O comportamento social do homem moderno tem a ver com questão demográfica e as guerras dizem pesquisadores. A reportagem é de Alicia Rivera e publicada no jornal El País, 10-06-2009. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOSOs grupos humanos com comportamento cultural moderno surgem na pré-história em lugares e momentos diferentes. Por quê? Esse salto é determinado pelo aumento das capacidades cognitivas da espécie humana? Não necessariamente, segundo pesquisadores da University College de Londres. Para eles, a chave, ou pelo menos uma chave importante, está na estrutura demográfica das populações. Podem ter sido a sua densidade, as migrações e as interações entre os subgrupos sociais o que provocou o surgimento da complexidade simbólica e tecnológica no comportamento humano – primeiro na África e depois na Europa –, e não necessariamente as mudanças biológicas na capacidade cognitiva, dizem.
Outro estudioso, este dos EUA, também aborda a questão demográfica na origem do comportamento social humano moderno, porém o faz a partir das perspectiva dos custos e benefícios da guerra na evolução de um traço social importante como o altruísmo. Os dois trabalhos foram publicados na revista Science. Em ambos os casos, como não poderia deixar de ser na ciência contemporânea, Darwin é bastante citado e a comparação com os dados genéticos torna-se essencial pelo menos para validar as conclusões demográficas.
A origem do comportamento humano complexo, registrado primeiro na Europa e na Ásia ocidental (cerca de 45 mil anos) e depois no sudeste e leste asiático, Austrália e África, se caracteriza por um manifesto salto cultural e tecnológico, lembram Adam Powell (University College, Londres) e seus colegas. Inclusive surge um comportamento simbólico que se manifesta na arte abstrata e realista, assim como na decoração dos próprios corpos. Ferramentas de pedra, tecnologias avançadas de caçadores (lanças, bumerangues, redes), artefatos rituais de osso e marfim e musicais (flautas de osso) são restos arqueológicos que testemunham o fato.
O que Powell e seus colegas pesquisam é a dispersão espacial e temporal da origem da modernidade. Além disso, deve-se levar em conta que os humanos anatomicamente modernos surgem na África entre 160 mil e 200 mil anos atrás. Então, se o motor do comportamento moderno fosse uma mudança biológica hereditária, não deveriam ter surgido sociedades complexas frequentemente e logo depois de sua diáspora do continente ancestral? Além disso, os cientistas britânicos indicam que, para muitos de seus colegas, os neandertais, embora biologicamente diferentes dos novos humanos, também tinham comportamento e capacidades cognitivas notáveis.
Powell e seus colegas consideram o problema com modelos que levam em conta os grupos populacionais, a estrutura dos subgrupos e suas relações, a migração e, é claro, os recursos que oferecem o entorno e as estratégias sociais para explorá-los.
"Nossos resultados demonstram que a influência da demografia nos processos de transmissão cultural ajuda a explicar três características chaves da emergência do comportamento moderno observável no registro arqueológico: o aparecimento precoce e o posterior desaparecimento de traços modernos no sul da África; a heterogeneidade geográfica e temporal do surgimento do comportamento moderno e o atraso entre a anatomia moderna e os traços de comportamento modernos", concluem os pesquisadores.
Os estudos de DNA permitem fazer estimativas sobre densidades de população pré-históricas cujos resultados são compatíveis, em geral, com os dessas simulações demográficas. É preciso levar em conta, diz Ruth Mace, também na Science, que "tanto os traços genéticos quanto culturais são hereditários e estão sujeitos a processos evolutivos, embora os segundos não sejam transmitidos de modo mendeliano e possam ser herdados inclusive entre pessoas que não compartilham genes". Isso pode produzir resultados evolutivos inexistentes em outros animais.
Mais radical que o de Powell é o segundo estudo, também de corte demográfico. Samuel Bowles (Instituto Santa Fe dos EUA) introduz informação etnográfica e arqueológica a seus modelos para concluir que a estrutura demográfica nos grupos de caçadores e coletores pré-históricos favoreceu a transmissão de traços genéticos de influência social nos humanos.
O ponto forte do trabalho é o altruísmo, embora o que estude seja a guerra, entendida como conflitos violentos e inter-grupais. As práticas bélicas, sugere Bowles, puderam favorecer a sobrevivência de grupos humanos que continham mais indivíduos altruístas dispostos a pôr em risco sua própria vida se isso trouxesse benefícios para seu grupo.
"O nível estimado de mortalidade em conflitos inter-grupais deve ter tido um efeito substancial, favorecendo a proliferação de comportamentos favoráveis ao grupo mesmo que fossem muito custosos em nível pessoal para o indivíduo altruísta", afirma, com um enfoque darwinista. Ou seja, na guerra venceu evolutivamente o altruísmo.