"Os livros de Claude Lévi-Strauss, a partir do material coletado no Brasil, constituem o corpus mais significativo e filosoficamente interessante da antropologia do século XIX". A opinião é de Umberto Galimberti, filósofo, psicólogo e psicanalista italiano. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 04-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Tudo começou com um telefonema às 9h da manhã de um domingo de outono de 1934, quando Célestin Bouglé, tornando-se intérprete de "um capricho um pouco perverso" de Georges Dumas, perguntou a Claude Lévi-Strauss, então com 27 anos, se estava disposto a partir para o Brasil sob o encargo de uma comissão encarregada de organizar a universidade de São Paulo. Lévi-Strauss, que então lecionava no Liceu de Laon, aceitou sem hesitar e partiu para o Brasil, onde permaneceu até 1939.
Nesses cinco anos, além da cátedra de sociologia que lhe havia sido confiada, Lévi-Strauss realizou expedições etnográficas ao Mato Grosso, à Amazônia meridional, entrou em contato com a população dos Caduveus, dos Bororos, dos Nambikwava, dos Tupi Kawahib, e recolheu todo o material que depois ordenaria nos seus livros que, em seu conjunto, constituem o corpus mais significativo e filosoficamente interessante da antropologia do século XIX.
Nunca se deve falar mal da filosofia, porque, até em quem, depois de tê-la frequentado, a despreza, a filosofia trabalha como uma inquietação que rói a alma até que não lhe reste expressão. Aquele que seria o maior antropólogo do século XIX atribui a desilusão do seu aprendizado especulativo ao fato de a filosofia ser estéril como disciplina que se expressa como "système", enquanto pode tornar fecunda se se voltar ao que Lévi-Strauss chama de "concret", como havia feito Marx, que Lévi-Strauss havia lido aos 17 anos.
A sua oposição ao "sistema" se dirige também a todos aqueles antropólogos que haviam preferido as pesquisas "systématisantes", enquanto a verdadeira pesquisa, se quiser evitar conclusões dogmáticas, deverá ser pesquisa "sur le terrain" como a praticada por Marcel Mauss, aluno e sobrinho de E. Durkheim.
Mas nunca são as exigências puramente teóricas que induzem alguém a mudar de céu e a mudar de terra. Quando as estrelas não têm mais a mesma disposição com que aparecem na terra de origem, surge espontânea aquela pergunta que Lévi-Strauss se colocou depois de uma aventurosa peregrinação às florestas do Mato Grosso: "O que viemos fazer aqui? Com qual esperança? Com qual fim? Deixei a França há quase cinco anos, abandonei a minha carreira universitária; a minha decisão expressava uma incompatibilidade profunda com relação ao meu grupo social do qual, qualquer coisa que acontecesse, eu teria que isolar sempre mais".
Com base nessas perguntas e nos incômodos que as promoveram, há um contínuo e extenuante interrogar-se sobre o sentido e sobre o destino da civilização ocidental, das suas crenças e dos seus valores, todos embasados naquele orgulho eurocêntrico incapaz de perceber e de compreender a existência do Outro, não simplesmente teorizada em nível filosófico, mas tocado concretamente com as mãos na forma de outros povos, outras culturas, outras civilizações.
Lévi-Strauss vê outros "antípodas" do Ocidente: "O sinal de uma sabedoria que os povos selvagem praticaram espontaneamente, enquanto a rebelião moderna é a verdadeira loucura. Eles souberam, muitas vezes, alcançar com o mínimo esforço a sua harmonia mental. Economizaremos qualquer depressão, qualquer irritação inútil se aceitarmos reconhecer as condições reais da nossa experiência humana e pensarmos que não depende de nós liberar-nos inteiramente dos seus limites e do seu ritmo?".
Essa "antítese", que havia levado Lévi-Strauss a abandonar a Europa, poderia ser agora recomposta pela sua obra se formos capazes apenas de nos darmos conta, além do espírito de busca que a promoveu, da intenção profunda que a gerou e que podemos reassumir no conceito de que, independentemente de quão distantes suas latitudes estejam, e diversos os céus, os homens, se nenhum deles pensa estar no centro do mundo, são entre si muito semelhantes e por isso podem começar a falar e a dizer muito mais coisas do que já foram ditas sobre eles no curso da sua história.