quarta-feira, 17 de março de 2010

Alfredo J. Gonçalves

(na foto ao lado, exemplo de tortura em nome do Estado, no caso, o norte-americano; não é exagero afirmar que vivemos em tempos de uma hipocrisia sem limites. Enoisa)

Direitos Humanos: dois pesos e duas medidas

"Ditadura é sempre ditadura, resistência é sempre resistência. Podemos questionar o grau, as motivações, as formas e as estratégias de luta. Mas nunca criminalizar os movimentos de oposição que procuram a defesa, a conquista ou a garantia dos direitos humanos. Menos ainda ressuscitar o espectro da ideologia de segurança nacional, isto é, comparar as lutas sócio-políticas a atos de delinqüência comum", escreve Alfredo J. Gonçalves, assessor das Pastorais Sociais, em artigo publicado por Adital, 15-03-2010.
Fonte: UNISINOS


Comparar os presos políticos de Cuba aos prisioneiros comuns do Brasil foi mais um dos deslizes do presidente Lula. Não se trata apenas de "uma frase infeliz", mas de uma postura que levanta interrogações mais sérias e profundas. Por que um dissidente de determinada ordem institucional é qualificado de preso político sob um regime, enquanto, sob outro, ele não passa de um simples criminoso? Por que é protegido de um lado e criminalizado de outro? Por que dois pesos e duas medidas? Mais grave ainda: por que alguém que fez uso dessa forma de luta hoje a equipara aos crimes mais banais do cotidiano?

A defesa dos Direitos Humanos está acima das fronteiras políticas e ideológicas. Coloca-se para além das bandeiras e hinos nacionais. Desconhece as diferenças entre raças e culturas e está acima da religião, do sexo ou da cor da pele. A integridade física e psicológica de uma pessoa, a liberdade de opinião e expressão, o mínimo vital para a sobrevivência são coisas que devem ser preservada a qualquer custo. O respeito aos direitos primordiais da pessoa humana representa, simultaneamente, uma herança dos regimes democráticos e uma exigência ética dos princípios evangélicos e de várias outras opções religiosas.

A greve de fome, por outro lado, constitui não raro o último recurso contra a ordem estabelecida. Tem uma história longa de resistência e teimosia. Muitos exemplos poderiam ser enumerados, inclusive o do então metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. O mais recente na memória do povo brasileiro, sem dúvida, é o de Dom Frei Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra - BA, em sua luta contra a transposição das águas do Rio São Francisco. Constituem formas extremadas de opositores que não dispõem de outras armas para lutar.

Confundir estes atos solitários e heróicos com as ações violentas do crime organizado é algo inaceitável, para dizer o mínimo. A privação livre do alimento enquanto forma de oposição a formas ou decisões totalitárias de governo, desde um ponto de vista moral, não tem base de comparação com o comércio de drogas, os assaltos à mão armada, o latrocínio e outros crimes do gênero. A greve de fome ou a greve em suas variadas conotações carrega um anseio de transformação social, política, econômica ou cultural. De alguma forma, está alicerçada num sonho de justiça e paz. Já o crime, embora possa ter motivações de natureza sócio-política, como a pobreza e a miséria, entre outras, traz sempre a marca de uma violência que tende a estender-se em cadeia espiral.

Só para recordar, os combatentes do regime stalinista ou nazi-fascista, bem como os opositores das ditaduras militares latino-americanas, deixam na história pegadas vivas na luta pela defesa dos direitos humanos. Desnecessário aqui citar nomes, eles estão à flor da memória. O mesmo não se pode afirmar dos chefes do crime organizado em nível mundial. Sua passagem deixa como pegadas nefastas a destruição de vidas, de famílias e às vezes de populações inteiras. Uma coisa é opor-se a qualquer tipo de totalitarismo: religioso, político, econômico ou cultural. Bem outra é o tráfico de drogas, armas, seres humanos ou órgãos para transplante.

Em síntese, ditadura é sempre ditadura, resistência é sempre resistência. Podemos questionar o grau, as motivações, as formas e as estratégias de luta. Mas nunca criminalizar os movimentos de oposição que procuram a defesa, a conquista ou a garantia dos direitos humanos. Menos ainda ressuscitar o espectro da ideologia de segurança nacional, isto é, comparar as lutas sócio-políticas a atos de delinqüência comum.

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