quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Luís Carlos Lopes

Nobreza de araque e ladrões engravatados


Luís Carlos Lopes é professor e autor do livro "Tv, poder e substância: a espiral da intriga", dentre outros
Fonte: Carta Maior


Há quem ache estranho a dificuldade brasileira de se tratar pessoas que ocupam cargos públicos mais elevados ou dispõem de grandes recursos financeiros como se fossem cidadãos comuns. Estes últimos, isto é, a maioria, quando cometem crimes são processados, presos e tem que responder pelos seus atos. Se forem mais pobres ou mais negros são logo enviados para presídios e outros depósitos de gente, sob as penas da lei. Não raro, são executados nas ruas, antes de viverem seus infernos judiciais e prisionais. Os valores e as propriedades das elites, bem como a cor da pele e o pertencimento a famílias ou grupos políticos e sociais influentes garantem maior impunidade.

O mesmo crime tem respostas estatais diversas. Um dos artifícios de proteção dos mais ricos e influentes é o de chamar furtos, apropriações indébitas e coerções de crimes de ‘colarinho branco’, isto é, os que são cometidos pelas autoridades de Estado e pelos burgueses engravatados. Diferenciando-os por meio de um nome pomposo, tem-se pronta uma estratégia para encobri-los. Os mecanismos reais existentes, usados pela velha máquina de Estado, estão muito distantes do edifício das leis e normas processuais. Vários procuradores e juízes democratas e defensores da virtual cidadania brasileira fazem sua parte. Tentam conseguir que a lei seja cumprida com equidade e que as elites sejam punidas. Há, felizmente, juízes que decidem respeitando a lei e o consenso crítico da população. Outros agem em sentido contrário, derrubando decisões, usando as tecnicalidades jurídicas para ofender o senso básico da racionalidade e da moralidade etc. Em suma, ajustando-se as situações encontradas aos interesses políticos e sociais que se escondem nas sombras do mesmo Estado.

Quando ocorre o recolhimento à prisão de um banqueiro que roubou milhões e a condenação de autoridades que participavam na mesma quadrilha, isto ganha as manchetes da grande imprensa. O espanto é porque tal fato consiste em algo inusual no Brasil. Os pequenos progressos dos direitos de cidadania são comemorados pelos democratas do país e odiados pelas elites. Estas gostariam de jamais serem condenadas por nada. Afinal, prisão é para pobre, preto e para quem mora longe. Por isso, eles usam dos seus privilégios para não irem para cadeia, mesmo condenados ou pegos em fragrante delito. Quando isto ocorre, a explicação está, por exemplo, na existência de um confronto entre o Estado e o criminoso ou um clamor social latente que chega de algum modo às grandes e pequenas mídias, pressionando nesta direção.

Na letra da lei, todos são iguais. Na prática da mesma, alguns são menos iguais do que outros. Nada disto é novo. Repete-se melancolicamente há muito tempo, remontando às origens do Estado e da Sociedade no Brasil. Todos sabem que é assim e muitos acreditam que assim sempre será. Isto se relaciona ao fato de que os compromissos assumidos nas mudanças históricas do país jamais foram rasgados. Mudar sem que as estruturas de poder sejam alteradas em profundidade é um mandamento do devir brasileiro. A impunidade das elites é coisa antiga que vem se renovando e se readaptando às novas circunstâncias que se colocam em cada contexto.

Ainda existem traços nobiliárquicos na formação social brasileira. A ocupação de altos postos de Estado é entendida como uma bruta ascensão social, política e ideológica. Estar neles por ter sido eleito ou por pertencer a uma das complexas clientelas do poder é compreendido por alguns como um salvo-conduto. Isto inclui fazer o que se bem entende, inclusive furtar o erário público ou intermediar a ação de empresários ladrões, lucrando por fora. Essas pessoas acham que a lei é para os outros e não se aplica ao comportamento daqueles que são um simulacro de nobreza togada. Esses pseudonobres, mesmo que sejam simples ladrões, contam com a pompa e a circunstância de seus cargos, suas relações de influência e os privilégios dados a eles pela própria legislação. São nobres de araque. Todavia, eles têm poder de fato e incontáveis meios de se proteger.

O Império e a ordem nobiliárquica da época foram derrubados, em 1889. O governo de Pedro II, apesar de esforços dos seus entusiastas, jamais poderá ser apartado do passado escravista brasileiro. Mesmo tendo mandado sua filha assinar o decreto da Abolição, a velha monarquia não poderá apagar sua forte ligação com a velha instituição escravista, em crise no mundo da época, muito antes de chegar ao fim no Brasil, em 1888. O golpe de Estado militar que inauguraria a república viria um ano e meio após. Os velhos barões imperiais transformaram-se na classe de proprietários de terra, agora sem escravos no velho sentido. Contudo o poder da terra conferiu a eles algo similar ao antigo poder nobiliárquico. As coisas mudaram, mas não muito. A terra não foi repartida e dada aos escravos, bem como lhes foi negada a instrução básica.

Foi no governo de Pedro II que as bases do Estado brasileiro foram assentadas, bem como alguns aspectos da vida social, política e cultural do Brasil, de alguma forma ainda presentes. A partir daí, todas as reformas que ocorreram nos últimos cento e cinqüenta anos se desenvolveram nos limites deste quadro, nunca inteiramente superado. Por aqui, como em toda parte, o passado dá um jeito de se manter no presente e influir no modo que a história segue seu curso. A luta pelos direitos coletivos e individuais de cidadania continua, como nunca, bastante atual.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Maria Inês Nassif

Uma opção radical... pelo centro ideológico

Artigo de Maria Inês Nassif, jornalista, em artigo publicado no jornal Valor, 18-02-2010.
Fonte: UNISINOS


 
Basta um pouco de bom senso para rejeitar a ideia que se tenta impor, como senso comum, de que o governo Lula deu um passo à esquerda e que a ministra Dilma Rousseff dará a guinada final em direção a alguma coisa parecida com o ex-socialismo soviético, um capítulo arquivado da história que poucos líderes e partidos no mundo tentam ressuscitar. A chance de radicalização à esquerda numa coalizão como a que dá sustentação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva - e dará apoio a um governo Dilma, se o PMDB oficialmente apoiar a sua candidatura e se ela vencer a eleição - é quase próxima a zero. O debate sobre o tamanho e o poder de intervenção do Estado, que se tornou central depois da crise financeira mundial do ano passado, está sendo feito no interior do capitalismo e não é determinante para se apontar o grau de esquerdização de um candidato, de um governo ou de um partido.

O PT não está radicalmente ao centro como quando assumiu o governo, em 2003, mas as alianças feitas para ganhar eleição e governar não autorizam previsões de que o partido caminha inexoravelmente para a extrema-esquerda. Nenhuma tendência de esquerda do PT alimenta essa fantasia porque ela simplesmente não é razoável.

No primeiro governo de Lula, de 2003 a 2005, a gestão foi o produto de um "pacto de governabilidade" que impediu qualquer passo à esquerda, exceto uma política de transferência de renda que inicialmente soou apenas como política compensatória. Aliás, o Bolsa Família só ganhou corpo e se expandiu sem enfrentar uma forte oposição conservadora porque não esteve no centro das atenções até ter se consolidado como instrumento efetivo de distribuição de renda. Daí foi impossível acabar com o programa.

No pós-eleições de 2002, o grupo de centro era amplamente hegemônico no PT e estava totalmente comprometido com a tarefa de mostrar ao mercado que seu governo era confiável, numa conjuntura de grave crise econômica e fuga de capitais. Não existia espaço para debates à esquerda. Esse partido que se fincava no centro era aliado, no governo, a outras pequenas agremiações à esquerda e à direita - era inevitável que o ponto de equilíbrio fosse o centro, com concessões eventuais à direita e à esquerda.

No segundo mandato, se a reeleição deu alguma sustentação ao presidente Lula para fazer uma inflexão à esquerda - quer como resposta à radicalização da oposição à direita, quer pelo fato de ter sido consagrado por uma população de baixa renda que é altamente penalizada em conjunturas de políticas econômicas conservadoras -, a aliança com o PMDB, que aderiu ao governo depois das eleições de 2006, colocou limites muito precisos a isso. O segundo governo Lula foi à esquerda do primeiro, mas nem tanto. O PMDB é um partido que, na sua trajetória pós-redemocratização, perdeu qualquer referência de esquerda e abriga bolsões ultraconservadores - a maior parte da bancada ruralista, a mais ativa oposição a qualquer política fundiária de qualquer governo, está abrigada naquele partido; lá se acomodam as principais lideranças regionais estaduais mais apegadas a antigas práticas de clientelismo. Os setores mais conservadores do PMDB tiveram protagonismo nas questões fundiárias - o ministro pemedebista Reinholds Stephanes (PMDB-PR) tem maior poder de influência do que Guilherme Cassel, ministro do Desenvolvimento Agrário e integrante da esquerda do PT; Stephanes tem ganhado também as quedas de braço com o Meio Ambiente. O PMDB também foi a referência conservadora na disputa entre o Ministério da Defesa e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), na questão da criação de uma Comissão da Verdade destinada a apurar excessos cometidos pelo aparelho de repressão do Estado.

O PMDB é o parceiro eleitoral que o PT quer e o governo e o partido têm feito todos os esforços para ter um pemedebista como vice na chapa encabeçada por Dilma Rousseff. Não existe razão alguma para imaginar que, se o PT vencer em outubro, um governo de Dilma terá enormes diferenças em relação ao seu antecessor. O PMDB se beneficia eleitoralmente de medidas populares de esquerda do governo Lula, mas os setores mais conservadores do partido estabelecem limites muito claros, que são os seus interesses. Existe uma certa organicidade nessa agremiação de centro partida em pedaços, que é a consciência de que a defesa dos interesses de grupos cimentam a unidade que dá a ela poder de barganha junto a qualquer governo. Como é uma grande agremiação, com grande peso no Congresso, isso tem muita importância na definição ideológica de um governo ao qual está aliado.

Internamente, o PT também tem maiorias consolidadas que por si só mantêm o partido longe dos discursos de ruptura do passado. A queda do Muro de Berlim, há 20 anos, foi um baque para todos os partidos de esquerda no mundo. Muito antes disso, a denúncia dos crimes de Joseph Stálin, em 1956, pelo governo soviético de Nikita Kruschev, já havia colocado a questão democrática no centro dos debates da esquerda mundial. O fracasso da esquerda armada no Brasil e na América Latina, e a vitória de brutais regimes militares de direita que praticamente dizimaram esses grupos revolucionários, são dados que se somaram e solidificaram um processo contínuo de aproximação das esquerdas brasileiras da ideia de socialismo democrático. Quando a democracia passou a ser o instrumento fundamental de formação de hegemonias para esses grupos, logicamente o limite de radicalização à esquerda fica muito claro, independentemente das alianças na política institucional que um partido que se diga socialista faça. Como toda essa água rolou desde que a UDN e os militares udenistas tomaram o poder pela força em 1964, com a justificativa de evitar que a esquerda fizesse uma revolução pela força, o discurso eleitoral que atribui a qualquer partido de esquerda hoje situado na política institucional brasileira intenções de ruptura é, no mínimo, fora de moda; no máximo, terrorismo político-eleitoral.

[grifos do blog]

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Hideyo Saito.

Tributação, democracia e distribuição da riqueza no Brasil

A eterna gritaria da classe dominante brasileira contra a elevada carga tributária no país visa manter a pressão para que ninguém se aventure a alterar substancialmente o modelo vigente, que, segundo estudo do Ipea, é um dos maiores obstáculos para a redistribuição da riqueza no Brasil. Todas as iniciativas do governo Lula para impor maior progressividade ao sistema foram derrubadas no Congresso por uma cerrada barreira dos setores conservadores, capitaneada pelo PSDB. O artigo é do jornalista  Hideyo Saito.Fonte: Carta Maior



Pesquisa recentemente divulgada pela imprensa indicou que a elevada carga tributária no Brasil é considerada, pelo eleitor de baixa renda, como o maior obstáculo para que ele possa consumir mais. Segundo matéria de O Estado de S. Paulo, 67% de entrevistados desse universo, com renda familiar de até R$ 465, “dizem preferir um presidente que reduza os impostos dos alimentos para que se compre comida mais barata a um que aumente o Bolsa-Família(1). Ainda de acordo com o jornal, esses entrevistados concordam que o “melhor para a população pobre é que o governo reduza impostos e tenha menos funcionários, com isso o preço dos produtos cai".

O enfoque reafirma o tratamento costumeiramente dado pela mídia a esse tema, sintetizado na insistente denúncia de que a carga tributária suportada pelos brasileiros em geral é excessiva. Já a ideia de que é melhor pagar menos imposto, mesmo à custa de enxugar o setor público e reduzir despesas sociais parece reviver a mais autêntica cartilha neoliberal. O problema é que a pesquisa não submeteu aos entrevistados as hipóteses mais evidentes, que coincidentemente são o verdadeiro “x” da questão.

Carga elevada para pobre

A carga tributária brasileira é, de fato, excessiva para a população mais pobre. Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado "Pobreza, desigualdade e políticas públicas", concluiu que o sistema tributário brasileiro é um dos maiores obstáculos ao fim da miséria no país (2). De acordo com o levantamento, quem ganha até dois salários mínimos (R$ 1.020) compromete 48,9% de sua receita com impostos, enquanto os que recebem mais de 30 mínimos (R$ 15.300) sofrem uma carga de apenas 26,3%. Para o Ipea, a carga das pessoas que estão na base da pirâmide teria de cair cerca de 86% para se igualar à das camadas do topo.

Um estudo divulgado em julho de 2009 pela Receita Federal (“Carga tributária no Brasil 2008 – Análise por tributo e bases de incidência”) (3) havia chegado às mesmas conclusões. Revelou que os tributos representaram 35,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008, uma proporção nem tão alta assim, como sustenta a campanha a que nos referimos no início deste artigo. Comparada com a de 28 países-membros da OCDE (dados de 2007), a carga brasileira ocupava apenas o 20º lugar.

O problema real no Brasil, como apontado pelo Ipea, é que a tributação de bens e serviços representa 48,44% do total da carga, enquanto os impostos sobre a renda e o patrimônio correspondem a somente 23,63% (destes, os tributos sobre o patrimônio chegam a 3,18%). A exagerada importância dos primeiros, chamados de impostos indiretos, em detrimento dos últimos, que são os impostos diretos, faz com que o sistema tributário brasileiro seja marcadamente regressivo, isto é, atinja proporcionalmente mais aos pobres, ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos.

Paraíso fiscal para o capital e o patrimônio

Enquanto a tributação sobre a renda corresponde a 19% da carga tributária total no Brasil, a média nos países da OCDE chega a 35,7% (ou seja, 88% maior). A arrecadação sobre a propriedade, que no Brasil equivale a 3% da receita total, chega à média de 5,7% na OCDE (90% a mais). Em contrapartida, os tributos sobre bens e serviços, que representam 48% do total no Brasil, mal alcançam 31,5% naqueles países (menos de dois terços). Estes últimos, que podem ser exemplificados pelo IPI e o ICMS, são embutidos nos preços das mercadorias. Como as pessoas mais pobres comprometem a maior parte – se não a totalidade – de sua renda no consumo, elas acabam pagando proporcionalmente mais imposto do que aqueles que têm folga no orçamento. Isto é, quanto mais pobre, mais imposto; quanto mais rico, menos imposto.

Mesmo um estudo de 2003 do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), cujos levantamentos posteriores passaram a ser usados nas campanhas conservadoras já citadas, não escapou de conclusão semelhante à da Receita Federal (4). Tanto que, ao divulgar os resultados, o diretor da entidade, Gilberto Luiz do Amaral, reconheceu: “Aqueles que sobrevivem do seu trabalho sofrem uma tributação de primeiro mundo. Já os que sobrevivem do capital e do patrimônio estão sujeitos a uma carga tributária de paraíso fiscal. Por isso, em nosso país é melhor especular do que produzir ou trabalhar. Essa é uma das razões que explicam o pífio crescimento e a alta concentração de renda que padecemos”.

A primeira tentativa de mudança do governo Lula

O diretor do Ipea, Marcio Pochman, falando sobre o estudo da entidade, sintetizou a situação com as seguintes palavras: “Está em andamento no país um programa de distribuição de renda, mas faltam os de redistribuição da riqueza, entre os quais um sistema tributário progressivo”. A agenda transformadora, contudo, enfrenta poderosos inimigos no país. Um dos dois primeiros projetos enviados ao Congresso Nacional pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, no início de 2003 – a proposta da Emenda Constitucional n.º 42/2003 – tratava, precisamente, do sistema tributário. Entre outras medidas, a proposta previa a inclusão, na Constituição Federal, do princípio da progressividade dos tributos sobre o patrimônio: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e Imposto Territorial Rural (ITR).

O projeto suprimia ainda a exigência de lei complementar para a instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas. Pretendia, finalmente, deixar explícita a incidência de IPVA sobre embarcações (iates, veleiros) e aeronaves (helicópteros e aviões particulares em geral, dos quais o Brasil é detentor da segunda maior frota mundial). A cobrança sobre essas espécies de veículos automotores sempre enfrentou forte reação, resultando em uma situação que escancara o real caráter do sistema tributário vigente: propriedades como carros são tributadas pelo IPVA, enquanto jatos e iates particulares, exclusividade das camadas mais privilegiadas, ficam a salvo de sua incidência. Não foi diferente nessa primeira tentativa do governo Lula de mexer nesse vespeiro: rigorosamente todas as propostas de alteração dos impostos diretos foram derrubadas pelos setores conservadores (PSDB e DEM, notadamente) ainda nas comissões temáticas, nem chegando ao plenário da Câmara dos Deputados. As também anunciadas alterações das alíquotas de outro tributo direto, o Imposto de Renda, para torná-lo mais progressivo, nem chegaram a ser apresentadas pelo governo após essa contundente reação conservadora.

O mesmo destino teve o projeto de lei que instituiria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinave), enviada ao Congresso no segundo semestre de 2004. Além de seu conteúdo regulador, ele embutia um tributo sobre o faturamento publicitário das empresas de telecomunicações (rádio e televisão) e o das companhias distribuidoras de cinema. Nesse particular, retirava um privilégio tributário exclusivo desses setores, pois a indústria arca com a incidência do IPI, o comércio, com o ICMS, e até o setor financeiro tem o seu Imposto sobre Operações Financeiras. São tributos que recaem, de alguma forma, sobre os resultados de operações típicas de cada setor, representados pela receita publicitária no caso do segmento de rádio e televisão.

Milionários declaram renda de classe média ao fisco

O comportamento das classes dominantes no Brasil, que certamente está na raiz da extrema concentração de renda e de riqueza no país, já foi exposto sob os mais diferentes ângulos. No campo dos tributos, um estudo da Receita Federal, de 1994, revelou que 460 brasileiros, detentores de patrimônios reconhecidos que vão de US$ 19 milhões a US$ 764 milhões, declararam rendimentos comparáveis aos de um assalariado de classe média (5). O estudo denunciou: “(...) As pessoas mais ricas do Brasil, em geral, consideram-se fora do raio de atuação da Receita Federal e chegam mesmo a desafiá-la acintosamente com os números apresentados nas suas declarações”.

A reação de pessoas da alta sociedade, entidades empresariais, setores da imprensa e do meio político, a uma operação realizada em julho de 2005 pela Receita Federal e pela Polícia Federal no shopping de luxo Daslu, em São Paulo, mostrou-se perfeitamente sintonizada com esse espírito. Os proprietários do estabelecimento e seu contador foram detidos para explicar fortes indícios de um esquema de sonegação de tributos, valendo-se de falsificação de documentos, subfaturamento de importação e uso de empresas-laranja. As pessoas mencionadas repudiaram a fiscalização – e não o grave crime de sonegação imputado à empresa! (6) De acordo ainda com a Receita Federal, os setores de maior renda recorrem ao chamado “planejamento tributário” (utilização de brechas reais ou forçadas da legislação para pagar menos imposto), à contestação judicial ou à sonegação pura e simples para fugir de suas obrigações tributárias. Tantos são os percalços que a história da tributação no Brasil pode ser chamada, mais apropriadamente, de história das restrições ao poder de tributar.

O zelo pelo sigilo bancário e fiscal

É sintomático que apenas a partir de 2001 a Receita Federal tenha podido utilizar dados obtidos graças à CPMF (Contribuição Provisória Sobre a Movimentação Financeira) para a fiscalização do Imposto de Renda (7). Também não surpreenderam as críticas ao então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, quando autorizou, em novembro de 2004, o acesso da Procuradoria da Fazenda Nacional ao banco de dados da Receita Federal, com o objetivo de melhorar suas condições para cobrar a dívida ativa (imposto não pago, cuja existência já foi admitida judicialmente ou não foi contestada pelo interessado). Tributaristas, consultores de empresas e imprensa elevaram a voz, declarando-se alarmados pela suposta quebra de sigilo que a iniciativa poderia representar. O Estado de S. Paulo, em editorial, chegou a evocar o romance 1984, de George Orwell, para denunciar a “visão totalitária” que estaria por trás das concepções manifestadas no parecer oficial que fundamentou a flexibilização do segredo (8).

A dificuldade de acesso de órgãos da fiscalização a informações tidas como sigilosas é uma das mais diretas conseqüências da mentalidade da classe dominante brasileira, acima esboçada. O jurista Piero Luigi Vigna, chefe da Procuradoria Nacional Antimáfia da Itália, em declaração à imprensa, em setembro de 2004, foi explícito nesse sentido, ao declarar que o Brasil está na contramão da história e perderá a guerra contra o crime organizado se não abolir a lei do sigilo bancário, que definiu como fonte de impunidade (9). Não por acaso, esse instituto foi praticamente eliminado, para efeito de fiscalização, em quase todos os países europeus, assim como nos Estados Unidos, no Japão e na Austrália. Na Alemanha, começou a vigorar em abril de 2005 a chamada Lei de Encorajamento da Honestidade Fiscal, que deu a todo órgão público de fiscalização acesso irrestrito a qualquer conta bancária, inclusive de entidades de seguro social e caixas de pensão, via internet (10).

A eterna gritaria dos setores dominantes contra a elevada carga tributária no Brasil tem o objetivo, sobretudo, de manter pressão permanente sobre a máquina estatal para que ninguém se aventure a querer introduzir alterações substanciais no sistema de impostos. Da perspectiva dos setores progressistas, contudo, além de uma reforma tributária que corrija profundamente as distorções apontadas, é urgente restaurar a plena soberania do Estado nesse campo, ameaçada, por um lado, pela falência dos instrumentos e formas de ação dos órgãos de fiscalização e, por outro, pela ousadia e sofisticação cada vez maior da sonegação organizada. É uma tarefa que a Receita Federal e outros órgãos de fiscalização já começaram a assumir, mas que só poderá ter consequência maior a partir da mobilização social em torno do assunto. Só assim será possível assegurar a existência de uma política tributária imune aos interesses excludentes das camadas mais ricas da sociedade, passo necessário para a execução de um verdadeiro programa de redistribuição da riqueza no país.


NOTAS

(1) Julia Duailibi. Eleitor pobre quer corte de tributos. O Estado de S. Paulo, 24/01/2010. O levantamento, realizado pelo Instituto Análise em 2009, ouviu mensalmente mil pessoas, abrangendo 70 cidades de todo o país, incluindo nove regiões metropolitanas. Solicitamos à empresa acesso à integra do trabalho, mas não obtivemos resposta.

(2) Marcelo Cabral. Peso dos impostos ameaça queda nos índices de pobreza. Brasil Econômico, 13/01/2010 e Carga tributária para pobres tem que cair 86% para se igualar aos mais ricos, diz IPEA. Folha Online, 12/01/2010. A pesquisa do IPEA foi feita com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2003.

(3) A íntegra do estudo pode ser obtida no endereço

(4) A pesquisa “Radiografia da Tributação no Brasil” baseou-se em números de 2002 da arrecadação de impostos dos três níveis de governo, mais a receita da Seguridade Social. O IBPT é uma entidade privada que promove estudos e eventos com o objetivo de apoiar os contribuintes. As declarações foram retirados das seguintes fontes: Alessandra Paz. Estudo questiona divisão da tributação. Gazeta Mercantil, São Paulo, 12/03/2003; e Priscilla Negrão. Impostos engolem 47% do faturamento. DCI, São Paulo, 14/03/2003.

(5) Receita Federal do Brasil. Evasão fiscal dos grandes contribuintes e Programa de Grandes Fortunas. Coordenação do Sistema de Arrecadação. Brasília: 1993 e 1994.

(6) No artigo “As elites e a sonegação”, publicado pela Folha de S. Paulo de 31/07/2005, o economista José Alexandre Scheinkman comentou esse fato com propriedade.

(7) Eis por que os empresários não queriam saber desse imposto, mesmo com alíquota baixa.

(8) Catia Seabra. Palocci autoriza acesso a bases da Receita. Folha de S. Paulo, 25/11/2004; O Estado de S. Paulo. Ditadura fiscal. Editorial, 12/12/2004.

(9) O Estado de S.Paulo. Jurista italiano sugere fim do sigilo bancário, 01/09/2004; O Estado de S. Paulo. Sigilo bancário. Editorial, 05/09/2004.

(10) Assis Moreira. País diminui o sigilo bancário. Valor Econômico, 01/04/2005.

[grifos (indignados) do blog]

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Francisco Alcides do Nascimento

Um acontecimento

por Francisco Alcides do Nascimento,  historiador e professor do Departamento de Geografia e História/UFPI e do Mestrado em História do Brasil/UFPI Fonte: Jornal Diário do Povo/Teresina,Pi


Na última semana de janeiro a ADUFPI realizou eleições para o biênio 2010/2012. Os associados promoveram um acontecimento, aqui entendido como um objeto construído.Na construção das regras que regularam o pleito, os adversários agiram com muita perspicácia na montagem das estratégias: a diretoria atual manobrou para que as eleições ocorressem no período de férias coletivas. A definição da data do pleito foi confirmada em assembléia marcada para o dia 31 de dezembro, às 17 horas. Na assembléia anterior o partido opositor recorreu à Justiça do Trabalho e impediu que os professores decidissem sobre o calendário e constituição da comissão eleitoral do pleito. Tentou por todos os meios dificultar a organização dos trabalhos. Constituiu uma tropa de choque, com alguns "guerreiros" indicados para "bater".

A campanha propriamente dita percorreu uma trajetória vergonhosa para uma eleição de professores universitários. Penso que uma parcela dos professores, na qual me incluo, gostaria de saber o que os acusados vão fazer. Qual o caminho mais curto para que a comunidade piauiense saiba do desfecho das acusações? Cada acusado deve recorrer à Justiça, forçando o acusador a provar as acusações, não é assim que funciona? Essa medida é absolutamente necessária, mas é insuficiente. Como medida complementar é necessário que a ADUFPI veicule as notícias sobre o andamento dos processos abertos.

As práticas de campanhas desenvolvidas pela diretoria que encerrou o mandato e pela chapa derrotada em nada se distinguiram daquelas dos políticos tradicionais, muito especialmente daquelas feitas nos grotões do sertão. Lembram as campanhas eleitorais de um passado recente no Piauí onde um candidato mostrava uma chibata e dizia que era para ensinar o adversário; os adversários eram chamados de "bicha" como forma de afetá-los; o preconceito contra os comunistas chegava às raias do fascismo; as denúncias de desvios de recursos públicos eram empregadas de forma abusiva.

A eleição da ADUFPI, entretanto, deixou uma lição que deve ser avaliada de forma profunda: a truculência, o autoritarismo, o coronelismo disfarçado, não intimidaram uma parcela dos professores. Abortou uma tradição em construção: a da interferência da administração da UFPI na eleição dos dirigentes da associação. Os professores sinalizaram para os novos dirigentes o seguinte: queremos uma associação autônoma e transparente, queremos saber de que forma os recursos arrecadados são aplicados; queremos saber sobre os convênios firmados entre operadoras de telefonia, planos de saúde e outras coisas que não temos informações. Fazer isto é fácil e simples: editar boletim mensal na forma eletrônica e impressa com todas as informações financeiras e o enviar para cada professor associado; realizar assembléias convocadas em horários adequados à maioria da categoria etc.

Por fim, daqui a pouco, passados dois anos haverá outra eleição envolvendo os professores da UFPI. A pergunta que alguns deles fazem é: a campanha eleitoral terá o mesmo perfil desta que elegeu a diretoria da ADUFPI? É necessário lembrar que os professores da UFPI fazem parte de um conjunto de homens e mulheres que forma e informa jovens. Com a palavra, os professores.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Gilson Caroni

Fernando Henrique Cardoso precisa de amigos

Por Gilson Caroni é colunista da Carta Maior e colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.
Fonte: Jornal Correio do Brasil


Em seu texto “Luto e Melancolia", Freud diz que manifestações melancólicas assumem várias formas clínicas, se caracterizando, entre outros sintomas, "por uma depressão profundamente dolorosa, uma suspensão do interesse pelo mundo externo, diminuição do sentimento de auto-estima e inibição de todas as atividades". A identificação com o objeto perdido é inevitável e, na medida em que não consegue incorporação simbólica, o que sobra ao sujeito é a identificação com o vazio de um pai ausente.

Se a psicanálise sofre hoje contestações de diferentes ordens, as palavras do seu criador sobre o comportamento melancólico se encaixam como luva para o amontoado de sandices que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu e disse no último domingo, tentando deter e repudiar a impopularidade que o persegue desde o segundo mandato.

Há alguns anos, Carlos Heitor Cony, em artigo na Folha de São Paulo, não poupou palavras para melhor definir o “príncipe dos sociólogos: "Diziam seus admiradores que FHC era uma cabeça, um intelectual, um produtor de coisas inteligentes. Sua exposição no cargo mais alto do país rebaixou-o à dimensão de um demagogo banal, incapaz de articular um argumento além do insulto aos que não acreditam nele e o acusam, inclusive, de improbidade".

Isso é FHC. A exigência egóica de ser admirado o torna, paradoxalmente, um líder sem liderados. Um prócer a ser evitado em anos eleitorais. Para quem acredita que fez um grande favor ao mundo nascendo, sua irritabilidade é permanente e justificada. Afinal, deve ser duro para quem esteve no poder durante oito anos, constatar que o resto do mundo político não reconhece sua importância. Pior, o que ganha realce são os erros grosseiros de um dirigente que governou de acordo com os humores do capital financeiro.

Seu governo passou para a história como um modelo que acentuava a exclusão social e penalizava as classes de menor renda. A estratégia de estabilização de preços baseada na captação de capital externo de curto prazo, através da sobrevalorização da moeda e da manutenção de elevadas taxas de juros, levou o país a níveis de desemprego sem precedentes, à desarticulação da estrutura produtiva e à deterioração do tecido social no campo e na cidade.

O mau desempenho do comércio brasileiro na época foi minuciosamente construído pela equipe de FHC que, realizando uma abertura irresponsável da economia, pôs em prática políticas monetárias e cambiais que minaram em grande parte nossa capacidade de competição internacional.

Mostrando a miopia fiscalista que o orienta até hoje, Cardoso escreveu em seu artigo (“Sem medo do passado”), publicado no Globo: "Esqueceu-se [Lula] dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal".

A entrega do patrimônio público ainda é apresentada como fórmula eficaz de fazer caixa. O que FHC faz questão de esquecer faz parte de sua vida como ator político: grande parte do programa de privatização brasileiro foi financiada pelo BNDES. No cassino tucano, muitas empresas privatizadas não queriam fazer investimento aqui e se aproveitavam de polpudos créditos que também beneficiavam transnacionais já instaladas no país. O argumento utilizado era o de que a vinda desses setores permitiria agregar elementos de financiamento ao desenvolvimento nacional.

Quando se lê um artigo assim, descontextualizado, mal costurado em seus argumentos, é que nos damos contas da importância de olhar pelo retrovisor. É ele que sinaliza as perspectivas do futuro. Nesse ponto, o texto de Cardoso é didático, quase leitura obrigatória.

FHC sabe que a grande mídia corporativa exercerá o prestimoso papel de guiar suas mãos na hora de legitimar a irrelevância dos seus escritos. Somente os exércitos de colunistas destacados pelas famílias que controlam os meios de comunicação garantem sua vida política vegetativa.

Quando compara a ministra Dilma Rousseff a um boneco manipulado pelo presidente Lula não faz qualquer ponderação política, apenas evidencia que sua cabeça está longe de ser privilegiada. É uma mente que destila bile (que está na raiz da palavra melancolia) para desqualificar seus adversários. É o menestrel da política pequena buscando a facilidade da ribalta midiática

Antes de dizer que “o PT “tenta desconstruir o seu mandato”, o” príncipe” deveria dedicar mais tempo à leitura do que andaram falando sobre seu governo as principais lideranças do seu partido, em especial o governador de São Paulo. Uma boa sugestão seria o livro Conversas com Economistas Brasileiros II, que a Editora 34 lançou em 1999. Lá ele encontraria o seguinte trecho.

A política cambial do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso foi um desastre gratuito e total. Foi resultado de pouca reflexão analítica de seus condutores. Suas conseqüências foram devastadoras em muitas áreas da economia, inclusive comprometendo as metas fixadas no processo de privatização."

Essa crítica, das mais contundentes feitas por um economista que participou dos dois mandatos do governo FHC, é de José Serra em entrevista a dois professores da FGV, Guido Mantega e José Márcio Rego. E agora, quem é o boneco de quem? Nem mesmo um governador que submergiu com as enchentes em São Paulo, levando com ele a suposta capacidade gerencial do tucanato, pôde endossar a política arrasada do ex-presidente. O que esperar da oposição? A compaixão que deve ser concedida aos incapazes?

As palavras do ex-presidente devem ser vistas como movimentos de descompressão da realidade. Quando, a partir da melancolia e solidão de sua maturidade, um ator político faz a volta à infância, o ridículo se apodera do cenário. Fernando Henrique precisa de amigos.

[grifos do blog]

Noam Chomsky

A tomada da democracia norte-americana pelo setor corporativo


Noam Chomsky é um dos mais importantes linguistas do século 20. Seus textos oferecem um olhar alternativo sobre as principais questões internacionais. Artigo publicado no jornal The New York Times. Tradução: Eloise De Vylder
Fonte: UOL 





O dia 21 de janeiro de 2010 será lembrado como uma data sombria na história da democracia norte-americana e seu declínio.

Naquele dia, a Suprema Corte dos EUA determinou que o governo não pode proibir as corporações de fazerem gastos políticos durante as eleições – uma decisão que afeta profundamente a política do governo, tanto interna quanto externa.

A decisão anuncia uma tomada ainda maior do sistema político dos EUA por parte do setor corporativo.

Para os editores do The New York Times, a decisão “atinge o coração da democracia” ao “abrir caminho para que as corporações usem seus vastos tesouros para dominar as eleições e intimidar as autoridades eleitas a cumprirem suas ordens”.

O Tribunal ficou dividido, 5 a 4, com os quatro juízes reacionários (equivocadamente chamados de “conservadores”) recebendo o apoio do juiz Anthony M. Kennedy. O juiz chefe John G. Roberts Jr. selecionou um caso que poderia facilmente ter sido resolvido em esferas mais baixas e manobrou o Tribunal, usando-o para empurrar uma decisão de amplo alcance que derruba um século de precedentes que restringiam as contribuições corporativas às campanhas federais.

Agora os gerentes corporativos podem de fato comprar as eleições diretamente, evitando meios indiretos mais complexos. É bem sabido o fato de que as contribuições corporativas, às vezes reempacotadas de formas complexas, podem influenciar em peso as eleições, direcionando assim a política. O Tribunal simplesmente deu muito mais poder ao pequeno setor da população que domina a economia.

A “teoria do investimento na política” do economista político Thomas Ferguson faz um prognóstico muito eficaz da política do governo durante longos períodos. A teoria interpreta as eleições como ocasiões nas quais segmentos de poder do setor privado se unem para investir com o objetivo de controlar o Estado.

A decisão de 21 de janeiro apenas reforça os meios para minar a democracia em funcionamento.

O pano de fundo é esclarecedor. Em seu argumento contrário, o juiz John Paul Stevens reconheceu que “há muito sustentamos que as corporações estão cobertas pela Primeira Emenda” - a garantia constitucional para a liberdade de discurso, que incluiria o apoio aos candidatos políticos.

No começo do século 20, teóricos de direito e Tribunais implementaram a decisão do Tribunal de 1886 de que as corporações – essas “entidades legais coletivistas” - têm os mesmos direitos que as pessoas de carne e osso.

Este ataque contra o liberalismo clássico foi duramente condenado por um tipo de conservadores que está desaparecendo. Christopher G. Tiedeman descreveu o princípio como uma “ameaça à liberdade do indivíduo, e à estabilidade dos Estados norte-americanos enquanto governos populares”.

Morton Horwitz escreve em sua história legal que o conceito de “pessoa” corporativa evoluiu lado a lado com a mudança de poder dos acionistas para os gerentes, e finalmente para a doutrina de que “os poderes do quadro de diretores (…) são idênticos aos poderes da corporação”. Anos depois os direitos corporativos foram expandidos bem além dessas pessoas, principalmente pelos equivocadamente denominados “acordos de comércio livre”. Por esses acordos, por exemplo, se a General Motors estabelece uma fábrica no México, ela pode pedir para ser tratada da mesma forma que as empresas mexicanas (“tratamento nacional”) - bem diferente de um mexicano de carne e osso que busca “tratamento nacional” em Nova York, ou mesmo os direitos humanos mínimos.

A decisão de 21 de janeiro veio três dias depois de outra vitória da riqueza e do poder: a eleição do candidato republicano Scott Brown para substituir o finado senador Edward M. Kennedy, o “leão liberal” de Massachusetts. A eleição de Brown foi retratada como uma “virada populista” contra as elites liberais que comandam o governo.

Os dados da votação revelam uma história diferente.

Altos índices de participação nos subúrbios ricos, e baixos em áreas urbanas em grande parte democratas, ajudaram a eleger Brown. “50% dos eleitores republicanos disseram que estavam 'muito interessados' na eleição”. Informou a pesquisa do The Wall Street Journal/NBC, “comparado a 38% dos democratas”.

Então os resultados foram de fato uma virada contra as políticas do presidente Obama: para os ricos, ele não estava fazendo o suficiente para deixá-los mais ricos, enquanto que para os setores pobres, ele estava fazendo demais para atingir esse fim.

A irritação popular é bastante compreensível, dado que os bancos estão prosperando, graças à ajuda do governo, enquanto o desemprego aumentou para 10%.

Nas fábricas, uma em cada seis pessoas está sem trabalho – desemprego nos níveis da Grande Depressão. Com a financialização crescente da economia e o esvaziamento da indústria produtiva, as perspectivas são não trazem esperanças de recuperação dos empregos que foram perdidos.

Brown apresentou a si mesmo como o 41º voto contra o sistema de saúde – ou seja, o voto que poderia acabar com a maioria no Senado dos EUA.

É verdade que o programa de saúde de Obama foi um fator importante na eleição de Massachusetts. As manchetes estão corretas ao dizer que o público está se voltando contra o programa.

Os números da pesquisa explicam porquê: o projeto de lei não vai longe o suficiente. A pesquisa do The Wall Street Journal/NBC descobriu que a maioria dos eleitores desaprova a forma como tanto Obama quanto os Republicanos estão lidando com o sistema de saúde.

Esses números se alinham com as recentes pesquisas nacionais. A opção do sistema público foi apoiada por 56% dos entrevistados, e a adesão ao Medicare aos 55 anos por 64%; ambos os programas foram abandonados.

Oitenta e cinco por cento acreditam que o governo deveria ter o direito de negociar os preços dos medicamentos, como acontece em outros países; Obama garantiu à indústria farmacêutica que não perseguirá esta opção.

Grandes maiorias apoiam o corte de custos, o que faz bastante sentido: os custos per capita dos EUA com a saúde são cerca de duas vezes maiores que os dos países industrializados, e os resultados da saúde são de má qualidade.

Mas o corte de custos não pode ser seriamente empreendido enquanto as companhias farmacêuticas são agraciadas, e o sistema de saúde está nas mãos de seguradoras praticamente desreguladas – um sistema caro peculiar aos EUA.

A decisão de 21 de janeiro levanta novas barreiras significativas para superar a séria crise do sistema de saúde, ou para lidar com assuntos críticos como as ameaçadoras crises do meio ambiente e da energia. O hiato entre a opinião pública e a política pública cresce cada vez mais. E o prejuízo para a democracia norte-americana dificilmente pode ser superestimado.

[grifos do blog]

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Entrevista - Noam Chomsky

Os EUA e o mundo: uma história não contada.

Em uma entrevista contundente e incisiva, o linguista, filósofo e ativista político estadunidense, Noam Chomsky, falou por telefone com a IHU On-Line sobre a influência dos Estados Unidos em importantes eventos históricos da humanidade, como os golpes militares na América Latina e os assassinatos dos seis jesuítas em El Salvador, em 1989. Sobre esse episódio, Chomsky destaca que “o assassinato dos jesuítas essencialmente finalizou uma década em El Salvador, a qual havia iniciado com o assassinato do arcebispo Oscar Romero, praticamente pelas mesmas mãos. Nesse período, foram mortas cerca de 70 mil pessoas, geralmente pelas forças de segurança apoiadas pelos EUA”. Ao questionar o silêncio histórico que se fez sobre o fato, Noam Chomsky explica que “a razão é muito simples: trata-se de um crime; crimes desse tipo são expurgados, eles não aconteceram”.

Chomsky também faz uma longa e crítica análise do primeiro ano do governo de Barack Obama, e não suaviza seu posicionamento. Para ele, a principal “realização” de Obama tem sido a de “pagar uma fiança colossal para salvar os bancos. Os grandes bancos agora têm lucros maiores do que tiveram no passado e pagam bônus enormes a seus gestores”. Chomsky lembra que os bancos tinham destruído o sistema financeiro e que a medida de Obama “os livrou com dinheiro e os reconstituiu, de modo que agora são maiores do que antes”. E alerta: “a não ser que haja alguma significativa regulamentação, o que parece bastante improvável, está se estabelecendo a base para a próxima crise financeira, até pior que a que acaba de ocorrer”.

Noam Chomsky nasceu na Filadélfia, Estados Unidos, em 1928. É professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Seu nome está associado à criação da gramática generativa transformacional, abordagem que revolucionou os estudos no domínio da linguística teórica. É também o autor de trabalhos fundamentais sobre as propriedades matemáticas das linguagens formais. Além da sua pesquisa e ensino no âmbito da linguística, Chomsky é também conhecido pelas suas posições políticas de esquerda e pela sua crítica da política externa dos Estados Unidos. Chomsky descreve-se como um socialista libertário. Sua página pessoal na internet é http://www.chomsky.info/ Por Graziela Wolfart. Tradução de Walter Schlupp.
Fonte: UNISINOS 



IHU On-Line - Como o senhor avalia o primeiro ano de governo de Barack Obama? Quais suas principais realizações, avanços e retrocessos?

Noam Chomsky - A principal realização tem sido a de pagar uma fiança colossal para salvar os bancos. Os grandes bancos agora têm lucros maiores do que tiveram no passado e pagam bônus enormes a seus gestores. Basicamente, eles tinham destruído o sistema financeiro; aquela medida os livrou com dinheiro e os reconstituiu, de modo que agora são maiores do que antes. A não ser que haja alguma significativa regulamentação, o que parece bastante improvável, está se estabelecendo a base para a próxima crise financeira, até pior que a que acaba de ocorrer. O governo anunciou a sua política de seguros, chamada de “Grande demais para falir”, o que significa: se você for um banco realmente grande, como a Goldmann & Sachs, não vamos deixar você falir. Então, o contribuinte pagará a sua fiança salvadora, você pode assumir grandes riscos ao emprestar e investir, fazer muito lucro, sem se preocupar se tudo for mal. Isto continua igual. Esta é a principal realização do governo federal. É uma das razões para a considerável indignação prevalente no país. Os bancos estão sendo salvos com dinheiro público, estão enriquecendo, e se tornando os responsáveis pela crise econômica. Bem, pelo menos para a população a crise econômica está crescendo.

Desemprego

Atualmente, os dados oficiais são de que mais de 10% da população está desempregada – a realidade naturalmente é mais elevada e a indústria de fábricas, onde as pessoas ganham empregos dignos, está passando por uma grande depressão. Uma em cada seis pessoas está desempregada, e as chances de conseguir um emprego não são boas, já que as bases da manufatura estão solapadas. Obama deu, sim, um incentivo que reduziu o efeito da perda de emprego até certo ponto, mas é muito pequeno para produzir alguma diferença perceptível. As pessoas quase não se dão conta deste incentivo. Mas surtiu algum efeito. Isto foi na questão econômica.

Sistema de saúde

Por outro lado, ele apresentou um projeto de lei para a reforma do sistema de saúde, mas deixou isso nas mãos do Congresso, onde tem sido gradativamente desbastado pelas seguradoras, instituições financeiras, indústria farmacêutica, de modo que sobrou muito pouco do projeto de lei. Talvez nem passe, e se passar, será por cima das objeções da maioria da população. A essas alturas, a maioria da população é contra essa reforma do sistema de saúde, e o motivo para tanto é que ela não vai longe o suficiente. Uma maioria considerável da população está a favor de se permitir uma opção pública, um sistema público de saúde paralelo ao sistema privado. Esta opção foi para a cucuia. Uma grande maioria é a favor de permitir pessoas mais jovens, de 55 anos para cima, em vez de acima de 65 anos, entrar no sistema nacional de saúde limitado para os ricos. Também uma grande maioria, cerca de 85%, opõe-se a à regulamentação que impede o governo de negociar preços de medicações. Penso que os Estados Unidos são o único país no mundo onde isto acontece.

Obama informou os bancos de que ele manteria isto. Portanto, é algo que talvez seja aprovado; mas não será muito, e este é um assunto muito sério. O sistema de saúde dos Estados Unidos é totalmente disfuncional; funciona bem para gente como eu, para pessoas relativamente privilegiadas. O sistema de saúde é distribuído segundo a riqueza, basicamente. Os custos da assistência médica, per capita, são cerca de duas vezes mais elevados que em países industrializados, e apresenta um dos piores resultados. Isto porque em grande parte é privatizada, não-regulamentada. Isto cria muita ineficiência, custos, burocracia, etc. Os custos também estão subindo muito rapidamente. As previsões são de que isto basicamente vai sobrepujar a economia, não muito longe no futuro. Praticamente todo o déficit orçamentário será acarretado pelo sistema de saúde. Estávamos falando em reduzir o déficit, mas isto não vai acontecer, a não ser que o sistema de saúde seja sanado – o que não é o caso.

Política internacional: na linha de Bush

Em nível internacional, nada digno de nota, basicamente Obama está dando seguimento aos programas de Bush, seguindo a mesma política contra o Iraque, onde intensificou a guerra, bem como no Afeganistão e Paquistão. O número de ataques em solo, o que equivale a assassinatos, aumentou muitíssimo. Em outras áreas, na América Latina, ele apoiou o golpe de estado em Honduras e os Estados Unidos são um dos poucos países que reconheceram a eleição lá. O governo Obama praticamente ridicularizou o restante do hemisfério por este viver um mundo de realismo mágico – como formulou o representante na OEA – e não a realidade, ao negar-se a aceitar o golpe. O governo Bush tinha reativado a Quarta Frota Naval, que cobre as águas sul-americanas e caribenhas. Obama apoiou isto, conseguiu duas novas bases navais para ela no Panamá. E continuam estabelecendo novas bases militares, acordadas com a Colômbia, com planos bem dispendiosos de monitoramento de boa parte do hemisfério sul. Quanto a Israel e a Palestina, que é um problema importante, Obama basicamente nada fez. Ele apenas fez algumas pequenas críticas, mas essencialmente informou Israel de que pode ir em frente com as construções ilegais nos territórios ocupados, todas ilegais, todo mundo sabe disso. Essa conversa de negociações, ninguém sabe exatamente o que é. Antes de se eleger, no fundo, ele apoiou o ataque a Gaza e a manutenção do grave bloqueio militar sobre Gaza.

Quanto ao resto do mundo, ele tem considerado a possibilidade de negociar com o Irã, o que é mais do que o governo Bush estava disposto a fazer. Por outro lado, é muito claro que não vão chegar a lugar algum. Há a questão de o Irã não satisfazer todas as condições impostas pelo Conselho de Segurança da ONU e a Agência Internacional de Energia Atômica. Isto é verdade, eles não cumpriram todas as condições. Entretanto, o que menos se discute é o status dos três países que nunca assinaram o tratado de não-proliferação: Israel, Índia e Paquistão. O governo Obama continua advogando a posição de que eles estão isentados das regras do Conselho de Segurança e da Agência Internacional de Energia Atômica. Em outubro, a AIEA aprovou uma resolução cobrando de Israel que entrasse no tratado de não-proliferação e abrisse suas instalações para inspeção. Os Estados Unidos e a Europa tentaram bloquear essa resolução, mas ela foi aprovada mesmo assim. O governo Obama imediatamente disse a Israel que eles não precisavam dar qualquer atenção a isso, que estão isentados. A mesma coisa com a Índia, que está desenvolvendo suas armas atômicas com ajuda dos Estados Unidos. O Conselho de Segurança conclamou todos os estados, particularmente a Índia, a assinar o tratado de não-proliferação. A Índia reagiu, anunciando que agora consegue produzir armas nucleares com a mesma potência que as superpotências EUA e Rússia. E os EUA, a administração Obama, imediatamente informaram a Índia de que não precisam se preocupar com a resolução do Conselho de Segurança. A mesma coisa com o Paquistão. Nesse contexto, fica bem claro que a ONU não vai fazer qualquer coisa fora do comum para impor suas condições.

IHU On-Line – Mudando um pouco de assunto, como o senhor analisa o assassinato dos mártires de El Salvador em 1989 e o silêncio que se fez sobre esse episódio?

Noam Chomsky - Foi espantoso, isso. Em novembro passado foi o vigésimo aniversário de dois eventos importantes acontecidos em novembro de 1989: um foi a queda do muro de Berlim, outro foi o assassinato dos jesuítas. Novas informações apareceram em outubro de 2009, mas foram totalmente ignoradas. O jornal espanhol El Mundo publicou o documento que pedia o assassinato, assinado pelo Chefe do Estado Maior, Rene Emilio Ponce, e por outros altos oficiais. Isto já tinha sido suspeitado, mas agora havia o documento em si, com comentários escritos à mão e as assinaturas. Isto faz com que seja quase impossível que a embaixada americana e o Pentágono nada soubessem a respeito. Além disso, o assassinato foi executado por uma brigada de elite, a brigada Atlacatl, que já tinha matado milhares de pessoas. Eles acabavam de chegar do treinamento na Escola de Forças Especiais J. F. Kennedy em Fort Bragg poucos meses antes, e poucos dias antes do assassinato houve delegação de forças e oficiais especiais que foram a El Salvador para treinamento adicional. Portanto, tinham acabado de receber treinamento por forças especiais americanas. Isto, portanto, torna ainda menos provável que o fato fosse desconhecido. Ou seja, foi algo solenemente ignorado. Mas isto não é nada. O assassinato dos jesuítas essencialmente finalizou uma década em El Salvador, a qual havia iniciado com o assassinato do arcebispo Oscar Romero, praticamente pelas mesmas mãos. Nesse período, foram mortas cerca de 70 mil pessoas, geralmente pelas forças de segurança apoiadas pelos EUA.

Além disso, o assassinato dos jesuítas foi um golpe letal ou ao menos muito sério no que ainda restava da teologia da libertação. Isto é de considerável importância. A teologia da libertação deslanchou após o Vaticano II, sob o comando do papa João XXIII, em 1962. Este foi um momento crucial na história. Foi a primeira vez que a Igreja tentou voltar aos evangelhos, para a Igreja pré-constantina. Nos primeiros séculos, o cristianismo era basicamente uma religião de um pastor radical, perseguida. Mas o imperador Constantino, no século IV, assumiu o cristianismo e o transformou na Igreja do Império Romano. Hans Küng, um teólogo bem conhecido, formulou da seguinte maneira: de uma Igreja de perseguidos, a Igreja passou a ser uma Igreja de perseguidores. E em grande parte tem sido isso mesmo, até chegar ao papa João XXIII e o Concílio Vaticano II, que inspirou bispos latino-americanos a empreender a opção preferencial pelos pobres, como nos evangelhos; e o resto da história vocês conhecem: padres, freiras, leigos tentaram organizar camponeses, criaram grupos de leitura bíblica, tomar algumas iniciativas, para que as pessoas tivessem seus destinos nas próprias mãos.

Golpes de estado na América Latina: efeito dominó

Isto desencadeou o pior período de repressão na história do continente. Os EUA foram muito claros: não vamos tolerar isto. O primeiro passo foi o golpe de estado no Brasil. Foi planejado sob o governo Kennedy e executado pouco depois do seu assassinato. Isto estabeleceu o primeiro dos estados de segurança nacional na América Latina. O embaixador de Kennedy o chamou de "a maior vitória da liberdade em meados do século XX"; ele também acrescentou que isto melhoraria as perspectivas para investimentos americanos. Como o Brasil é um país importante, logo depois outras peças do dominó começaram a cair. Houve um golpe no Chile, o golpe de Pinochet, e continuou um país atrás do outro, finalmente chegando à Argentina, talvez o pior de todos os golpes, com forte apoio de Reagan. Depois, a praga se espalhou para a América Central nos anos 1980, com centenas ou milhares de pessoas sendo mortas. Grande parte do mundo estava voltada contra a Igreja. Havia muitos assassinatos, como o do arcebispo Oscar Romero e também os seis jesuítas, terminando basicamente em 1989. Esta é uma parte bastante importante da história do mundo – e não há nenhuma memória a este respeito, nada. A razão é muito simples: trata-se de um crime; crimes desse tipo são expurgados, eles não aconteceram.

Podemos ficar muito empolgados com a derrubada da tirania soviética. Falou-se muito, em novembro passado, de que foi um triunfo do amor, da não-violência, que a mensagem para o mundo é não-violência, etc. É a mensagem para o mundo quando se olha para o Leste da Europa, mas não é a mensagem para o mundo quando se olha para a América Latina. E a coincidência do assassinato dos jesuítas e a queda do muro é um lembrete contundente neste sentido, de que foi totalmente suprimido, da mesma forma como o resto do que acabei de dizer.

IHU On-Line - Podemos estabelecer alguma relação entre o exército de El Salvador de 1989 e o exército de Honduras atualmente?

Noam Chomsky - Na verdade não sei. Talvez. Certamente o Pentágono está pesadamente envolvido em ambos. Os principais oficiais do exército hondurenho em sua maioria são treinados na Escola das Américas, que é a outra escola que treina oficiais latino-americanos, assassinos latino-americanos; há conexões muito estreitas com o Pentágono, e naturalmente isto também vale para El Salvador. É perfeitamente possível que haja coordenação via EUA, mas não sei de nenhuma evidência direta neste sentido. Um elemento no golpe em Honduras, presumo, é que ali se encontra uma base aérea importante usada pelos EUA, a base aérea de Pomarola, que desempenhou um papel crucial durante a guerra dos EUA contra a Nicarágua nos anos 1980. Foi a base chamada de "porta-aviões inafundável" para os "contras" baseados em Honduras atacarem a Nicarágua. É difícil imaginar que não haja coordenação entre os exércitos centro-americanos. Mas não posso afirmar que haja evidência concreta disso.

IHU On-Line - Qual a importância que o senhor atribui ao Fórum Social Mundial e que avaliação faz do evento em função de seus 10 anos? Por que o senhor não veio para esta edição?

Noam Chomsky - Eu fui a várias edições nos primeiros anos. Nos últimos anos tenho tido problemas pessoais. Houve três anos em que não conseguia viajar de forma alguma, tinha que ficar em casa. Este ano estive irremediavelmente envolvido em outras coisas. Mas penso que é um evento extremamente importante. Quando estive lá, 8 ou 9 anos atrás, sugeri que o Fórum era a semente para a primeira Real Internacional verdadeira, e continuo pensando assim. Sua influência agora se espalha pelo mundo todo, há fóruns sociais regionais e locais. Temos um em Boston. Minha sensação é de que nenhuma contribuição que eu poderia dar agora teria importância comparável à que porventura a de anos atrás teve – não sei se teve ou não, e estive muito contente em estar lá. Acho que há coisas que posso fazer na mesma linha, talvez mais importantes. Em todos os casos, o que está acontecendo é extremamente importante, também para o Brasil. Por exemplo, a questão dos direitos fundiários no Brasil é extremamente séria. Poucos passos de menor importância foram dados durante os anos de Lula, mas não é muita coisa. E o efeito do que foi feito não é tão positivo assim. Há muitos outros problemas ainda na América Latina e em outros lugares. Portanto, o Fórum preserva sua significação. Penso que difundiu sua influência, que tem sido uma influência muito positiva sobre as lutas sociais em todo o mundo, e espero que continue neste sentido.

IHU On-Line - O senhor gostaria de acrescentar mais algum comentário?

Noam Chomsky - Há coisas importantes acontecendo. Veja os próprios EUA. Não sei até que ponto isto foi veiculado no Brasil, mas quinta-feira passada (dia 21-01) a Suprema Corte tomou uma decisão extremamente importante: que corporações que já têm uma influência avassaladora no sistema político, agora podem gastar dinheiro livremente nas eleições para apoiar candidatos. Isto virtualmente significa que as corporações podem comprar as eleições. Trata-se de um golpe gravíssimo contra o que resta da democracia funcionando. E é muito difícil ver como isto poderá ser revogado. Isto anula precedentes de um século, que pelo menos colocavam algum limite no custeio corporativo de eleições. Basicamente é um convite para as corporações praticamente partirem para o suborno. Em vez de comprar um legislador na Casa Branca indiretamente, eles podem fazê-lo diretamente.

[grifos do blog]

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É um espaço de encontro para reflexão teológica tendo em vista contribuir para a construção de uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por perspectivas de libertação, paz e justiça. O FMTL se reconhece como resultado do movimento ecumênico e do diálogo das diferentes teologias contemporâneas identificadas com processos de transformação da sociedade. Acontecerá entre os dias 21 a 25 de janeiro em Bélem, Pará, e discutirá o tema "Água - Terra - Teologia para outro Mundo possível". Mais informações, clicar na figura.

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Estranha metamorfose: os economistas e jornalistas que defenderam, durante décadas, as supostas qualidades do mercado, agora camuflam suas posições. Ou — pior — viram a casaca e, para não perder terreno, fingem esquecer de tudo o que sempre disseram. Para ler, clicar na figura.

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