a todos nós?

Por que não se legalizam as drogas pura e simplesmente? Não será por que elas dão o melhor pretexto para as invasões militares, além de brindar os mais suculentos lucros aos bancos que de noite trabalham como lavanderias?

Agora o mundo está triste porque se vendem menos carros. Uma das conseqüências da crise mundial é a queda da próspera indústria automobilística. Se tivéssemos algum resto de bom senso e um pouquinho de sentido de justiça, não teríamos que celebrar essa boa noticia? Ou por acaso a diminuição de automóveis não é uma boa noticia, do ponto de vista da natureza, que estará um pouquinho menos envenenada e dos pedestres, que morrerão um pouco menos?

Segundo Lewis Carroll, a Rainha explicou a Alice como funciona a justiça no país das maravilhas:

- Ai você tem – disse a Rainha. Está presa cumprindo sua condenação, mas o processo só vai começar na segunda-feira. E, claro, o crime será cometido no final.

Em El Salvador, o arcebispo Oscar Arnulfo Romero comprovou que a justiça, como a serpente, só morde os descalços. Ele morreu baleado, por denunciar que no seu país os descalços nasciam condenados de antemão, pelo delito de nascimento.

O resultado das recentes eleições em El Salvador não é de alguma forma uma homenagem? Uma homenagem ao arcebispo Romero e aos milhares que como ele morreram lutando por uma justiça justa no reino da injustiça? Às vezes acabam mal as historias da História, mas ela, a História, não acaba. Quando diz adeus, está dizendo até logo.

[negrito do blog]

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Nildo Ouriques

América Latina, um continente sem teoria?

Nildo Ouriques é professor do Departamento de Economia e presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC. (www.iela.ufsc.br)
Fonte: Agência Carta Maior




Em recente artigo – Um continente sem teoria – José Luis Fiori nos oferece uma brevíssima e curiosa história das idéias na América Latina destinada a espetar o liberalismo que sempre se contentou em repetir nos trópicos as teorias “cosmopolitas” que com freqüência colonial aqui se reproduzem. Contudo, neste breve artigo, Fiori adere ao esporte nacional preferido pela intelectualidade paulista: a crítica à interpretação marxista da dependência e o elogio velado “a escola paulista de sociologia”, especialmente aquela vinculada ao nome de Fernando Henrique Cardoso.

No Brasil, o debate acerca da dependência sempre foi mal compreendido. Na verdade, é quase que desconhecido entre nós. Contudo, este desconhecimento não é resultado do acaso, pois tem sido construído como um instrumento de dominação política e de legitimação do capitalismo dependente no país. As ciências sociais paulistas – USP e UNICAMP especialmente, mas não exclusivamente – manufaturaram um consenso sobre a teoria da dependência que rendeu prestígio acadêmico e posições no aparelho de estado para alguns professores, mas é rigorosamente falso.

O principal “argumento” para a manufatura do consenso é agora repetido por Fiori, para quem a vertente marxista da dependência considerava “o desenvolvimento dos países centrais e o imperialismo um obstáculo intransponível para o desenvolvimento capitalista periférico. Por isto, falavam do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” e defendiam a necessidade da revolução socialista imediata, inclusive como estratégia de desenvolvimento econômico”. (Cursiva nossa, NDO)

Sabemos que a fórmula “desenvolvimento do subdesenvolvimento” é uma criação do genial André Gunder Frank. O mineiro Ruy Mauro Marini, quem defendeu a necessidade de uma teoria marxista da dependência e deu importante contribuição nesta direção com seu magistral Dialética da dependência, escreveu que a formula frankiana era mesmo “impecável”. Portanto, posso concluir sem medo de errar que a crítica de Fiori – repetindo agora Fernando Henrique Cardoso, Guido Mantega e José Serra – esta dirigida basicamente contra Frank e Marini. Mas esta crítica é essencialmente injusta e não corresponde a história do debate.

André Gunder Frank (1929-2005) jamais disse a asneira de que o capitalismo era inviável na periferia do sistema mundial. Ao contrário, Frank, que pode ser considerado sem dúvida o precursor do debate marxista acerca da dependência, não somente desbancou as teses sobre a feudalidade na América Latina, como foi o principal crítico do capitalismo dependente que se desenvolvia aos olhos de todos. Neste contexto, a crítica recente é injusta porque o próprio Fiori teve o privilégio de assistir aos seminários de Frank no Chile e certamente ouviu não poucas vezes do próprio sua crítica tanto ao reformismo comunista quanto ao estagnacionismo que de certa forma seduziu muita gente antes do chamado “milagre brasileiro”. Mas nao era necessário participar das aulas de Gunder Frank para saber o óbvio sobre sua longa e ainda desconhecida obra; bastaria (re)ler Capitalism and underdevelopment in Latin América. Historical studies of Chile and Brazil para entender a posição de Frank e sua notável contribuição ao debate das idéias latino-americanas.

É correto afirmar que em épocas passadas existiam aqueles que defendiam – reciclando idéias cepalinas tingidas de marxismo do Partidão (PCB) – que os “obstáculos externos” ao desenvolvimento representavam uma estratégia imperialista. Postulavam, portanto, que a “nação” deveria se opor ao “imperialismo” o que, obviamente, implicava em uma aliança de classe no interior do país dependente entre o proletariado e a burguesia considerada “nacional”. Mas precisamente contra estes, André Gunder Frank dirigiu suas baterias, destruindo a numa só vez o “mito do feudalismo na agricultura brasileira” e os “obstáculos externos” ao desenvolvimento. Foi uma crítica devastadora e ainda insuperável ao dualismo estruturalista da CEPAL e aliados. A fórmula “desenvolvimento do subdesenvolvimento” capta com precisão esta dinâmica. Ao contrário daqueles que afirmavam os “obstáculos” e/ou o “estagnacionismo” – presentes nos escritos de Furtado em 1965, por exemplo – Gunder Frank e Ruy Mauro Marini afirmavam que o desenvolvimento capitalista efetivamente ocorreria, mas sob a forma do subdesenvolvimento.

Na breve historia narrada por Fiori, existiria uma vertente da teoria da dependência – de filiação a um só tempo marxista e cepalina (!?) – que teve vida mais longa e logrou resultados melhores, num surpreendente e discreto elogio – tanto tardio quanto surrado – à FHC. Contudo, a tipologia construída por este e Enzo Faletto no Dependência e desenvolvimento na América Latina é obviamente de inspiração weberiana e o reconhecimento do conflito de classes no interior da nação que despertou tanta simpatia nos intelectuais progressistas não é, como sabemos, exclusividade de marxistas, porque também existem liberais que valoram a luta de classes sem vacilação, ainda que não tirem as mesmas conclusões que os marxistas.

O “apagão mental” mencionado por Fiori foi produto de uma derrota política que, no Brasil, se consolidou com o golpe militar de 1964. No interior da luta pela democratização, os liberais progressistas fizeram sua parte, caluniando e falsificando a história do pensamento crítico, especialmente da versão marxista da dependência, sem recorrer aos textos de Frank e Marini, muitos ainda sem tradução ao português. O CEBRAP foi um instrumento valioso nesta operação ideológica, mas “respeitáveis figuras” do mundo acadêmico paulista – especialmente nas escolas de economia e sociologia da USP e UNICAMP – aproveitaram a correlação de forças permitida pela ditadura para extirpar a principal contribuição marxista sobre o capitalismo latino-americano da vida intelectual e universitária brasileira. Frank e Marini não foram apenas proscritos: foram também falsificados! Outro tanto ocorreu também com Theotonio dos Santos, autor do imperdível Socialismo ou fascismo: o dilema latino-americano, lamentavelmente ainda não traduzido ao português.

Parte daquele “apagão mental” é produto da outrora útil distinção partidária entre tucanos e petistas que sempre ocultou algo importante, cada dia mais difícil de disfarçar: no terreno teórico, tanto uns quanto outros se alinhavam na manufaturação do consenso em favor da versão palatável dos estudos acerca da dependência, representada por Cardoso e Faletto. Não é apenas uma coincidência que a tese doutoral de Guido Mantega, finalmente vertida no livro que adultera completamente as teses de Frank e Marini, foi orientada por Fernando Henrique Cardoso.

Finalmente a questão central. Vivemos num continente sem teoria? É pouco provável. O programa de pesquisa lançado por Frank e Marini não foi superado teoricamente, ainda que sofreu uma derrota política a partir de 1964 pela força do terror de estado. Mas as condições mudaram radicalmente no cenário latino-americano e aquela vertente crítica da dependência, de extração marxista, esta sendo resgatada com muita força em toda a América Latina impulsionada pelos governos do nacionalismo revolucionário existentes na Venezuela, Equador e Bolívia. Mas também no Brasil o interesse pela teoria marxista da dependência voltou e não é mais possível reforçar o coro dominante que anestesiou algumas gerações de estudantes e militantes socialistas. Enfim, se efetivamente queremos construir um projeto nacional-popular para o Brasil – que eu defendo socialista – a tarefa intelectual decisiva é a superação do “apagão mental” que tantas limitações impôs ao ambiente universitário e político brasileiro.

Neste contexto, podemos ou nao compartilhar o ceticismo em relação as insuficiências teóricas nos programas destinados a superar a dependência e o subdesenvolvimento, mas não temos o direito de esquecer e menos ainda alterar os termos do debate de décadas passadas. Daí o caráter surpreendente do artigo de Fiori, pois ele reforça velhos preconceitos e não capta a nova correlação de forças que já esta criando uma nova América Latina sob o lema do “socialismo do século XXI”. Afinal, diante do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, não era o socialismo a única alternativa indicada por Frank e Marini?

Joseph Stiglitz

A crise econômica mundial e a primavera dos zumbis

Artigo de Joseph Stiglitz publicado em SinPermiso, em 07 /5/2009. Stiglitz é professor de teoria econômica na Universidade Columbia, foi presidente do Council of Economic Advisers entre 1995-97 e ganhou o prêmio nobel de economia em 2001. Atualmente preside a Comissão de Expertos nomeada pelo Presidente da Assembléia Geral da ONU para o estudo de reformas no sistema monetário e financeiro internacional.
Fonte: Agência Carta Maior



À medida que vai entrando a primavera nos EUA, os otimistas já vêm “brotos verdes” de recuperação da crise financeira e da recessão. O mundo está muito distinto da primavera passada, quando a administração Bush, uma vez mais, dizia ver “a luz no final do túnel”. As metáforas e as administrações mudaram. Não, pelo visto, o otimismo.

A boa notícia é que poderíamos estar no final de uma queda livre. A taxa do declive desacelerou. Pode ser que o fundo do poço esteja próximo e talvez seja alcançado no fim do ano. Mas isso não significa que a economia global se encontre em condições de se recuperar de maneira robusta no curto prazo. Chegar ao fundo não é razão para abandonar as drásticas medidas que tem sido tomadas para reviver a economia global.

Este desabamento é complexo: uma crise econômica combinada com uma crise financeira. Antes da crise, os endividados consumidores estadunidenses era o motor do crescimento global. Esse modelo quebrou e não se encontrará um substituto de um dia para o outro. Porque, ainda que os bancos norte-americanos gozem de boa saúde, o certo é que as riquezas domésticas sofreram danos devastadores e os norte-americanos hipotecavam e consumiam supondo que os preços de suas casas seguiriam subindo eternamente.

O colapso do crédito piorou as coisas, e as empresas, frente à alta dos custos creditícios e a mercados em baixa, responderam rapidamente cortando estoques. Os pedidos caíram abruptamente – proporcionalmente, muito mais do que caiu o PIB – e os países que dependiam de bens de investimento e duráveis (gastos que podem ser postergados) receberam um corretivo particularmente duro.

É provável que assistamos a uma recuperação de algumas das áreas que tocaram no fundo do poço entre fins de 2008 e começo deste ano. Porém, há que se atentar para os fundamentos da economia: nos EUA os preços dos bens imobiliários seguem caindo, milhões de moradias estão “debaixo d'água”, com hipotecas que custam mais do que o preço de mercado da casa e um desemprego em alta, com centenas de milhares chegando ao término do período de 39 semanas de cobertura do seguro-desemprego. Os estados se vêem forçados a despedir trabalhadores, à medida que desmoronam suas receitas.

O sistema bancário acaba de ser submetido a um teste para averiguar seu grau de capitalização – um teste de “stress” nada “estressante” - e alguns não puderam passar na prova. Mas, em vez de dar boas-vindas à ocasião de se recapitalizarem (talvez com ajuda pública), os bancos parecem preferir uma resposta à japonesa: nós vamos sair dessa de qualquer jeito.

Os bancos “zumbis” - mortos que ainda circulam entre os vivos – estão, conforme as imortais palavras de Ed Kane, “apostando na ressurreição”. Repetindo a débâcle de Saving&Loan nos anos 80, os bancos recorrem à contabilidade enganosa (que lhes permitiu, por exemplo, manter em seus livros ativos problemáticos sem lhes obrigar à depreciação, na ficção de que esses ativos poderia chegar a amadurecer e, de um modo ou de outro, sanarem-se). Ainda pior: permite-lhes tomar empréstimos baratos do Banco Central dos EUA respaldados por garantias mínimas para, simultaneamente, adotar posições de risco.

Alguns bancos declararam receitas no primeiro trimestre deste ano, a maioria oriundos da prestidigitação contábil e dos lucros nos negócios (leia-se: especulação). Mas isso não fará com que a economia volte a funcionar rapidamente. E, se as apostas não dão certo, o custo para o contribuinte norte-americano será ainda maior.

O governo estadunidense também está apostando em, mal ou bem, sair de todo jeito dessas circunstâncias: as medidas do Fed e os recursos garantidos pelo governo indicam que os bancos têm acesso a fundos de custo baixo e emprestam a taxas altas. Se nada desagradável acontecer – perdas em hipotecas, em imóveis comerciais, empréstimos comerciais e em cartões de crédito – os bancos podem só serem capazes de continuar suas atividades se não houver uma nova crise. Em poucos anos, os bancos serão recapitalizados e a economia retornará ao normal. Esse é o cenário otimista.

Contudo, as distintas experiências em todo o mundo sugerem que esse é um panorama arriscado. Ainda que os bancos estejam sanados, o processo de desacoplamento e a conseguinte perda de riqueza significam que, muito provavelmente, a economia será débil. E uma economia débil significa, muito provavelmente, perdas bancárias.

Os problemas não se limitam aos EUA. Outros países, como a Espanha, têm suas próprias crises imobiliárias. A Europa Oriental tem seus problemas, que repercutirão provavelmente em uns bancos europeu-ocidentais muito alavancados. Num mundo globalizado, os problemas numa parte do sistema reverberam em toda parte.

Em crises anteriores mais recentes, como a do Sudeste Asiático na década de 90, a recuperação foi rápida, porque os países afetados puderam fazer da exportação sua via para a sua prosperidade renovada. Mas agora se trata de uma queda sincrônica global. A América do Norte e a Europa não podem fazer da exportação a via de saída de suas turbulências.

A estabilização do sistema financeiro é uma condição necessária, mas não suficiente, para a recuperação. A estratégia norte-americana para estabilizar o sistema financeiro é custosa e injusta, porque passa pela recompensa a quem causou a catástrofe econômica[grifo do blog]. Porém, há uma alternativa que, em substância, significa jogar com as regras de uma economia normal de mercado: trocar dívidas por ações.

Com um truque assim, a confiança necessária ao sistema bancário regressaria e os empréstimos seriam reiniciados sem custos apenas para o contribuinte. Nem isso é particularmente complicado, nem é novidade. Obviamente, os portadores de obrigações e de bônus não gostam disso: prefeririam um presente do governo. Mas há inúmeras maneiras de usar o dinheiro público melhores que essa, inclusive uma nova rodada de estímulos.

Toda queda tem um final. A questão é a duração e a profundidade dessa queda. A despeito de alguns brotos primaveris, deveríamos nos preparar para outro inverno sombrio: chegou a hora do Plano B, para reestruturar a banca. E de outra dose de remédios keynesianos.


sábado, 16 de maio de 2009

José Saramago

Até quando?

Fonte: O Caderno de Saramago


Há uns dois mil e cinquenta anos, mais dia menos dia, a esta hora ou outra, estava o bom Cícero clamando a sua indignação no senado romano ou no foro: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?”, perguntou ele uma vez e muitas ao velhaco conspirador que o quis matar e fazer-se com um poder a que não tinha qualquer direito. A História é tão pródiga, tão generosa, que não só nos dá excelentes lições sobre a actualidade de certos acontecidos outrora como também nos lega, para governo nosso, umas quantas palavras, umas quantas frases que, por esta ou aquela razão, viriam a ganhar raízes na memória dos povos. A frase que deixei acima, fresca, vibrante, como se tivesse acabado de ser pronunciada neste instante, é sem dúvida uma delas. Cícero foi um grande orador, um tribuno de enormes recursos, mas é interessante observar como, neste caso, preferiu utilizar termos dos mais comuns, que poderiam mesmo ter saído da boca de uma mãe que repreendesse o filho irrequieto. Com a enorme diferença de que aquele filho de Roma, o tal Catilina, era um traste da pior espécie, quer como homem, quer como político.

A História de Itália surpreende qualquer um. É um extensíssimo rosário de génios, sejam eles pintores, escultores ou arquitectos, músicos ou filósofos, escritores ou poetas, iluminadores ou artífices, um não acabar de gente sublime que representa o melhor que a humanidade tem pensado, imaginado, feito. Nunca lhe faltaram catilinas de maior ou menor envergadura, mas disso nenhum país está isento, é lepra que a todos toca. O Catilina de hoje, em Itália, chama-se Berlusconi. Não necessita assaltar o poder porque já é seu, tem dinheiro bastante para comprar todos os cúmplices que sejam necessários, incluindo juízes, deputados e senadores. Conseguiu a proeza de dividir a população de Itália em duas partes: os que gostariam de ser como ele e os que já o são. Agora promoveu a aprovação de leis absolutamente discricionárias contra a emigração ilegal, põe patrulhas de cidadãos a colaborar com a polícia na repressão física dos emigrantes sem papéis e, cúmulo dos cúmulos, proíbe que as crianças de pais emigrantes sejam inscritas no registo civil. Catilina, o Catilina histórico, não faria melhor.

Disse acima que a História de Itália surpreende qualquer um. Surpreende, por exemplo, que nenhuma voz italiana (ao menos que haja chegado ao meu conhecimento) tenha retomado, com uma ligeira adaptação, as palavras de Cícero: “Até quando, ó Berlusconi, abusarás da nossa paciência?” Experimente-se, pode ser que dê resultado e que, por esta outra razão, a Itália volte a surpreender-nos.


Projeto Excelências


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O Fórum Social Mundial (FSM) é um espaço aberto de encontro – plural, diversificado, não-governamental e não-partidário –, que estimula de forma descentralizada o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação entre organizações e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mais solidário, democrático e justo. Em 2009, o Fórum acontecerá entre os dias 27 de janeiro a 1° de fevereiro, em Bélem, Pará. Para saber mais, clicar na figura.

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Fórum Mundial de Teologia e Libertação
É um espaço de encontro para reflexão teológica tendo em vista contribuir para a construção de uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por perspectivas de libertação, paz e justiça. O FMTL se reconhece como resultado do movimento ecumênico e do diálogo das diferentes teologias contemporâneas identificadas com processos de transformação da sociedade. Acontecerá entre os dias 21 a 25 de janeiro em Bélem, Pará, e discutirá o tema "Água - Terra - Teologia para outro Mundo possível". Mais informações, clicar na figura.

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O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) foi criado em 1981. O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, é um dos fundadores da Instituição que não possui fins lucrativos e nem vinculação religiosa e partidária. Sua missão é de aprofundar a democracia, seguindo os princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade. Aposta na construção de uma cultura democrática de direitos, no fortalecimento do tecido associativo e no monitoramento e influência sobre políticas públicas. Para entrar no site do Ibase, clicar na figura.

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Foi lançado no circuito comercial o DVD do documentário "O longo amanhecer - cinebiografia de Celso Furtado", de José Mariani. Para saber mais, clicar na figura.

O malabarismo dos camaleões

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Estranha metamorfose: os economistas e jornalistas que defenderam, durante décadas, as supostas qualidades do mercado, agora camuflam suas posições. Ou — pior — viram a casaca e, para não perder terreno, fingem esquecer de tudo o que sempre disseram. Para ler, clicar na figura.

A opção pelo não-mercantil

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A expansão dos serviços públicos gratuitos pode ser uma grande saída, num momento de recessão generalizada e desemprego. Mas para tanto, é preciso vencer preconceitos, rever teorias e demonstrar que a economia não-mercantil não depende da produção capitalista. Para ler, clicar na figura.