sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Marcos Dantas

Uma nova chance?

Marcos Dantas é professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, doutor em Engenharia de Produção pela COPP-UFRJ e autor de “A lógica do capital-informação: da fragmentação dos monopólios à monopolização dos fragmentos num mundo de comunicações globais” (Ed. Contraponto). Fonte: Agência Carta Maior


Em meados do século XIX, o Império brasileiro mergulhou em uma muito séria crise financeira e fiscal. A única fonte de renda do Estado, eram os impostos de importação, cobrados nas alfândegas existentes nos diversos portos do país. Ninguém pagava imposto. Os latifundiários escravocratas não pagavam porque não pagam até hoje. Os grandes comerciantes não pagavam porque ninguém lhes cobrava. O resto da população era muito pobre para pagar imposto. Sem falar dos escravos...

Para viver, o Brasil dependia dos generosos empréstimos feitos pela banca londrina. Foi tomando empréstimos, tomando empréstimos, até que, tantos empréstimos e uma Guerra do Paraguai depois, viu-se sem rendas alfandegárias suficientes para pagá-los. Ao Imperador Pedro II não restou outra opção: aumentou os impostos de importação. Assim, embora esta não fosse sua intenção, tornou mais caras as mercadorias importadas: trilhos, locomotivas, navios, tecidos e até tijolos ingleses; vestidos, espelhos, bidês e talheres franceses; vinhos portugueses. Evidentemente, a pequena elite brasileira da época sentiu-se insultada: de repente, diante do encarecimento desses produtos que lhe permitia ostentar ares de “primeiro mundo”, via-se obrigada a consumir produtos brasileiros. Um horror!

Disso se aproveitaria Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, e mais um punhado de ricos comerciantes brasileiros. Com o mercado fechado a produtos de fora, começaram a investir na industrialização do país. E este país ainda escravocrata, viu surgir por aqui as suas primeiras siderúrgicas, o seu primeiro estaleiro naval, as suas primeiras fábricas de tecido. Junto com essas indústrias, claro, expandia-se uma classe operária recrutada entre ex-escravos. E, no lugar de vestidos, importava engenheiros ingleses, isto é técnicos qualificados, que, nos seus cérebros, para cá traziam o conhecimento e a tecnologia que até então era monopólio exclusivo dos europeus.

Nada disso durou muito. A crise passou, as finanças se reequilibraram, as elites sentiam-se envergonhadas por não exibir bidês franceses e tijolos ingleses em seus sobrados, e o Imperador, dez anos depois, reduziu as tarifas de importação. Mauá e centenas de outros, como sabemos, foram à falência. E o Brasil seguiu sendo o país do café, do cacau, da borracha, da miséria, da exclusão social, do analfabetismo, do atraso científico e tecnológico, da democracia de fancaria. Mas a aristocracia e a reduzida classe média ficaram muito felizes podendo ostentar sua falsa riqueza e seus arrogantes ares parisienses na recém-aberta avenida Central, no Rio, ou na “elegante” avenida Paulista.

Em 1929, o mundo capitalista entrou em crise. Os tempos de bonança que tanto beneficiaram a economia do café e da borracha, se foram. Fez-se a Revolução de 30. E o governo Getulio começou a tomar medidas anti-crise, dentre elas, naturalmente, conter a remessa de divisas com importações supérfluas. Graças tais medidas, o Brasil viu expandir-se a sua indústria têxtil, essa indústria que já existia há mais de 100 anos na Inglaterra e noutros países. Voltou a crescer a indústria siderúrgica e metalúrgica. Bidês, tijolos e velas passaram a serem fabricados aqui. Expande-se a classe operária e, também, a classe média, pois se expandem os mais diversos serviços e empregos. O País se urbaniza. O processo será aprofundado nos governos seguintes, especialmente com Juscelino Kubitschek. Uma decisão sua, elevando a níveis proibitivos as tarifas sobre a importação de automóveis, estimula a Volkswagen, a Ford, a GM a instalaram linhas de montagem no Brasil.

Com elas, o Brasil passa a dispor também de indústrias de auto-peças, algumas memoráveis, como a Metal Leve e as molas Suéden. Expande-se, também, o consumo de rádio, televisores, geladeiras, outros aparelhos eletrodomésticos. As barreiras de importação estimulam empresas estrangeiras a trazerem suas linhas de montagem para o Brasil e ainda permitem nascer e crescer empresas brasileiras como a Tonelux, ABC-Color, Gradiente e outras.

No Brasil, mesmo numa cidade como o Rio de Janeiro, capital da República, nos anos 1960, quase ninguém tinha telefone, faltavam luz e água todos os dias. No imenso Brasil, energia elétrica era quase desconhecida. Getúlio, JK, depois os governos militares construíram hidrelétricas e linhas de comunicação, sem as quais o povo brasileiro não poderia, hoje, assistir sua televisão à noite, depois de um dia de trabalho, falar ao telefone, sacar dinheiro em qualquer caixa bancário automático, tecnologia esta, aliás, criada por empresas 100% nacionais como a Itautec, a Cobra e a Digirede.

A cada avanço, mais empresas industriais e de serviço precisavam ser criadas e mais empregos qualificados eram gerados para atender à demanda por equipamentos industriais, computadores, caminhões, etc., etc., etc.

Em meio século, a partir dos anos 1930-1950, o Brasil mudou: tornou-se um país industrializado, urbanizado, moderno. Qualquer pessoa com mais de 60 anos se lembra, sem saudades, daqueles tempos pré-industriais e pré-urbanizados felizmente superados. O Brasil tornou-se, também, um país muito desigual, todos sabemos. Sobretudo porque, durante a ditadura militar, quando mais longe foi o nosso desenvolvimento, também mais fundo foi a exclusão social.

Então, o capitalismo, lá fora, passou a viver uma nova grande era de prosperidade e voltamos a ouvir aqueles mesmos velhíssimos argumentos a favor de abertura comercial e contra a indústria brasileira (boa parte, aliás, na verdade estrangeira). Da noite para o dia, derrubaram-se as barreiras de importação. E quase acabou a indústria nacional. Marcas famosas até poucos anos atrás sumiram da memória – os mais novos sequer sabem que um dia existiram. As últimas que ainda resistiram, estão entregando os pontos agora, no Governo Lula.

Vamos voltando a ser um país exportador de produtos primários – soja, minério de ferro, carne de frango, açúcar de ca..., digo, etanol. E, nas nossas ruas, milhares e milhares de desempregados transformam-se em camelôs ou biscateiros, quando não simplesmente bandidos. As favelas invadem as cidades. Em São Paulo, Rio de Janeiro, outras grandes cidades, os ricos e remediados vivem atrás de grades ou de ruas guardadas por cancelas e guaritas. O ensino público e a saúde pública continuam péssimos – aliás, o ensino público, antes de 1964, era excelente! O Brasil andou para trás. E somos obrigados a ler, na coluna da Sra. Mirian Leitão, que o Brasil se modernizou depois de tamanho desastre econômico e social. Sem dúvida: não importa mais bidês, importa iPods... Mudam as moscas, mas...

Pressionado pelos fatos, o governo Lula, assim como Pedro II no século XIX ou Getulio Vargas no século XX, acaba de recriar algumas barreiras às importações. E os herdeiros atuais daquela mesma mentalidade senhorial, atrasada, subdesenvolvida, provinciana, enfatuada, anti-produtiva dos tempos áureos do café (e dos escravos) já começaram a protestar. De fato, o Brasil sempre se desenvolveu, quando se desenvolveu, não porque suas elites e seus ventríloquos tivessem um projeto para desenvolver o país mas porque as circunstâncias, algumas vezes, obrigaram-nas a isso. Quem sabe, não vem por aí uma nova chance?

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Entrevista - Manuel Castells

O poder tem medo da Internet

Se alguém estudou o que é, por dentro, a sociedade da informação, é o sociólogo Manuel Castells. A sua trilogia A era da informação foi traduzida para 23 línguas. Ele voltou para a Espanha em 2001 e dirige a pesquisa na Universitat Oberta de Catalunya, depois de ter lecionado, durante 24 anos, na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Uma das pesquisas mais recentes é o Projeto Internet Cataluña, em que durante seis anos analisou, com 15 mil entrevistas pessoais e 40 mil pela internet, as mudanças que a Internet introduz na cultura e na organização social. Ele acaba de publicar com Marina Subirats, Mujeres y hombres, ¿un amor imposible? (Alianza Editorial), onde aborda estas mudanças. A reportagem e a entrevista é de Milagros Pérez Oliva e publicada pelo jornal El País, 6-01-2008.
Fonte: UNISINOS



Esta pesquisa mostra que a Internet não favorece o isolamento, como muitos acreditam, mas que as pessoas que mais usam o chat são as mais sociais.

Sim. Para nós não é nenhuma surpresa. A surpresa é que esse resultado tenho sido uma surpresa. Há pelo menos 15 estudos importantes no mundo que dão esse mesmo resultado.

Por que acredita que a idéia contrária se estendeu com tanto sucesso?

Os meios de comunicação tem muito a ver. Todos sabermos que as más notícias são mais notícia. Você utiliza a Internet e seus filhos, também. Mas é mais interessante acreditar que ela está cheia de terroristas, de pornografia... Pensar que é um fator de alienação é mais interessante do que dizer: A Internet é a extensão da sua vida. Se você é sociável, será mais sociável; se não é, a Internet lhe ajudará um pouquinho, mas não muito. Os meios são um certo modo de expressão do que pensa a sociedade: a questão é por que a sociedade pensa isso.

Porque tem medo do novo?

Exatamente. Mas medo de quem? A velha sociedade tem medo da nova, os pais dos seus filhos, as pessoas que têm o poder ancorado num mundo tecnológico, social e culturalmente antigo do poder que lhes abalroa, que não entendem nem controlam e que percebem como um perigo. E no fundo é mesmo um perigo. Porque a Internete é um instrumento de liberdade e de autonomia, quando o poder sempre foi baseado no controle das pessoas por meio do controle da informação e da comunicação. Mas isto acaba. Porque a Internet não pode ser controlada.

Vivemos numa sociedade onde a gestão da visibilidade na esfera pública midiática, como a define John J. Thompson, se converteu na principal preocupação de qualquer instituição, empresa ou organismo. Mas o controle da imagem pública requer meios que sejam controláveis, e se a Internet não é ...

Nao é, e isso explica porque os poderes tem medo da Internet. Estive em várias comissões de assessoria de governos e instituições internacionais nos últimos 15 anos, e a primeira pergunta que os governos sempre fazem é: como podemos controlar a Internet? A resposta é sempre a mesma: não se pode. Pode se vigiar, mas não controlar.

Se a Internet é tão determinante da vida social e econômica, seu acesso pode ser o principal fator de exclusão?

Não. O mais importante segue sendo o acesso ao trabalho e à carreira profissional e, ainda anteriormente, ao nível educativo, porque sem educação, a tecnologia não serve para nada. Na Espanha, a chamada exclusão digital é por questão de idade. Os dados estão muito claros: entre os maiores de 55 anos, somente 9% são usuários da Internete, mas entre os menores de 25 anos, são 90%.

É, portanto, uma questão de tempo?

Quando minha geração desaparecer, não haverá mais esta exclusão digital no que diz respeito ao acesso. Mas na sociedade da Internet, o complicado não é saber navegar, mas saber onde ir, onde buscar o que se quer encontrar e o que fazer com o que se encontra. Isso requer educação. Na realidade, a Internet amplifica a velha exclusão social da história, que é o nível de educação. O fato de que 555 dos adultos não tenha completado, na Espanha, a educação secundária, essa é a verdadeira exclusão digital.

Nesta sociedade que tende a ser tão líquida, na expressão de Zygmunt Bauman, em que tudo muda constantemente e que é cada vez mais globalizada, aumenta a sensação de insegurança, de que o mundo se move debaixo dos nossos pés?

Há uma nova sociedade que eu busquei definir teoricamente com o conceito de sociedade-rede e que não está distante da que define Bauman. Eu creio que, mais que líquida, é uma sociedade em que tudo está articulado de forma transversal e onde há menos controle das instituições tradicionais.

Em que sentido?

Estende-se a idéia de que as instituições centrais da sociedade, o Estado e a família tradicional, já não funcionam. Então, o chão se move sob os nossos pés. Primeiro, as pessoas pensam que seus governos não as representam e que não são confiáveis. Começamos mal. Segundo, elas pensam que o mercado é bom para os que ganham e mau para os que perdem. Como a maioria perde, há uma desconfiança para o que a lógica pura e dura do mercado pode proporcionar às pessoas. Terceiro, estamos globalizados; isso significa que nosso dinheiro está no fluxo global que não controlamos, que a população está submetida ás pressões migratórias muito fortes, de modo que cada vez mais é difícil encerrar as pessoas numa cultura ou nas fronteiras nacionais.

Qual é o papel da Inernet neste processo?

Por um lado, ao nos permitir aceder à toda informação, aumenta a incerteza, mas ao mesmo tempo é um instrumento chave para a autonomia das pessoas, e isto é algo que demonstramos pela primeira vez na nossa pesquisa. Quanto mais autônoma é uma pessoa, mas ela utiliza a Internet. Em nosso trabalho definimos seis dimensões da autonomia e comprovamos que quando uma pessoa tem um forte projeto de autonomia, em qualquer uma dessas dimensões, ela utiliza Internet com muito mais freqüência e intensidade. E o uso da Internet reforça, por sua vez, a sua autonomia. Mas, claro, quanto mais uma pessoa controla a sua vida, menos ela se fia das instituições.

E maior pode ser sua frustração pela distância que há entre as possibilidades teóricas de participação e as que exerce na prática, que se limitam a votar a cada quatro anos?

Sim, há um descompasso entre a capacidade tecnológica e a cultura política. Muitos municípios colocaram Wi-Fi de acesso, mas se ao mesmo não são capazes de articular um sistema de participação, servem para que as pessoas organizem melhor as suas próprias redes, mas não para participar na vida política. O problema é que o sistema político não está aberto à participação, ao diálogo constante com os cidadãos, à cultura da autonomia e, portanto, estas tecnologias contribuem para distanciar ainda mais a política da cidadania.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Entrevista - Armando Boito

Boito visita ‘canteiro de obras’ do novo marxismo

por Manuel Alves Filho

A teoria política contemporânea, mais especificamente a teoria política marxista, merece uma reflexão polêmica e aprofundada no livro Estado, política e classes sociais, recém-lançado pelo professor Armando Boito Jr., do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. A obra reúne 12 ensaios produzidos pelo autor ao longo dos anos 2000, a maioria de natureza teórica, sendo um deles inédito. Nos textos, Boito apresenta, problematiza e desenvolve conceitos relacionados ao tema central, sempre à luz das discussões historiográficas. Na entrevista que segue, o intelectual detalha alguns aspectos do livro e fala dos desafios para a construção de um marxismo renovado.



Jornal da Unicamp - O senhor afirma que o seu livro trata de teoria política. Existe de fato uma teoria da política? Qual seria a sua importância?

Armando Boito Jr. - A maioria dos ensaios que publiquei nessa coletânea são trabalhos teóricos. Um texto teórico é aquele que toma a própria teoria como objeto. Uma teoria deve ser entendida como um conjunto articulado de teses e conceitos. Esse é um tema polêmico, posto que muitos cientistas sociais não crêem que seja possível distinguir um texto teórico de um texto de análise empírica. Lembram que todo texto trabalha com informações e com conceitos e, por isso, essa divisão seria formalista e simplificadora. Eles têm razão quando dizem que qualquer trabalho opera com informações empíricas e com conceitos.

O conceito depende da informação empírica, posto que nenhum conceito cai do céu, e, de diversas maneiras, a informação empírica qualificada também depende, por sua vez, da intervenção do conceito, isto é, da teoria, que é o que incita a busca da informação e permite caracterizá-la. Porém, o que acontece é que, na pesquisa teórica, o conceito aparece como objeto do trabalho, enquanto que, na pesquisa empírica, o conceito aparece como instrumento. No meu livro trato da teoria política, mais especificamente de conceitos como poder político, Estado, crise política, mudança política, cena política, formação das classes sociais, ciclo revolucionário, cidadania e outros. Para que serve isso tudo? Serve para fazermos uma análise qualificada do político – o Estado, a cidadania etc. – e da política – as crises, a mudança etc. – nas sociedades, principalmente nas sociedades capitalistas contemporâneas, posto que é nesse nível da teoria política, isto é, no nível da teoria política das sociedades capitalistas, que o meu livro mais trabalha.

JU – Poderia dar um exemplo de como trata esses conceitos?

Boito - Na imprensa brasileira, a noção de crise foi banalizada. Tudo é crise e é, ao mesmo tempo, crise de todo tipo: política, moral, civilizacional etc. Ora, para caracterizar uma crise política, isto é, uma conjuntura que contenha efetivamente a possibilidade de mudança política, é necessário conhecer o conceito de crise, seus requisitos. Também é necessário saber distinguir os vários tipos de crise possíveis – há crises que permitem uma mera mudança de governo, outras que permitem uma revolução. As conjunturas de crise não são tão freqüentes quanto o uso corrente do termo sugere.

JU - O senhor diz trabalhar com a teoria política marxista. O que vem a ser essa teoria?

Boito - Isso também gera algumas polêmicas. Grande parte do marxismo que herdamos do século XX é muito marcada pelo economicismo. A economia aparece como a causa única e verdadeira de todos os fenômenos sociais: a política, a cultura, os comportamentos etc. Dessa perspectiva, não teria muito sentido falar de uma teoria política marxista. A política seria mera emanação da economia, não teria existência e eficácia específicas e, sendo assim, não demandaria conceitos e teses específicos para ser abordada. O meu livro trabalha noutro terreno. Parto do pressuposto de que os elementos básicos da teoria política marxista já existem. Cabe aos estudiosos do marxismo desenvolvê-los. Isso exige um rompimento com parte do marxismo que herdamos do século XX e a abertura de um novo “canteiro de obras” que seria a construção de um novo marxismo.

Nessa perspectiva renovadora, os marxistas têm de estabelecer um diálogo crítico e criterioso com as novas descobertas e as novas teorias nascidas no campo das ciências sociais que se pratica nas universidades. Do conceito de estrutura, produzido pela corrente estruturalista francesa, a Pierre Bourdieu, com a sua sociologia da escola e das classes sociais, passando pelos teóricos institucionalistas, muitas contribuições devem ser tomadas em conta pelos marxistas.

JU – Trata-se de uma tarefa difícil, não?

Boito - Esse é, evidentemente, um trabalho complexo. Não se pode transportar, arbitrariamente, um conceito produzido em uma problemática teórica para o interior de outra problemática teórica que lhe é estranha. Gaston Bachelard já nos alertou sobre os perigos que isso representaria. Mas, através de um processo de retificação conceitual, os marxistas podem sim – e devem – incorporar, de forma crítica e autocrítica, aquilo que é produzido fora do marxismo. Aliás, quando Marx e Engels lançaram as bases do que conhecemos como materialismo histórico, eles partiram do socialismo francês, da economia política inglesa e da filosofia alemã. Ambos retificaram elementos de cada uma dessas grandes áreas e os fundiram numa unidade nova. De resto, diversas tradições marxistas do século XX procuraram integrar ao marxismo, ainda que de modo crítico, muitas correntes teóricas nascidas fora dele, como a teoria das elites, o estruturalismo, a ontologia etc. Se foram ou não bem-sucedidas, e a que se deveu o sucesso ou o fracasso de cada uma delas, essa é outra questão.

JU - Como uma teoria política marxista se diferenciaria no campo atual da ciência política?

Boito - A resposta exigiria muitas considerações. Vou fazer apenas três comparações, contrastando a teoria política marxista com outras correntes teóricas que têm peso na conjuntura atual. Em primeiro lugar, a teoria política marxista é algo que poderíamos denominar uma teoria regional. No marxismo, a teoria política é apenas um aspecto de uma teoria mais geral, que é a teoria do materialismo histórico. O materialismo histórico são os conceitos mais gerais e abrangentes que tratam das formas de reprodução e de mudança da vida em sociedade. Isso tem várias conseqüências.

A primeira é que a teoria política marxista está inserida numa teoria mais geral que, ao mesmo tempo, a ilumina e a compromete. Digo que a ilumina porque a teoria política marxista dispõe dos elementos básicos para compreender a economia, a sociedade e a cultura, que são dimensões da vida social que incidem sobre a política. O pesquisador da política que trabalha com o marxismo já encontra esse acúmulo teórico pronto e à sua disposição – a abrangência da teoria marxista é um dos seus trunfos. Mas digo também que a compromete porque, se a teoria econômica marxista, que também é uma teoria regional do materialismo histórico, estiver errada, a teoria política marxista também o estará, e assim por diante.

Você se referiu ao capítulo em que discuto o papel da política na mudança histórica. Pois bem, o próprio título desse capítulo fala do “lugar da política na teoria marxista da história”. Isto é, eu me apoio em uma região do materialismo histórico, que não é a sua teoria da história, para lançar luz sobre a teoria política. A teoria da história, nos elementos básicos que foram apresentados por Marx em um texto muito conhecido, apresenta a história, isto é, a passagem de um tipo de organização da vida social para outro, como resultado do desenvolvimento das forças produtivas e da luta de classes associada a tal desenvolvimento. Eu trato, então, de verificar qual é o papel da política nessa teoria da mudança histórica.

Ora, na ciência política contemporânea predominam as teorizações de curto alcance e de abrangência limitada. O neo-institucionalismo, que é a corrente teórica dominante, separa a análise política da análise econômica e social. Isso é impensável numa teoria política marxista. Essa teoria une economia, sociedade, política e história. Não podemos entender a política sem entender as classes sociais e não podemos entender a ação das classes sem entender a economia. Não é por acaso que o meu livro se intitula Estado, política e classes sociais.

JU – O senhor falou em três exemplos...

Boito - Uma segunda diferença que separa a teoria política marxista das demais teorias políticas contemporânea é o caráter, digamos assim, realista da teoria política marxista. Autores como John Rawls e Jürgen Habermas, que estão entre os mais importantes pensadores do século XX, pensam a política de maneira normativa e, para resumirmos, pensam-na de maneira edulcorada. Acreditam que o diálogo é sempre possível e que o consenso entre os agentes políticos e sociais está ao alcance da mão. A teoria política marxista, diferentemente, pensa a política como um conflito duro de interesses, que são, em última instância, interesses de classe. Os indivíduos, como integrantes de classes sociais, não têm necessariamente consciência plena das razões e dos motivos que os levam a agir desta ou daquela maneira no processo político. Sequer quando têm consciência, dirão aquilo que sabem. A luta política impõe, principalmente para as forças conservadoras, a autocensura. Na maioria dos casos, os partidos políticos e os movimentos sociais ocultam seus verdadeiros interesses e motivações, que são interesses e motivações que remetem à condição de classe e os opõem a outros setores sociais.

Uma terceira diferença que eu gostaria de apontar é com os seguidores de Michel Foucault. O primeiro ensaio do meu livro faz, justamente, uma crítica ao conceito de poder de Michel Foucault. Na teoria marxista, diferentemente do que ocorre com Foucault, o poder político está concentrado no Estado e a ação política, por causa disso, deve estar estrategicamente voltada para a conquista do poder de Estado. Na coletânea intitulada A microfísica do poder, Foucault pensa o poder e a política como algo social e institucionalmente difuso. O poder seria um fluxo, presente indistintamente em todas instituições, e tampouco levaria à formação de uma hierarquia ou de uma polarização social, como a formação de um setor dominante e outro dominado. Frente a esse poder fluido e volátil toda ação seria, também indistintamente, uma ação política. Ora, para Marx e para toda tradição marxista, a política tem como objetivo estratégico a conquista do poder da classe dominante institucionalmente concentrado no Estado. Quem julga poder dar as costas para o Estado coloca-se fora da luta política.

Diversos movimentos sociais ignoram essa tese nos dias de hoje. O altermundialismo fez da dispersão estratégica das lutas, que tem como tese correlata o desprezo pela organização partidária, uma divisa do movimento. Esses movimentos falam em mudar o mundo sem tomar o poder. Há um foucaultianismo espontâneo no altermundialismo. Se continuar assim, esses movimentos jamais conseguirão algo de muito importante.

JU - O senhor associa política a classes sociais. Muitos autores consideram que as classes sociais desapareceram ou perderam importância. O que pensa dessa posição discordante?

Boito: Trato desse assunto na segunda parte do meu livro, em ensaios que pretendo demonstrar a importância da política na conversão das classes trabalhadoras em agentes políticos organizados. Aqui, novamente, destaco o papel da política, posto que a situação econômica não basta para que uma classe atue como força social. Muitos autores acreditam que o movimento operário e socialista entrou em crise apenas devido às mudanças tecnológicas, às mudanças nas formas de gestão da força de trabalho, à precarização do trabalho e a outras transformações econômicas. Esses elementos precisam ser discutidos e, quando redimensionados, devem sim ser considerados na análise. Mas é preciso sair do terreno exclusivo da economia e pensar em algo mais amplo. O que procuro mostrar nesses ensaios é que tivemos aquilo que eu denomino o longo ciclo revolucionário do século XX, proveniente dos mais diferentes tipos de contradição em escala nacional e internacional, e que esse ciclo, embora não tenha sido completamente derrotado, posto que mudou a face do capitalismo, esgotou-se.

As crises e os ciclos revolucionários propiciam a formação dos trabalhadores em classe politicamente organizada, enquanto que os períodos de estabilidade agem em sentido contrário. Os conservadores que não se animem muito. Novas contradições estão se acumulando e nós já podemos ver isso em toda América Latina. Há indícios do início de uma nova era de polarização de classes. Ela não deve repetir o modelo do século XX, mas poderá recolocar em questão o capitalismo.

Título: Estado, política e classes sociais Autor: Armando Boito Júnior Editora: Unesp Páginas: 272 Preço: R$ 55,00

Fonte: Jornal da Unicamp

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Entrevista - Leonardo Boff

Em entrevista à Carta Maior, Leonardo Boff diz que Fórum Social Mundial tem o desafio de pressionar o governo brasileiro para fazer uma política clara e objetiva sobre a Amazônia.
Por Clarissa Pont na
Carta Maior




Carta Maior – Qual a avaliação que o senhor faz sobre a atuação de Joseph Alois Ratzinger, o Papa Bento XVI, e da postura dele em relação à Teologia da Libertação?

Leonardo Boff – Quanto à figura de Ratzinger, seja como mestre, como prefeito da congregação ou como Papa, eu diria que não há mudança substancial entre as opiniões. Ele sempre manteve uma linha teológica de fundo inalterável, isto é, o projeto de construir a Igreja para dentro, reforçar as instituições eclesiásticas e a autoridade do Papa, revalidar o direito canônico, sublinhar uma leitura dogmática da fé cristã. Eu diria que em alguns destes aspectos ele, inclusive, radicalizou no sentido de que a fala de um Papa é muito mais poderosa do que a fala de um prefeito de uma congregação, porque eles têm como objeto as doutrinas, enquanto o Papa tem como destinatário toda a Igreja.

Na medida em que esse Papa insiste enormemente que igreja mesmo é só a Católica e continua repetindo que as demais igrejas não são igrejas e que as demais religiões necessitam de salvação, ele toma para si um fundamentalismo light. Por que fundamentalismo? Porque acentua de tal maneira a própria doutrina que exclui as demais e isso não parece ser a perspectiva do cristianismo originário, nem a perspectiva bíblica. Eu diria ainda que este projeto pastoral não é uma mensagem para a humanidade, mas é para reconverter a Europa. Para nós, do Terceiro Mundo, optar pela Europa é optar pelos ricos e por um projeto de antemão falido porque os europeus não estão interessados em reconversão. Na minha interpretação, isso é ter o cristianismo nas costas e não na frente, é um cristianismo crepuscular e não um cristianismo de rejuvenescimento. A mensagem correta seria colocar no centro da preocupação a vida, porque o mundo não ama mais a vida, sacrifica a vida, faz comércio com a vida.


CM – Neste mundo onde o consumo está além do que o mundo é capaz de produzir e regenerar, qual é a mudança necessária para que a crise não se transforme em tragédia?

Leonardo Boff – Como a crise é global, ela afeta todas as pessoas, todas as instituições, todos os grupos e todas as forças. O bom seria que cada instituição, igreja, universidade, sindicato, cada grupo humano pudesse, a partir do seu capital acumulado, dar uma contribuição no sentido dos três erres empregados pela Carta da Terra. O primeiro erre é reduzir o consumo. Nós podemos viver bem com menos, quase 90% de tudo que é produzido é supérfluo, atende necessidades suscitadas por um tipo de cultura consumista que abafou a ética e que reduziu a política a uma função da economia. Tudo é feito mercadoria, com tudo se faz negócio. Então é reduzir o consumo porque a Terra não agüenta.

Segundo, temos que aprender a reutilizar aquilo que nós usamos e ter a engenhosidade de dar outras utilidades para os produtos que nós usamos. Seja geladeira, roda ou roupa. Enfim, é reduzir, reutilizar e reciclar. Um dos grandes problemas do mundo hoje é o que fazemos com os rejeitos. Porque o que o sistema mundial mais produz hoje não são máquinas ou eletrodomésticos, é lixo. Nova Iorque tem que levar seu lixo a 300 km de distância porque não sabe onde colocá-lo. Se esse não for um caos criativo, será um caos destrutivo. Trata-se de um novo padrão civilizatório, nós temos que nos acostumar a consumir menos. Talvez agora não sintamos tanta urgência porque a máquina produtiva e consumista está funcionando, mas na medida em que a crise deixa as bordas e vai para o centro a sociedade sentirá a necessidade de fazer mudanças. De outra forma, essa crise terá conseqüências funestas.


CM – A Amazônia, tema deste Fórum, também é vítima desta crise...

Leonardo Boff – A Amazônia é o lugar de teste de um novo paradigma. É o patrimônio maior da biodiversidade da humanidade. É a maior reserva de água doce do mundo, 13% de toda água doce do mundo está no Brasil e depois no Canadá. Na Amazônia se dá o equilíbrio dos principais climas de toda a América. Apesar de toda essa luxuriante riqueza, o equilíbrio da Amazônia é extremamente frágil, é um dos solos mais pobres de todo o planeta com terras arenizadas. O húmus de grande parte da Amazônia não passa de 30 ou 40 centímetros. Se não forem feitas políticas muito bem dirigidas para a Amazônia, em função do agronegócio e da expansão da soja e do gado, há o risco que em 30 ou 40 anos haja uma vasta savanização da floresta. A humanidade inteira olha com preocupação para Amazônia.


CM – E como garantir uma perspectiva de futuro pós-crise do capital?

Leonardo Boff – Eu lembro aqui uma frase de Gorbachev na reunião da Carta da Terra, em Amsterdã. Ele disse que o modelo imperante de produção e consumo não tem mais condições de garantir um futuro para a humanidade, nós temos que garantir uma coalizão de forças ao redor de novos valores e de um novo paradigma civilizatório. Não é uma questão de querermos ou não. Nós somos forçados a buscar saídas. Caso contrário, e essa é a tendência um pouco do capitalismo, é suicídio. Marx, no terceiro tomo do Capital, explica a lógico do sistema financeiro. É um dos livros mais lidos do mundo inteiro hoje e lido, especialmente, por aquelas pessoas inteligentes dos mercados que erraram e que se perguntam por quê. Marx diz que a tendência do capital é destruir as duas bases que o sustentam, a força de trabalho e a natureza. Nós temos que buscar saídas numa economia plural, em muitas formas de produção. Talvez a China poderá ser um aceno, embora o modo de produção principal chinês seja capitalista.

Nós vivemos sob o pensamento único do mercado, sob o fundamentalismo do modo de produção capitalista. Esse modo de produção sozinho não conseguirá responder as demandas humanas. Pede-se uma economia política múltipla que exista conforme os ecossistemas. Chico Mendes viu isso na Amazônia com claridade. A nova economia vai nessa direção, se opõe ao globalismo. E cria uma economia regional, onde não há problema de transporte, e existe a valorização das tradições culturais.


CM – O Fórum Social Mundial começa em poucos dias, justamente aqui em Belém do Pará. O Brasil vai estar em foco no sentido de que o mundo todo espera um plano específico e claro para o território Amazônico...

Leonardo Boff – Eu creio que o Fórum tem o desafio de pressionar o governo brasileiro para fazer uma política clara, explícita e objetiva sobre a Amazônia. No meu modo de entender, o governo ainda não elaborou nenhum plano singular detalhado sobre a Amazônia. São políticas pontuais para resolver conflitos de terra e para impedir desmatamento em algumas regiões. Fundamentalmente o que tem que ser resolvido é a questão fundiária. É necessário um Plano de Aceleração não do crescimento, mas da integração e da preservação da Amazônia. O Fórum Social Mundial tem esse dever. Quando o presidente Lula vier aqui no dia 29 de janeiro, posso escutar as vozes das nações dos povos que obrigam o governo a assumir responsabilidade para com a humanidade.

A Amazônia é uma região tão complexa, que envolve tantos problemas para os quais nos não temos sequer os meios financeiros suficientes, nem a acumulação de ciência suficiente para podermos sozinhos enfrentar a riqueza e o valor que esse ecossistema tem para a humanidade.


CM – Na perspectiva internacional, a nova presidência dos Estados Unidos também será um tema essencial durante o Fórum. Qual a importância de Barack Obama nestes debates?

Leonardo Boff – Eu pessoalmente considero a eleição do Obama algo providencial e absolutamente surpreendente, porque há 40 anos os negros no sul dos Estados Unidos não podiam votar e hoje um negro assume a presidência do país. Isso é um fato absolutamente inédito, que a gente só pode explicar pelas leis da evolução, por um acúmulo de energia que, sem ninguém esperar, há um salto de qualidade. Em um país que é notoriamente racista, eleger alguém que nem nasceu nos Estados Unidos, que vem de fora do establishment, nem é da tradição branca e protestante americana é incrível. Nem da tradição cristã, porque originalmente ele era muçulmano.

Eu tenderia a ver, como teólogo, um sinal de que Deus tem misericórdia da humanidade. Por outro lado, devemos pensar politicamente e superar a visão da leitura burguesa da história que valoriza apenas indivíduos. Temos que ver é o Governo Obama e quais interesses ele vai representar. O orçamento militar do país, por ano, é de 1,2 trilhão de dólares. Com 20% deste dinheiro, daria para erradicar toda a fome da humanidade. Uma força política que se organiza ao redor da guerra é absolutamente perversa, cruel e sem piedade. Ele prometeu, e isso é de anotar, descentralizar o governo, reforçar aliados e não utilizar a violência, o famoso big stick norte-americano, mas o diálogo.

Ele declarou recentemente que Israel tem direito de se defender, mas que deve aceitar o Estado Palestino. Os palestinos têm direito a ter um estado. É importante que alguém diga isso para não concentrar toda influência dos Estados Unidos sobre Israel e deixar os palestinos no seu desespero. A Palestina não elaborou uma estratégia de guerra, as ações ali são fruto do desespero e da perspectiva de quem não tem outra arma que não entregar a própria vida para defender a dignidade mínima de um povo. Podemos ter esperança. Eu diria até, de forma simbólica, que Obama é um dos frutos do sonho do Fórum Social Mundial. Uma outra política norte americana é possível.

Francisco Carlos Teixeira

O papel do indivíduo na história e a Obamamania

Francisco Carlos Teixeira é Professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Lênin, numa pequena passagem, escreveu que o papel indivíduo era uma bagatela na historia. Claro, o revolucionário russo era coerente com os ensinamentos da teoria marxista. No marxismo as principais categorias de análise são coletivas. A história é o resultado da luta de classes, do combate dos grupos sociais organizados e nunca dos indivíduos, por mais significativos que possam ser. Também é evidente que o indivíduo possui um papel ativo na história – como o próprio Marx destacou na análise sobre Napoleão III no “18 Brumário”.

O Individuo e os movimentos sociais

Contudo, neste caso – onde inclusive o indivíduo Napoleão III assumia grande autonomia política, alma do conceito bonapartismo – isso só era possível pela exaustão política das classes sociais em conflito, incapazes de resolver em proveito próprio a tremenda crise de hegemonia pela qual passava a sociedade francesa. Em suma, Marx dizia que os homens fazem a história. Mas, não fazem conforme sua vontade. São necessárias condições. São tais circunstâncias históricas que moldam, limitam e lançam à frente a ação humana. E no conjunto dos casos em que indivíduos assumiram a tremendas tarefas de mudar a história, o fizeram enquanto lideranças de movimentos sociais massivos, como o próprio Lênin durante a revolução russa. O indivíduo significativo para a história encarna e traduz a grandeza de movimentos sociais. É assim hoje com as novas lideranças populares e indígenas, por exemplo, na Bolívia ou no Paraguai. Obama é um líder de um movimento social que busca a mudança?

Indivíduo e Ideologia

Neste sentido o pensamento marxista ( mais uma vez!) invertia tendências tradicionais da análise política e histórica tradicionais no Ocidente. De um lado, a já antiga tradição advinda da Reforma Protestante, em especial o núcleo agostiniano do pensamento luterano e calvinista. A perda do livre arbítrio em favor da revelação (e do toque) divina, núcleo da teologia calvinista, dava muito pouca liberdade ao homem. Aqueles que seriam salvos possuíam um vínculo direto com o divino, acima das práticas externas e além da hierarquia romana. Era uma questão de fé, imposta pela centelha divina. Naturalmente estes homens, os salvos, tinham a revelação, e o divino os recompensava mesmo aqui na terra. Os sinais externos de enriquecimento – no alvorecer do capitalismo – não eram, assim, pecados. Ao contrário, Deus recompensava aqueles que seguiam seus preceitos.

De forma muito prática estes homens deveriam se esforçar como exemplos da salvação possível. Assim, o trabalho e a frugalidade – na fase áurea da acumulação de capitais – era um sinal externo de salvação. Desta forma, o liberalismo econômico e social associava-se, bastante bem, com as religiosidades reformadas. O mito do “self-made-men” acoplava-se perfeitamente bem ao homem salvo por Deus. Sucesso no plano econômico, ascensão social e salvação divina eram, no fundo, a mesma coisa.

Os Estados Unidos nasceram sob o signo destas duas poderosas e seminais tradições: calvinismo e liberalismo. Nesta simbiose combinava-se a liberdade do homem em traçar, por seu esforço (o trabalho duro) o seu próprio futuro e a recompensa da salvação divina. A “saga” repetida, reinventada, ensinada até tornar-se parte da mitologia nacional americana é acima de tudo a história de homens iluminados por Deus e capazes, por seu único esforço, de construir o seu destino. Assim foi escrita a história dos “Pilgrims”, dos Pais Fundadores, dos colonizadores do Meio-Oeste, da marcha para Califórnia e o Alasca, os roteiros de Hollywood sobre a fronteira e criados personagens do naipe de John Wayne. Liberdade e a Mão de Deus, sempre juntos.

E os excluídos?

Claro, não havia – até muito pouco tempo atrás, ao menos até os anos ’60 – espaço para o duro trabalho escravo, o massacre dos índios, a exploração de milhões de imigrantes que foram em busca do sonho americano. Estes nem reconheciam o Deus dos americanos, nem eram dotados das condições mínimas do exercício da liberdade.

Não é por acaso que hoje, na América, a maior de todas as ofensas que se possa dirigir a alguém seja chamá-lo de “perdedor” ( loser, em inglês ). O perdedor é aquele que não conseguiu seguir uma trilha de sucesso no emprego, na acumulação de capital e prestígio, nem mesmo consegue ser “popular”. Aí, nestas condições instala-se uma forte competição individual que escurece a questão social, sempre em busca do prestígio, de ser “popular” individualmente.

Trata-se de uma sociedade que confunde, voluntariamente, “problema” (nitidamente individual ) com “questão” (definitivamente social ). Os perdedores são sempre desajustados individuais, nunca são produtos de uma questão social maior. A sociedade americana continuaria sendo, desta forma, uma sociedade aberta, pronta para permitir o sucesso de cada um. Basta o toque do divino e o trabalho duro. Se você não o consegue, “loser”, é pura e simplesmente por sua própria incapacidade!

Ora, por que todo esse arrazoado? Por uma razão simples: a ascensão de Barack Hussein Obama a presidência dos Estados Unidos é, em termos simbólicos e mediáticos, uma poderosa confirmação da ideologia fundante da própria América.

Mudança e Continuidade na América

Claro que a eleição foi uma mudança. Só um tolo acharia que nada mudou. A eleição de um homem negro para mais importante cargo do planeta é uma mudança. Faz pouco tempo que os negros não votavam, viviam em guetos urbanos em grandes cidades ou oprimidos em comunidades rurais sulistas. A mudança é notável. Porém, não é Obama que mudou. Obama é produto de um longo processo, iniciado por movimentos sociais massivos liderados (por indivíduos) como Paul Robinson, Martin Luther King, Malcom X, Mohamed Ali e Stockley Carmichael entre outros... O que une todos estes homens, em suas ações e opções diferenciadas? Capitaneavam movimentos de massa, coletivos, de rebeldia ativa e, mesmo, violenta.

Obama surge daí, sem tais movimentos não teríamos a última eleição. “Nós podemos”, a consígna política de Obama, é fruto de “Eu sonho”, de Martin Luther King. Mas, o que impulsiona Obama? Quais as forças sociais que o apóiam e o empurram para frente? Isso é, ainda, um mistério...

Também as medidas iniciais da Administração Obama marcam mudanças. Não me refiro ao mediático fechamento da prisão de Guantánamo (em um ano!). Refiro-me a extinção das chamadas “Comissões Militares”. Tratavam-se de tribunais militares especiais e secretos. Uma anomalia jurídica de grandes proporções. Nenhum Estado de Direito pode conviver com tribunais especiais, externos ao ordenamento jurídico constitucional. Este é, em verdade, o grande passo. Da mesma forma, Obama deu novo fôlego à liberdade de escolha das mulheres perante a gravidez indesejada e reabriu o debate cientifico sobre o uso das células- tronco. Mudanças! Mas, são mudanças em relação aos oito anos de obscurantismo da Administração Bush, posto que Bill Clinton já houvesse autorizado tal legislação, revogada por Bush. A mudança, neste caso, é uma volta ao passado!

Os desafios

Em outros campos, a mudança ainda está por vir e o horizonte é longínquo. Ok, não podemos fazer muitas exigências. Temos apenas dias da Administração Obama. Mas, o material que temos em especial as declarações dos auxiliares escolhidos, não é animador. Obama – “Eu sou a mudança!”- cercou-se, no mais alto nível do seu governo, de homens e mulheres que espelham as forças tradicionais e conservadoras da “establishmment” político de Washington. Criticou o sistema eleitoral, e bateu todos os recordes de arrecadação financeira, incluindo aí doações da indústria petrolífera e farmacêutica (que comemora a liberação dos testes com células-tronco!). Nomeou lobistas para a Casa Branca e chamou políticos conservadores (Joe Biden, Robert Gates, Hillary Clinton, Paul Volcker) para os principais cargos do país.

Em suma, Obama representa mudança, mas trabalha também numa clara linha de continuidade, onde seu próprio discurso sobre a América – um país que permite tudo a todos, com fé em Deus e trabalho duro – reafirma uma ideologia exclusivista, expansionista centrada em um “Destino Manifesto”.

Joseph Nye Jr., um professor próximo dos Clintons, definiu com clareza as duas formas de a América atingir seus objetivos: o “hard power”, o jogo bruto, o uso extenso da musculatura militar, como fez (e perdeu!) George Bush. A outra forma da América atingir seus objetivos é o “soft power”, o poder brando, convencendo o mundo da excelência dos valores e dos méritos do “american way”.

Eis aí a hora e a vez de Barack Obama.

Fonte: Agência Carta Maior

Uma observação:
Não concordo com o autor do texto quando se refere ao "novo fôlego à liberdade de escolha das mulheres perante a gravidez indesejada". Não concordo com o aborto porque, entre outras razões, penso que esta "liberdade" é desejada apenas pela sociedade machista que sempre reservou para as mulheres lugares e situações que pudessem atender os desejos e as vontades dos homens. Penso ainda que o aborto retira da sociedade a responsabilidade de implementar lutas pelo bem-estar das mulheres, nas suas mais diferentes dimensões. As responsabilidades de uma gravidez indesejável é também do homem, mas apenas a mulher, com o aborto, é penalizada. Assim, tudo fica mais fácil para o homem que será o único beneficiado com a tal "liberdade" feminina. Separando as questões do aborto e da vida em si, eu poderia até concordar com o aborto desde que para o homem, responsável pela gravidez indesejável, se tornasse obrigatória a realização de uma vasectomia irreversível. É radical? O aborto também é radical!! Penso ser míope um dos argumentos muito utilizado pelos defensores (as) do aborto quando dizem ser "direito da mulher de dispor do seu corpo e decidir livremente sobre sua vida". Ora, a vida iniciada na gravidez não pertence mais à mulher que já possui sua própria vida. A responsabilidade dessa nova vida deve ser assumida pela mulher e pelo homem. A vida não pode ser descartada como uma mercadoria indesejável. Se sou defendora dos direitos à vida de homens, mulheres e crianças, nos seus mais variados aspectos, seria incoerência aceitar a morte como fruto de um decisão "livre" feminina!! Liberdade que apenas alimenta o continuado e sempre presente patriarquismo social . Concluindo, gostaria ainda de registrar o meu respeito a todas as pessoas que pensam diferente. Uma delas é a Irmã Ivone Gebara, criatura humana pela qual nutro profunda admiração. Já li inúmeros livros seus e todos eles enriqueceram o meu olhar para o mundo e para a teologia. Álias, posso afirmar que o meu pensamento sobre o aborto é fruto também das leituras gebarianas.
Enoisa

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Renato Janine Ribeiro

O capitalismo apostou em paixões, não na moral

Artigo de Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política na USP, publicado no Jornal Valor, 23-01-2009.
Fonte: UNISINOS


Capitalismo, burguesia e às vezes modernidade são palavras que parecem se referir ao mesmo universo. Mas há diferenças. A burguesia pode ter surgido ainda perto do ano 1000, afirma a historiadora francesa Régine Pernoud. Já nos séculos XII e XIII, as cidades italianas vão-se emancipando dos senhores feudais e passando ao poder dos citadinos, dos burgueses, dos que têm dinheiro mas não são da anterior nobreza. Contudo, é no século XV ou XVI que se dá a grande ruptura conceitual, que talvez mostre um capitalismo indo além dos burgueses, ou pelo menos dos burgueses entendidos como cidadãos dos burgos. Essa ruptura supõe que não basta ter dinheiro, é preciso que ele se torne capital. O capital é o dinheiro tornado poder. Uma pessoa pode ter muito dinheiro no banco mas, se não for quem decide como se vai utilizá-lo, seu poder é bem limitado.

Para o dinheiro se tornar poder, uma mudança nas mentalidades, nas instituições e na produção se faz necessária. É difícil datá-la. Mas quem melhor a expõe talvez seja Bernard Mandeville, médico holandês radicado na Inglaterra, que, no começo do século XVIII, escreve um livro escandaloso, "A Fábula das Abelhas", também conhecido pelo subtítulo, que é "Vícios privados, benefícios públicos". É interessante notar que vários leitores, apressadamente, transformam o final do subtítulo em virtudes públicas, o que não é o caso.

Qual a tese central de Mandeville? É que as virtudes podem causar grandes prejuízos à sociedade, e os vícios ser-lhes úteis. Assim resumido, lembra muito Maquiavel. Os dois causaram forte aversão em seus leitores - e não-leitores. Mas Maquiavel prudentemente só deixou publicar seu "Príncipe" depois de sua morte, enquanto Mandeville teve a audácia de editar sua "Fábula" ainda jovem, sendo até levado a julgamento (e absolvido) por isso.

Há uma forte diferença entre os dois autores. Maquiavel entende que o príncipe, e só ele, pode violar a palavra dada e faltar à moralidade cristã. Somente o soberano pode afastar-se da religião, em nome do que depois se chamará a "razão de Estado". Já Mandeville entende que as pessoas em geral podem infringir a moralidade, assim fazendo prosperar a sociedade. Ou seja, para Maquiavel, a infração ao bem é restrita ao chefe de Estado e tem sentido sobretudo político. Já a exceção ao bem se torna, com Mandeville, mais difundida - e seu sentido é econômico, antes de mais nada.

Vamos aos dois grandes exemplos de Mandeville. O primeiro é o do ladrão que assalta rico abade a transportar uma fortuna destinada a ficar inútil, infecunda, entesourada. O assaltante a dilapida, em comida, bebida e mulher. Ora, pergunta o autor, quem faz mais pela humanidade, o gordo sacerdote, cujo dinheiro não circula, ou o bandido que com as moedas roubadas irriga as artérias da economia? O segundo exemplo é o das prostitutas de Amsterdam. Coisa ruim, concorda Mandeville - mas que evita algo pior por que, se os marinheiros que chegam ao porto após meses "sem mulher" não dispuserem de profissionais, haverão de atacar senhoras e senhoritas "de família". Por isso, explica, os austeros governantes da cidade calvinista toleram a prostituição, que, embora sendo um vício privado, acarreta - como a ganância do ladrão ou do empresário - benefícios públicos.

Instinto animal, destruição criadora e outras expressões que temos lido nos últimos anos - um período de grande celebração, na mídia, do capitalismo pouco controlado pelo Estado - derivam, em última análise, desses dois grandes pensadores. A grande idéia de Maquiavel é que o bem, se estiver no poder, leva os Estados à breca. A grande idéia de Mandeville é que podemos canalizar nossos pendores para "o mal", de modo que produzam efeitos socialmente positivos. Em comum, os dois não crêem na bondade natural do homem - ou melhor, não crêem que uma eventual bondade humana traga resultados bons para a sociedade. Para que a sociedade esteja bem, o bem tem de ser reduzido. Mas nenhum deles defende o mal pelo mal: o que querem é canalizá-lo. O segredo da vida social beneficiada está em sabermos utilizar, no homem (isto é, em nós mesmos), o que não é bom, mas pode ser bem aproveitado. Está em desistirmos de uma aposta na bondade humana, coisa de sacerdotes, para - aceitando-nos como somos - gerarmos uma vida mais confortável.

Essa é a chave do constante jogo capitalista entre bem e mal, entre a difícil moralidade e, digamos, a espontaneidade do instinto. Vi, quinze anos atrás, interessante espetáculo na TV inglesa: no congresso do Partido Conservador, velhinha após velhinha protestava contra a abertura do comércio aos domingos, "dia do Senhor", dia de estar com a família. O governo - também conservador - não estava nem aí para elas. Os conservadores não crêem mais nos valores da família e da religião, tanto que a direita hoje fala mais em liberalismo. Querem a liberdade de empreender. É verdade que a ética protestante analisada por Weber era muito rigorosa, e que nada ou pouco tem a ver com o thatcherismo. Mas sustento que a ética dos pastores de Genebra teve menor impacto histórico do que o hábil jogo de Mandeville que faz do mal, não emergir o bem, mas emergirem bens.

Quer isso dizer que o capitalismo está condenado à ganância, que pode destruir o mundo, assim como está eliminando riquezas enormes? Não sei. O que deu força ao capitalismo é que apostou em paixões, digamos, fáceis de seguir. As alternativas a ele, feudais ou socialistas, exigem mais de nós. O capitalismo é confortável. Não pede uma alta moralidade. Lida com os homens "como eles são". Uma sociedade cristã, socialista ou amiga da natureza demandaria muito mais de todos nós. Será que nos dispomos a pagar o preço da moral? Ela não é barata. Por isso, a questão é mais funda: pode ser que, estes séculos, estas décadas, tenhamos vivido na ilusão de que dava para viver bem e para viver segundo o bem. Pode ser que não dê. Pode ser que tenhamos de escolher. A ética é cara. Pode custar riqueza, cargos, a própria vida. Estaremos dispostos a incluir o heroísmo, talvez até o martírio, em nosso rol de experiências possíveis? Se não, a destruição periódica que o capitalismo efetua pode continuar sendo mais conveniente para nós. Mesmo que, um dia, o planeta acabe.

Armando Hart Dávalos

O socialismo real já caducou, afirma um dos líderes da Revolução Cubana.
Nesta entrevista, Armando Hart Dávalos, um dos líderes da Revolução Cubana, acredita ser necessário “reinventar a forma de se fazer o socialismo”, e diz que no continente podem ser sentadas “as bases de um diálogo” entre setores populares e acadêmicos. A reportagem é de Gerardo Arreola, publicada no jornal Pagina/12, 19-01-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


Armando Hart Dávalos Armando Hart Dávalos, um dos dirigentes históricos da revolução, afirma que se deve “reinventar” os modos de construir o socialismo e crê que, com os processos de integração na América Latina e as mudanças políticas nos Estados Unidos, pode-se perfilar um grande diálogo hemisférico entre setores populares, acadêmicos e científicos. Além disso, prevê “um novo cenário no confronto” de Cuba com o imperialismo norte-americano se Barack Obama eliminar as restrições às viagens dos cubanos que vivem nesse país e se produzir assim um reencontro de gerações nascidas na ilha, mas com experiências antagônicas.

Apenas se tinha graduado em Direito, Hart Dávalos se lançou à resistência contra o golpe de Fulgencio Batista, em 1952. Três anos mais tarde, uniu-se ao Movimiento 26 de Julio, no qual foi um ativo organizador das redes clandestinas. Participou no levante da cidade de Santiago de Cuba e mais tarde na criação de uma frente de oposição de profissionais e setores médios, o Movimiento de Resistencia Cívica.

Detido em 1957, em La Habana, conseguiu fugir do edifício dos julgados e voltar à vida secreta, mas no ano seguinte voltou a ser preso. Quando a revolução triunfou, há 50 anos, estava encarcerado em Isla de Pinos. Logo viajou para La Habana em, na cidade de Camagüey, se encontrou com Fidel Castro, que lhe anunciou que seria designado ministro da Educação. Uma semana depois do triunfo revolucionário, com apenas 28 anos, assumiu o cargo e enfrentou um cenário com um milhão de analfabetos, a metade das crianças em idade escolar sem acesso às aulas e um nível médio de escolarização inferior à terceira série.

Como uma de suas primeiras tarefas, Hart Dávalos encabeçou a campanha que, em menos de três anos, erradicou o analfabetismo de Cuba. Depois, dirigiu a construção de um sistema educativo nacional, trabalhou na formação do Partido Comunista, foi ministro da Cultura e, desde a década passada, está a cargo de um programa de difusão do pensamento de José Martí.

Teórico e polemista, com 78 anos, há pouco escreveu um artigo que chamou a atenção dentro e fora de Cuba, ao advertir que o triunfo de Obama poderia se converter em um desafio para a Revolução Cubana e para os Estados Unidos. “Eu me referi a que, se Obama triunfasse e cumprisse uma mínima parte do prometido, derrogando as posições de Bush que obstaculizam e perseguem as visitas a Cuba de aproximadamente 1,2 milhão de cubanos que residem nos EUA, e que também impedem as dos próprios norte-americanos, isso constituiria, além de uma grande vitória sobre o bloqueio, um desafio para enfrentar, sobre fundamentos culturais, um novo cenário no confronto histórico com o imperialismo”.

“Por outro lado – acrescenta –, há setores acadêmicos, econômicos, de movimentos sociais da América do Norte interessados em desenvolver algum tipo de relação com o nosso país, que poderiam incidir também nessa situação. Temos que projetar novas concepções teóricas e propagandísticas sobre as nossas idéias e sua origem. Fidel dizia que, frente à indústria cultural do imperialismo, o socialismo não criou os antídotos suficientes”.

Em que termos essa luta vai se produzir?

Deve-se ganhar alguns deles. Há jovens que foram embora confundidos. Deve-se fazer uma projeção nova de como captá-los. Com que tese vão aparecer agora, depois de derrotado o neoliberalismo? Que outra doutrina, ideia, teoria, pode se levantar depois da derrota do neoliberalismo como projeto histórico? Como aspiramos manter no alto a bandeira do socialismo, é necessário pesquisar, estudar e promover a tradição nacional cubana, demonstrar como o liberalismo europeu de Napoleão e da Santa Aliança e o dos Estados Unidos, que defende o direito de propriedade, não é o mesmo que o liberalismo latino-americano de Bolívar, Juárez, Alfaro e Martí, que é anti-imperialista e de conteúdo social, como entrelaçamos nossas aspirações com o pensamento de Marx, Engels y Lênin, e como as ideias desses teóricos foram tergiversadas e caíram em um grande descrédito universal.

Deve-se reconstruir ou reformular o socialismo?

O socialismo não. O que deve ser reinventado é a forma de fazê-lo. Propormo-nos o socialismo de uma forma nova. A velha, a que conhecemos como o socialismo real, já caducou. Agora, está se comprovando que se deve estudar Marx para conhecer os problemas da economia, o que não quer dizer que se deva tomá-lo como dogma. Deve-se assumir a herança do marxismo, como disse, “em benefício do inventário”. Isto é, aceitando a herança sem comprometer-se com as dívidas. O socialismo tem que ser visto como um horizonte. É universal ou não é socialismo. Não existe socialismo em um só país ou em dois países. Temos que encontrar a união entre o mais elevado pensamento socialista e o movimento liberal latino-americano e caribenho, como Hugo Chávez e Fidel Castro estão interpretando.

Em um discurso de 2005, Fidel Castro deixou em aberto a pergunta sobre se a Revolução Cubana era reversível. Que respostas existem?

Isso só pode ser respondido com a ação. Depende de que adquiramos consciência plena, por meio da ação e por meio do que eu chamo cultura de fazer política. Vejo a política como uma categoria da prática.

O que a América Latina pode esperar de Obama?

Obama é uma esperança para muita gente. Eu não quero caracterizá-lo, mas quero sim dizer que ele foi eleito por uma esmagadora maioria de votos e que teve algumas propostas que devem nos mover à reflexão. Por outro lado, a recente reunião latino-americana do Brasil manda uma mensagem aos Estados Unidos e ao mundo: a de que esta é a única região que está, agora, em um processo de integração multinacional. Os sonhos de 50 anos atrás que serviram de força impulsora da revolução triunfante estão à nossa vista. Aí estão as bases de um diálogo. Pode-se dialogar mediante um movimento que tente vincular os setores populares, acadêmicos e científicos dos Estados Unidos com os da América Latina. Há uma declaração de intelectuais que me parece excelente, que propõe um verdadeiro programa de fundo e que, creio, deve ser estudado.

Hart Dávalos estende uma cópia de uma carta a Obama, assinada por mais de 400 acadêmicos do continente: o texto pede que os Estados Unidos deixe de ser adversário da América Latina e se converta em aliado contra o modelo econômico fracassado, que reformule a agenda de migração e de drogas, que renove a defesa dos direitos humanos na área e facilita o intercâmbio cultural com Cuba. Em resumo, que haja “mudança, não só nos Estados Unidos”.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

João Pedro Stedile

25 anos de teimosia

Em janeiro de 1984, havia uma processo de reascenso do movimento de massas no Brasil. A classe trabalhadora se reorganizava e acumulava forças orgânicas. Os partidos clandestinos já estavam na rua, como o PCB, PcdoB, etc. Tínhamos conquistado uma anistia parcial, mas a maioria dos exilados tinham voltado. Já havia se formado o PT, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a CONCLAT (Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora). Amplos setores das igrejas cristãs ampliavam seu trabalho de formiguinha, formando consciência e núcleos de base em defesa dos pobres, inspirados pela Teologia da Libertação. Havia um entusiasmo em todo lugar, porque a ditadura estava sendo derrotada e, a classe trabalhadora brasileira, na ofensiva, lutando e se organizando.

Os camponeses no meio rural viviam o mesmo clima e a mesma ofensiva. Entre 1979 e 1984, se realizaram dezenas de ocupações de terra em todo o país. Os posseiros, os sem terra e os assalariados rurais perderam o medo - e foram à luta. Não queriam mais migrar para a cidade como bois marcham para o matadouro (na expressão de nosso saudoso poeta uruguaio Zitarroza).

Fruto de tudo isso, nos reunimos em Cascavel, em janeiro de 1984, estimulados pelo trabalho pastoral da CPT, lideranças de lutas pela terra de 16 estados brasileiros. E lá, depois de cinco dias de debates, discussões, reflexões coletivas, fundamos o MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Os nossos objetivos eram claros: organizar um movimento de massas a nível nacional, que pudesse conscientizar os camponeses para lutarem por terra, por reforma agrária (mudanças mais amplas na agricultura) e por uma sociedade mais justa e igualitária. Queríamos, enfim, combater a pobreza e a desigualdade social. A causa principal dessa situação no campo era a concentração da propriedade da terra, apelidada de latifúndio.

Não tínhamos a menor idéia se isso era possível. E nem quanto tempo levaríamos na busca de nossos objetivos. Passaram-se 25 anos, muito tempo. Foram anos de muitas mobilizações, muitas lutas e de uma teimosia constante, de sempre lutarmos e nos mobilizarmos contra o latifúndio. Pagamos caro por essa teimosia. Durante o governo Collor fomos duramente reprimidos, com a instalação inclusive de um departamento especializado na Policia Federal para o combate aos sem-terra. Depois, com a vitória do neoliberalismo do governo FHC, foi o sinal verde para os latifundiários e suas polícias estaduais atacarem o movimento. Tivemos em pouco tempo dois massacres: Corumbiara e Carajás. Ao longo desses anos, centenas de trabalhadores rurais pagaram com sua própria vida o sonho da terra livre.

Mas seguimos a luta. Brecamos o neoliberalismo elegendo o governo Lula. Tínhamos esperança de que a vitória eleitoral pudesse desencadear um novo reascenso do movimento de massas, e com isso a reforma agrária tivesse mais força de ser implementada. Não houve reforma agrária durante o governo Lula. Ao contrário, as forças do capital internacional e financeiro, através de suas empresas transnacionais, ampliaram seu controle sobre a agricultura brasileira.

Hoje a maior parte de nossas riquezas, produção e distribuição de mercadorias agrícolas está sob controle das empresas transnacionais. Elas se aliaram com os fazendeiros capitalistas e produziram o modelo de exploração do agronegócio. Muitos de seus porta-vozes se apressaram a prenunciar nas colunas de jornalões burgueses que o MST se acabaria. Lêdo engano. A hegemonia do capital financeiro e das transnacionais sobre a agricultura não conseguiu, felizmente, acabar com o MST. Por um único motivo: o agronegócio não representa solução para os problemas dos milhões de pobres que vivem no meio rural. E o MST é a expressão da vontade de libertação desses pobres.

A luta pela reforma agrária, que antes se baseava apenas na ocupação de terras do latifúndio, agora ficou mais complexa. Temos que lutar contra o capital, contra a dominação das empresas transnacionais. A reforma agrária deixou de ser aquela medida clássica: desapropriar grandes latifúndios e distribuir lotes para os pobres camponeses.

Agora, as mudanças no campo para combater a pobreza, a desigualdade e a concentração de riquezas depende de mudança não só da propriedade da terra, mas também do modelo de produção. Se agora os inimigos são também as empresas internacionalizadas, que dominam os mercados mundiais, significa também que os camponeses dependerão cada vez mais das alianças com os trabalhadores da cidade para poder avançar nas suas conquistas. Felizmente, o MST adquiriu experiência nesses 25 anos: sabedoria necessária para desenvolver novos métodos e novas formas de luta de massa, que possam resolver os problemas do povo.

Fonte: MST

Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin

Em função das comemorações pelos 25 anos de lutas e conquistas do Movimento Sem Terra em todo o Brasil, os meios de comunicação passam a analisar as ações desenvolvidas pelo movimento. Antonio Cechin, irmão marista, e Jacques Távora Alfonsin, procurador da República aposentado e professor de Direito, comentam dois artigos a respeito do MST, publicados recentemente em jornais locais. Segundo Cechin e Alfonsin, o MST "pode ter muitos defeitos, como qualquer movimento popular tem, mas existem duas virtudes na luta que ele empreende, difíceis de serem negadas". Uma delas é "a coragem com que enfrenta, no país inteiro, na maior parte das vezes sob a sanção dos Poderes Públicos, o outro poder, aquele cruel, ilegal e injusto do uso da terra pelo latifúndio". A segunda é a de "não confundir, como faz a maior parte da mídia, segurança pública com preservação da injustiça social". Fonte: UNISINOS




Dois artigos circulam atualmente na Internet, ambos relacionados com as atividades políticas atuais dos movimentos populares, especialmente do MST.

O primeiro é de um crítico histórico desse Movimento e da sua liderança. Segundo ele, entre outras coisas, “o MST vive graças aos recursos públicos que recebe do Incra”, embora não poupe queixas do modo como essa autarquia conduz a reforma agrária, “a sua liderança maior é de um marxismo infantil, a reforma agrária está sendo implementada onde não devia”.

O segundo texto é da própria liderança, criticada pelo primeiro articulista. Faz um breve histórico do MST, “nascido das urgências de o povo pobre sem-terra se organizar, lutar por seus direitos, pela reforma agrária, por uma sociedade mais justa, combatendo a pobreza e a desigualdade social”; recorda “o custo em vidas humanas que tais metas sofreram em vinte e cinco anos”, critica “a nova forma de hegemonia do capital financeiro e das transnacionais a exigirem, por sua vez, novas formas de enfrentamento desse tipo de concentração de riqueza e dominação a exigirem mudanças projetadas pelo MST até para alcançar um novo modelo de produção”.

À simples comparação das duas posturas, pode-se antecipar que a primeira crítica - a do histórico, que é professor universitário - está mais preocupada com a forma bastante equivocada, conforme sua visão, com que o MST se conduz, e a segunda crítica com o conteúdo fundamental, legitimante das reivindicações populares.

O lugar social da primeira, salvo melhor juízo, parece mais o da academia, da docência inconformada com o que entende ser um movimento que age em desconformidade com padrões teóricos e ideológicos que seriam mais adequados à ordem jurídica vigente e mais democráticos (sua crítica ao fato de o MST não ter personalidade jurídica testemunha bem isso).

O lugar social da segunda parece mais o da identificação face a face das causas da injustiça social, dos responsáveis por ela, dos trágicos efeitos sociais que elas geram e da urgência de o povo se organizar e agir em sua inadiável defesa.

Agora que o MST está completando 25 anos, convém comparar tais textos, sob a lente do proveito, do que ganham os direitos humanos fundamentais dos sem-terra, secularmente violados em nosso país, como a história comprova; a que e a quem servem, enfim, os dois textos.

Isso pode ser feito à luz de três princípios jurídicos, pelo menos, sempre presentes nas ações judiciais que julgam direitos em conflito, inclusive à luz da Constituição Federal, como ocorre quase sempre com os direitos dos sem-terra.

O primeiro é o da proporcionalidade, um princípio interpretativo dos fatos e da lei, daqueles que menos abstração comporta, quando se comparam direitos. Para o texto crítico negativo do MST “esse movimento popular somente sobrevive graças aos recursos que lhe repassa o INCRA”.

Considerado o fato, todavia, de que o repasse de verbas públicas sofre severa vigilância do Tribunal de Contas da União, tem-se de convir que a crítica aí deduzida agrega proporção mais política do que jurídica. Aliás, a Zero Hora do dia 14 deste mês, segue o mesmo rumo, já que noticia a grande diminuição de recursos públicos repassados a entidades ligadas ao MST, sem considerar que muitos dos processos administrativos abertos no Tribunal de Contas da União ainda estão tramitando.

Respeitado, então, o princípio da proporcionalidade, aqui se sugere às/aos leitores, sejam comparados os recursos públicos utilizados pelas tais pessoas jurídicas direta ou indiretamente ligadas ao MST, (chegaram a milhões segundo a Zero Hora, não para o MST, sublinhe-se, mas sim para ONGs e cooperativas que têm relações diretas e indiretas com ele) com os bilhões (!) de reais que a União está perdendo, seja por anistia, seja por prorrogação de dívidas tributárias históricas dos latifundiários brasileiros. Se a reforma agrária fosse realizada como determina a lei, a proporção dos recursos alcançados por essa renúncia fiscal seria mais do que suficiente para a sua realização e o MST iria para casa, porque a miséria da grande massa dos seus integrantes teria sido curada. Teria caducado a luta por Reforma Agrária por ter sido coisa do passado e já ter sido realizada como diria Frei Betto.

O segundo princípio jurídico de oportuna lembrança para os dois textos é o da função social da propriedade (art. 5º inc. XXIII da Constituição, entre outros). Aqui tem lugar a tentativa de aproveitar ambos os textos como denúncia e base de ação contrária às promessas feitas pelas Constituições do país, reiteradamente traídas na história em desfavor das pessoas pobres sem-terra, violando os seus direitos humanos fundamentais.

Se a injustiça social gerada pela atual estrutura agrária do país for medida pelo número de agricultores sem-terra, religiosas/os e advogados mortas/os por jagunços a soldo de latifundiários, for medida pela desterritorialização progressiva das terras entregues às transnacionais, em crescente concentração da propriedade privada, for medida pelo desmatamento predatório de um lado e pela imposição da monocultura por outro, for medida pela extensão da grilagem iníqua, inclusive aquela praticada contras as/os quilombolas e as/os índias/os, pela substituição do espaço físico indispensável à alimentação do povo em favor do agronegócio exportador, é impossível deixar de reconhecer que o texto da liderança do MST é bem mais significativo do que o do seu crítico. Lanceta causas diretas de tumores antigos que infectam a nossa terra com um tão grande poder de exclusão anti-social que não podem ser atribuídas, apenas, a um marxismo infantil. Ideologia por ideologia, pior efeito contra os direitos humanos fundamentais das/os sem-terra tem aquela que vê o argueiro no olho delas/es (inspiração e forma de agir), sem atentar para a trave que cega os poderes de quantos lhes enganam, lesam e oprimem.

Um terceiro princípio jurídico, esse também previsto no art. 37 da Constituição Federal como vinculante da administração pública, é o da eficiência. O acesso à terra, como efeito da ação do MST e dos seus críticos pode ser, aqui, um bom critério de comparação da eficiência de uma e de outra das opiniões que versam sobre ele. Do texto crítico do MST, um desses efeitos, retirado de várias opiniões anteriores suas ao referido Movimento, já cumpriu toda a sua trágica e deletéria conseqüência, em sentido contrário àquele acesso. Serviu de base doutrinária para a argumentação de dois promotores gaúchos moverem quatro ações civis públicas contra o MST, em quatro comarcas diferentes do Rio Grande do Sul (Carazinho, Canoas, Pedro Osorio e São Gabriel), cujas liminares, deferidas pelas/os juízas/es de imediato, foram cumpridas com extrema violência e abuso de poder pela Brigada Militar do Estado: dissolução de dois acampamentos, com expulsão violenta de crianças e idosas/os, destruição de farmácias caseiras e escolas, identificação criminal das/os ocupantes, descaminhos de seus pobres pertences, barracas demolidas, barragem imposta à aproximação das lideranças do MST dos locais em que as tais execuções se processaram.

Isso obrigou o referido crítico histórico a, numa entrevista posterior, solidarizar-se com o MST, dando a entender que as reservas que ele guarda contra o Movimento são predominantemente relacionadas ao fato de ele não ter personalidade jurídica.

Como se observa dos dois textos, aqui examinados por quem se identifica com o ideário e as ações do MST, pode ter muitos defeitos, como qualquer movimento popular tem, mas existem duas virtudes na luta que ele empreende, difíceis de serem negadas. Uma é a da coragem com que enfrenta, no país inteiro, na maior parte das vezes sob a sanção dos Poderes Públicos, o outro poder, aquele cruel, ilegal e injusto do uso da terra pelo latifúndio que, não raro, despreza ou tem até força superior à da lei; a segunda é a de não confundir, como faz a maior parte da mídia, segurança pública com preservação da injustiça social.

O crime estrutural que essa anônima forma de oprimir e matar as/os pobres, pela fome, pela falta de teto, pelo desprezo da dignidade e da cidadania deles, passa como fatalidade; não há lei capaz de puni-lo, que o comprove a secular impunidade da exclusão social que os vitima. Pobreza e miséria, por mais injustas que sejam, não se considera violação de direito.

Entre tantas lições do querido Betinho, duas são bem oportunas para a celebração dos vinte e cinco anos do MST: "quem tem fome tem pressa"; "o último que nunca saía dos trilhos, o trem pegou...". Pelo jeito e pela história desse Movimento, para pesar dos seus críticos, ele tem sido bem fiel à uma e à outra. É de se esperar que assim prossiga.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

José Saramago

Obama

A Martin Luther King mataram-no. Quarenta mil polícias velam em Washington para que hoje não suceda o mesmo a Barack Obama. Não sucederá, digo, como se na minha mão estivesse o poder de esconjurar as piores desgraças. Seria como matar duas vezes o mesmo sonho. Talvez todos sejamos crentes desta nova fé política que irrompeu em Estados Unidos como um tsunami benévolo que tudo vai levar adiante separando o trigo do joio e a palha do grão, talvez afinal continuemos a acreditar em milagres, em algo que venha de fora para salvar-nos no último instante, entre outras coisas, desse outro tsunami que está arrasando o mundo. Camus dizia que se alguém quisesse ser reconhecido bastar-lhe-ia dizer quem é. Não sou tão optimista, pois, em minha opinião, a maior dificuldade está precisamente na indagação de quem somos, nos modos e nos meios para o alcançar. Porém, fosse por simples casualidade, fosse de caso pensado, Obama, nos seus múltiplos discursos e entrevistas, disse tanto de si mesmo, com tanta convicção e aparente sinceridade, que a todos já nos parece conhecê-lo intimamente e desde sempre. O presidente dos Estados Unidos que hoje toma posse resolverá ou intentará resolver os tremendos problemas que o estão esperando, talvez acerte, talvez não, e algo nas suas insuficiências, que certamente terá, vamos ter de lhe perdoar, porque errar é próprio do homem como por experiência tivemos de aprender à nossa custa. O que não lhe perdoaríamos jamais é que viesse a negar, deturpar ou falsear uma só das palavras que tenha pronunciado ou escrito. Poderá não conseguir levar a paz ao Médio Oriente, por exemplo, mas não lhe permitiremos que cubra o fracasso, se tal se der, com um discurso enganoso. Sabemos tudo de discursos enganosos, senhor presidente, veja lá no que se mete.

Fonte: O Caderno de Saramago

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Ivo Lesbaupin

O mundo segundo a Monsanto

Resenha do livro de Marie-Monique Robin
(Editora Radical Livros, São Paulo)

Este livro escrito pela jornalista Marie-Monique Robin, recentemente traduzido no Brasil, é o resultado de três anos de pesquisa em vários países. Ele foi precedido por um documentário para o canal franco-alemão Arte. E as revelações são surpreendentes. A meu ver, é um livro de leitura obrigatória. Vou resumir as conclusões que me parecem mais graves.

1. Contrariamente à afirmação divulgada pela Monsanto, de que não há estudos conclusivos, está provado: os transgênicos fazem realmente mal à saúde. Várias pesquisas já o comprovaram.

2. Por que jamais chegam a nosso conhecimento as pesquisas sobre os transgênicos? Porque a Monsanto persegue os cientistas que as fazem - em qualquer lugar do mundo. O livro cita vários casos em que cientistas e suas equipes perderam seus postos, tiveram o financiamento de suas pesquisas suspenso e foram difamados em público. Isto ocorreu não só nos EUA, mas na Inglaterra e na Itália também. A Monsanto impede que o resultado de suas pesquisas seja publicado em revistas científicas e pagam outros cientistas para publicar artigos desmoralizando as pesquisas cujos resultados sobre os transgênicos sejam negativos (no sentido de que produzem efeitos nocivos no organismo humano).

O cientista de origem húngara Arpad Pusztai, pesquisador renomado em um instituto inglês, Rowett, desenvolveu uma pesquisa sobre o impacto dos transgênicos sobre a saúde humana. Ele fez parte de uma equipe de cerca de trinta pesquisadores que, no início, eram entusiastas da biotecnologia. Em sua experiência, ratos que se alimentaram com batatas transgênicas tiveram cérebro, fígado e testículos menos desenvolvidos que os ratos que se alimentaram com batatas comuns. Em um programa de TV da BBC em 1998, o cientista alertou que, antes de serem lançados no mercado britânico, os transgênicos deveriam ser mais pesquisados. Dois dias depois da entrevista, o cientista foi demitido do Instituto Rowett e a equipe de pesquisa foi dissolvida. Ele foi proibido de dar entrevistas. Enquanto isso, o diretor do Instituto, cientistas da Monsanto e conselheiros científicos do governo (Blair) difamaram publicamente o cientista e sua pesquisa.

Arpad Pusztai só foi salvo porque a Câmara dos Comuns decidiu ouvi-lo. Ele, então, enviou sua pesquisa a vinte cientistas reconhecidos de outros países para poderem avaliá-la. A conclusão destes cientistas foi amplamente favorável aos resultados obtidos por Pusztai e contrária ao que foi publicado por seus detratores. Graças a isso, na ocasião, os transgênicos não puderam entrar na Inglaterra.

Outro caso semelhante se deu na Itália: a pesquisadora Manuela Malatesta perdeu o posto que tinha na Universidade Urbino, assim como seu laboratório e sua equipe, porque chegou a conclusões preocupantes sobre a soja transgênica: os ratos alimentados com o transgênico tiveram prejuízo no fígado, no pâncreas e nos testículos, em comparação com aqueles que receberam alimento comum. Mais: ela afirmou que não se consegue recursos para fazer pesquisa sobre os transgênicos - a razão alegada pelas instituições para a recusa de recursos é que, supostamente, segundo a literatura científica, nada prova que os transgênicos provoquem problemas, portanto, não vale a pena pesquisar sobre eles.

Se, em épocas revolutas, o obscurantismo e o dogmatismo impediram o avanço da ciência, estamos claramente diante de um caso em que, ao final do século XX e início do XXI, para defender seus interesses comerciais, uma empresa multinacional bloqueia a pesquisa científica. Mais que isso: esta empresa investe na destruição do trabalho e da reputação de cientistas que chegam a conclusões que possam prejudicar seus interesses. Quanto a suas próprias pesquisas sobre os transgênicos, a empresa só divulga suas conclusões (sempre positivas) e não disponibiliza os dados brutos para outros cientistas, sob pretexto de "segredo comercial". Mesmo assim, numa destas conclusões, a Monsanto afirma haver constatado diferenças no fígado, nos testículos e nos rins (dos ratos), mas que não atribui tais diferenças à manipulação genética.

Não só os cientistas têm suas pesquisas bloqueadas e seus relatórios não conseguem ser publicados. Jornalistas que fazem reportagens que possam comprometer algumas afirmações da Monsanto sofrem pressão das direções de seus órgãos de comunicação, por exigência da multinacional: um destes casos é relatado em detalhes no livro e os jornalistas acabaram perdendo seu emprego, além de sofrer processo, calúnia e difamação.

3. Nos EUA, a Monsanto conseguiu impedir a rotulagem de produtos que contêm transgênicos, sob a alegação de que esta medida seria discriminatória em favor dos outros produtos. Os produtores de alimentos não transgênicos não podem igualmente explicitar no rótulo de seus produtos que eles não têm transgênicos. Em outras palavras: os habitantes deste país não têm o poder de escolher o tipo de alimentos que querem consumir porque não podem saber se eles contêm ou não transgênicos.

Por que esta preocupação da Monsanto em não permitir a rotulagem de seus produtos? Porque, segundo especialistas, suas vendas cairiam em pelo menos 50%: qual o consumidor que, tendo à escolha, alimentos sem transgênicos e alimentos transgênicos (ou contendo transgênicos), vai escolher aqueles sobre os quais pairam sérias dúvidas?

Como a Monsanto conseguiu este feito? Primeiro, ela conseguiu colocar na agência governamental que fiscaliza alimentos e medicamentos, a FDA (Food and Drug Administration) cientistas e advogados que já trabalharam para a Monsanto. O livro cita o nome dos especialistas que ajudaram a elaborar uma diretiva da FDA que afirma a inocuidade dos transgênicos. A regulamentação publicada pela FDA em 1992 afirma a "equivalência em substância" entre as plantas geneticamente modificadas e os alimentos naturais: "seus componentes são os mesmos ou similares em substância àqueles que encontramos comumente nos alimentos". Se é assim, não há com que se preocupar. Mais: a FDA permitiu que os transgênicos sejam comercializados sem uma avaliação toxicológica preliminar. Estes alimentos foram considerados como "geralmente reconhecidos como seguros" e não como "aditivos alimentares". Os aditivos alimentares - um conservante ou um colorante, por exemplo - têm obrigatoriamente de ser submetidos a testes para provar que não são prejudiciais à saúde humana, antes de ser comercializados. Já os transgênicos puderam, graças àquele estratagema, escapar desta obrigação.

Cabe observar que vários cientistas da FDA, consultados internamente, exprimiram sérias inquietações quanto às conseqüências dos transgênicos sobre a saúde humana. A diretiva final, porém, não levou estas opiniões em conta.

A presença de gente da Monsanto entre as autoridades não se resume à FDA: em alguns cargos do governo George W. Bush, o ministro da Justiça, o secretário da Saúde, a secretária de Agricultura, o secretário da Defesa, e um membro da Suprema Corte, tinham sido financiados pela Monsanto ou tinham pertencido à Monsanto ou a uma de suas filiais. Vice-versa, pessoas que tinham sido do governo anterior estavam agora trabalhando em altos cargos da Monsanto.

A empresa consegue se infiltrar inclusive em organismos da ONU como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). E consegue que estas organizações emitam um texto em 1990 - quando não havia ainda nenhum transgênico no mercado - que deixa livre o caminho para a comercialização (futura) dos transgênicos. Em um documento publicitário da soja Roundup de 1998, a Monsanto afirma que o conceito de "equivalência em substância" foi estabelecido no início dos anos 1990 pela FAO, pela OMS e pela OCDE. Traduzindo: não há com que se preocupar, os transgênicos - segundo estas instituições internacionais - não fazem mal à saúde, podem ser consumidos à vontade.

No Canadá, o órgão correspondente à FDA dos Estados Unidos é a Health Canada. Para introduzir o hormônio transgênico que a Monsanto fabricou para as vacas produzirem mais leite, a autorização dependia desta instituição. Três cientistas da Health Canadá levantaram questões a respeito das conseqüências negativas para as vacas e também para o leite. Revelou-se também uma tentativa de corrupção por parte da Monsanto, na qual foram oferecidos entre um e dois milhões de dólares para a instituição liberar o transgênico. Depois da análise por parte de uma Comissão do Parlamento canadense, em que aqueles cientistas foram ouvidos, o hormônio transgênico acabou não sendo aceito no Canadá. Mas, em conseqüência de sua tomada de posição, por incrível que pareça, os três foram exonerados da instituição. É preciso observar que vários produtores de leite experimentaram o tal hormônio em algumas de suas vacas e as conseqüências foram sérias: as vacas passaram a emagrecer, a ter doenças nas tetas - o que exigia a utilização de antibióticos (que, logicamente, passaram para o leite) -, e a ter dificuldade de procriar (ou simplesmente não procriaram mais). Uma pesquisa da própria Monsanto também verificou tais resultados em uma parte das vacas que receberam o hormônio transgênico, mas a empresa nunca publicou esta pesquisa e nunca divulgou a possibilidade de efeitos negativos do seu hormônio transgênico, ao contrário. A divulgação da pesquisa foi resultado de um vazamento.

4. Qual o objetivo da empresa Monsanto com tudo isso?

O lucro, em primeiro lugar.

De que forma?

Conseguindo que os agricultores sejam obrigados a usar suas sementes e seus herbicidas. A natureza não precisa ser paga por gerar novas sementes, que podem ser utilizadas pelo agricultor. Mas a Monsanto não permite a utilização das sementes produzidas pela plantação de alimentos transgênicos, o agricultor tem de comprar novamente as sementes fabricadas pela Monsanto. Ao comprar pela primeira vez sementes da Monsanto, o agricultor tem de assinar um termo em que concorda com esta exigência. Se ele não cumpre, se por acaso usa as sementes que nascem de sua plantação para nova semeadura, é processado pelo batalhão de advogados da empresa e é obrigado a pagar. Nos EUA, agricultores que não aceitaram isso se viram arruinados em razão do processo que tiveram que enfrentar.

Além disso, à medida que as sementes de transgênicos são plantadas, o processo natural espalha as sementes nos campos vizinhos, os transgênicos vão se proliferando e contaminam as outras áreas. Técnicos da Monsanto vão a estes outros agricultores, investigam seus campos e os obrigam a pagar pelas sementes que eles não plantaram mas que se encontram em suas terras.

A conseqüência mais grave, para a agricultura e para a humanidade, é que, nas terras onde se planta uma vez transgênico, em seguida não se consegue plantar sementes orgânicas. A terra fica viciada. Isto torna os agricultores (e o país) dependentes da empresa que fabrica os transgênicos, a Monsanto.

Mas como é que a Monsanto consegue convencer os agricultores a comprar, pela primeira vez, um produto transgênico? Simples: ela mostra que o agricultor gastará muito menos em agrotóxicos. Plantando soja transgênica, por exemplo, basta usar o herbicida transgênico fabricado pela Monsanto, pois ele mata todas as ervas (daninhas ou não), menos a soja (que, geneticamente modificada pela Monsanto, resiste a este agrotóxico). Como diz a autora do livro, isto só é verdade para os primeiros dois anos de plantação. A partir do terceiro ano, novas ervas ficam resistentes ao herbicida e o agricultor passa a ter de usar 3 a 4 vezes mais herbicida que antes. Passa, portanto, a gastar muito mais que antes, além de ter de comprar, todo ano, as sementes da Monsanto.

A Monsanto quer obter o controle da agricultura mundial, através da patente da semente: fazendo com que todos tenham de pagar a ela, Monsanto. A Monsanto controla 90% das sementes transgênicas no mundo. Em 2007, as culturas transgênicas cobriam 100 milhões de hectares: mais da metade se situavam nos EUA, seguidos por Argentina, Brasil, Canadá, Índia, China, Paraguai e África do Sul. E 70% dos transgênicos vendidos eram resistentes ao Roundup, o principal herbicida produzido pela Monsanto.

5. Apesar do imenso poder demonstrado pela Monsanto, já houve algumas vitórias importantes

No Canadá, praticamente não há mais canola (colza) que não seja transgênica. No entanto, além do hormônio transgênico para vacas, conseguiu-se barrar a introdução do trigo transgênico. Como 80% do trigo é exportado, para a Europa e para o Japão, estes países explicitaram aos produtores canadenses que não comprariam mais o seu trigo se ele fosse transgênico. Este foi o argumento determinante.

Graças, em boa parte, à campanha de várias organizações de camponeses e do Greenpeace, as sementes transgênicas tiveram sua entrada barrada na Europa (à exceção da Espanha). A opinião pública foi particularmente alertada por causa do escândalo da "vaca louca". E passou a pressionar mais diretamente os governos e os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização dos alimentos.

A tecnologia Terminator - que geraria sementes estéreis -, outro produto da Monsanto, foi denunciada publicamente como um risco para a agricultura, pois poderia contaminar as sementes orgânicas, que se tornariam também estéreis. A empresa teve de desistir de produzi-la.

No Brasil, embora o governo Lula tenha liberado a soja e o milho transgênicos, o estado do Paraná proíbe a plantação de transgênicos.

O livro de Marie-Monique Robin, até dezembro de 2008, tinha sido traduzido em 20 países, cem mil exemplares haviam sido vendidos na França e o documentário tinha sido exibido em 13 países.

Uma última observação: segundo a própria autora, que esteve no Brasil em dezembro para divulgar o livro, boa parte do que é denunciado ali se encontra também na internet. Naturalmente, a autora não se contentou com isso, como se vê pelas inúmeras entrevistas que realizou e os locais que visitou (algumas das quais aparecem no documentário que ela realizou). Mas quem tiver dúvidas, é só procurar na rede.

O endereço recomendado pela autora, onde ela disponibilizou os dados de sua pesquisa é: www.combat-monsanto.org.

Fonte: ADITAL

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