Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.
Fonte: Terra Magazine
A esta altura, todos já conhecem a história triste dos investidores ludibriados por Bernard Madoff. Eles olharam seus extratos e pensaram que estavam ricos. Mas um belo dia descobriram, para seu horror, que a suposta riqueza era produto da imaginação de outra pessoa.
Infelizmente, esta é uma boa metáfora para o que aconteceu à América como um todo na primeira década do século 21.
Semana passada, a Reserva Federal dos Estados Unidos divulgou os resultados da sua mais recente Pesquisa Sobre a Economia de Consumo, um relatório trienal sobre o patrimônio das famílias americanas. A conclusão é que basicamente não houve criação de riqueza alguma desde a virada do milênio: o patrimônio líquido da família americana média, ajustado à inflação, é mais baixo agora do que em 2001.
De certa forma, isto não deveria surpreender. Durante a década passada, a América era uma nação de tomadores de empréstimo e gastadores, não de poupadores. A taxa de poupança caiu de 9% nos anos 1980 a 5% nos anos 1990, para chegar a 0.6% de 2005 a 2007, e as dívidas familiares cresceram muito mais do que a renda. Por que então deveríamos esperar que o nosso patrimônio líquido aumentasse?
Mesmo assim, até recentemente os americanos acreditavam que estavam enriquecendo, porque eles recebiam seus extratos dizendo que suas casas e ações estavam se valorizando mais rápido do que o aumento de suas dívidas. E a crença de muitos americanos de que eles podiam contar com os ganhos de capital para sempre soa ingênua, é bom lembrar de quantas vozes influentes - especialmente as publicações de direita como The Wall Street Journal, a revista Forbes e a National Review - incitaram esta crença e ridicularizaram aqueles que se preocupavam com o baixo nível de poupança e o aumento das dívidas.
Então a realidade foi mais forte e demonstrou que aqueles que se preocupavam estavam certos o tempo todo. O aumento repentino dos valores dos bens foi uma ilusão - mas o aumento repentino das dívidas era verdadeiro até demais.
Então estamos com problemas - problemas mais sérios, penso eu, do que as pessoas conseguem enxergar. E não estou falando apenas dos analistas cada vez mais raros que ainda insistem que a economia vai entrar nos eixos a qualquer momento.
Porque esta é uma confusão generalizada. Todos falam dos problemas dos bancos, que estão, sem dúvida, na pior posição do sistema. Mas os bancos não são os únicos jogadores com muitas dívidas e poucos bens; a mesma situação também se aplica ao setor privado em geral.
E, como o grande economista americano Irving Fisher observou nos anos 1930, as providências que as pessoas e empresas tomam quando se dão conta de que estão devendo demais tendem a ser desastrosas quando todos tentam tomá-las ao mesmo tempo. As tentativas de vender os bens para pagar as dívidas só aumentam a queda vertiginosa do preço dos bens, reduzindo o patrimônio líquido. As tentativas de se economizar mais resultam num colapso da demanda de consumo, aumentando ainda mais a crise econômica.
Estariam os tomadores de decisão prontos para fazer o que for necessário para quebrar este ciclo vicioso? Em princípio sim. Os oficiais do governo entendem esta questão: Nós precisamos "conter este espiral prejudicial e potencialmente deflacionário", disse Lawrence Summers, um dos principais conselheiros econômicos de Obama.
Na prática, no entanto, as políticas atualmente em funcionamento não encaram o desafio de forma adequada. O plano de incentivo fiscal, ainda que certamente ajude, provavelmente não fará mais do que abrandar os efeitos colaterais da deflação das dívidas. O esperadíssimo anúncio do plano de resgate aos bancos deixou todos confusos em vez de confiantes.
Há esperanças de que o resgate aos bancos se torne algo mais concreto. Tem sido interessante ver como a idéia da nacionalização temporária dos bancos se popularizou, até com republicanos como o Senador Lindsey Graham admitindo que ela possa ser necessária. Mas até se fizermos o necessário para os bancos, isto resolveria só parte do problema.
Se você quiser saber o que é realmente preciso para resgatar uma economia da armadilha do débito, veja o grande programa de auxílio público, mais conhecido como Segunda Guerra Mundial, que acabou com a Grande Depressão. A guerra não levou apenas ao fim do desemprego. Mas também levou ao aumento rápido dos salários e uma inflação substancial, tudo isso com praticamente nenhum empréstimo por parte do setor privado. Em 1945, as dívidas do governo estavam nas alturas, mas a relação entre as dívidas do setor privado e o PIB era apenas metade do que havia sido em 1940. E esta dívida privada baixa ajudou a preparar o caminho para o grande boom econômico pós-guerra.
Como nenhuma dessas coisas se aplica à nossa realidade no momento, nem se aplicará tão cedo, levará anos até que as famílias e empresas possam ganhar o bastante para pagar as dívidas que acumularam tão displicentemente. É muito provável que o legado da nossa época de ilusões - a nossa década de fantasias - seja uma longa e dolorosa queda.
Infelizmente, esta é uma boa metáfora para o que aconteceu à América como um todo na primeira década do século 21.
Semana passada, a Reserva Federal dos Estados Unidos divulgou os resultados da sua mais recente Pesquisa Sobre a Economia de Consumo, um relatório trienal sobre o patrimônio das famílias americanas. A conclusão é que basicamente não houve criação de riqueza alguma desde a virada do milênio: o patrimônio líquido da família americana média, ajustado à inflação, é mais baixo agora do que em 2001.
De certa forma, isto não deveria surpreender. Durante a década passada, a América era uma nação de tomadores de empréstimo e gastadores, não de poupadores. A taxa de poupança caiu de 9% nos anos 1980 a 5% nos anos 1990, para chegar a 0.6% de 2005 a 2007, e as dívidas familiares cresceram muito mais do que a renda. Por que então deveríamos esperar que o nosso patrimônio líquido aumentasse?
Mesmo assim, até recentemente os americanos acreditavam que estavam enriquecendo, porque eles recebiam seus extratos dizendo que suas casas e ações estavam se valorizando mais rápido do que o aumento de suas dívidas. E a crença de muitos americanos de que eles podiam contar com os ganhos de capital para sempre soa ingênua, é bom lembrar de quantas vozes influentes - especialmente as publicações de direita como The Wall Street Journal, a revista Forbes e a National Review - incitaram esta crença e ridicularizaram aqueles que se preocupavam com o baixo nível de poupança e o aumento das dívidas.
Então a realidade foi mais forte e demonstrou que aqueles que se preocupavam estavam certos o tempo todo. O aumento repentino dos valores dos bens foi uma ilusão - mas o aumento repentino das dívidas era verdadeiro até demais.
Então estamos com problemas - problemas mais sérios, penso eu, do que as pessoas conseguem enxergar. E não estou falando apenas dos analistas cada vez mais raros que ainda insistem que a economia vai entrar nos eixos a qualquer momento.
Porque esta é uma confusão generalizada. Todos falam dos problemas dos bancos, que estão, sem dúvida, na pior posição do sistema. Mas os bancos não são os únicos jogadores com muitas dívidas e poucos bens; a mesma situação também se aplica ao setor privado em geral.
E, como o grande economista americano Irving Fisher observou nos anos 1930, as providências que as pessoas e empresas tomam quando se dão conta de que estão devendo demais tendem a ser desastrosas quando todos tentam tomá-las ao mesmo tempo. As tentativas de vender os bens para pagar as dívidas só aumentam a queda vertiginosa do preço dos bens, reduzindo o patrimônio líquido. As tentativas de se economizar mais resultam num colapso da demanda de consumo, aumentando ainda mais a crise econômica.
Estariam os tomadores de decisão prontos para fazer o que for necessário para quebrar este ciclo vicioso? Em princípio sim. Os oficiais do governo entendem esta questão: Nós precisamos "conter este espiral prejudicial e potencialmente deflacionário", disse Lawrence Summers, um dos principais conselheiros econômicos de Obama.
Na prática, no entanto, as políticas atualmente em funcionamento não encaram o desafio de forma adequada. O plano de incentivo fiscal, ainda que certamente ajude, provavelmente não fará mais do que abrandar os efeitos colaterais da deflação das dívidas. O esperadíssimo anúncio do plano de resgate aos bancos deixou todos confusos em vez de confiantes.
Há esperanças de que o resgate aos bancos se torne algo mais concreto. Tem sido interessante ver como a idéia da nacionalização temporária dos bancos se popularizou, até com republicanos como o Senador Lindsey Graham admitindo que ela possa ser necessária. Mas até se fizermos o necessário para os bancos, isto resolveria só parte do problema.
Se você quiser saber o que é realmente preciso para resgatar uma economia da armadilha do débito, veja o grande programa de auxílio público, mais conhecido como Segunda Guerra Mundial, que acabou com a Grande Depressão. A guerra não levou apenas ao fim do desemprego. Mas também levou ao aumento rápido dos salários e uma inflação substancial, tudo isso com praticamente nenhum empréstimo por parte do setor privado. Em 1945, as dívidas do governo estavam nas alturas, mas a relação entre as dívidas do setor privado e o PIB era apenas metade do que havia sido em 1940. E esta dívida privada baixa ajudou a preparar o caminho para o grande boom econômico pós-guerra.
Como nenhuma dessas coisas se aplica à nossa realidade no momento, nem se aplicará tão cedo, levará anos até que as famílias e empresas possam ganhar o bastante para pagar as dívidas que acumularam tão displicentemente. É muito provável que o legado da nossa época de ilusões - a nossa década de fantasias - seja uma longa e dolorosa queda.