As consequências sociais decorrentes da presente crise difundem-se rapidamente, tendo o desemprego e a precarização dos postos de trabalho a maior centralidade na organização do bem-estar humano. Sem trabalho, os indicadores sociais tendem a se degradar pronunciadamente. A afirmação é de Marcio Pochmann em artigo no jornal Valor, 19-03-2009. Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.
Fonte: UNISINOS
Na Depressão de 1929, quando o nível de ocupação atingiu patamares reduzidos jamais vistos, o enfrentamento do desemprego não se deu exclusivamente pela porta da geração de novos postos de trabalho. Não há dúvidas que somente a retomada sustentada da economia terminou por abrir condições adequadas de elevação do nível de ocupação, mas isso se deu no longo prazo, a partir da superação das causas que haviam levado à grande crise dos anos 1930.
Por conta disso, parcela importante das ações de enfrentamento do desemprego ocorreu para além da demanda econômica de absorção de trabalhadores. Ou seja, a redução do desemprego transcorreu sobre a determinação da oferta de mão-de-obra, com intuito de reduzi-la em função da crescente ociosidade da força de trabalho. Assim, por exemplo, ganhou maior importância o conjunto de ações voltadas tanto para a postergação do ingresso como a antecipação da saída do mercado de trabalho.
Ao invés da entrada no mercado de trabalho a partir dos 5 ou 6 anos de idade, conforme experiência anterior da sociedade agrária, houve a postergação para os 15 anos, após passagem pelo ensino básico. Ou seja, a educação passou a antecipar qualquer experiência laboral, da mesma forma que depois da conclusão de um determinado tempo de trabalho regular (geralmente 30 anos para mulher ou 35 anos para o homem), foi definida a saída do mercado de trabalho para a inatividade financiada por fundos públicos.
Nesses termos, a superação da crise do desemprego da década de 30 implicou uma nova combinação da jornada de trabalho com o tempo de vida. A jornada do trabalho pela sobrevivência, que representava 4/5 do tempo de vida do ser humano antes da Depressão de 1920, passou para não mais do que 2/5 em função da postergação do ingresso e da antecipação da saída do mercado de trabalho. Na ausência de trabalho para todos, foram sendo constituídas as condições políticas necessárias para a acomodação da oferta de mão-de-obra com garantia de renda à quantidade e qualidade da demanda econômica de trabalhadores.
Essa breve e sintética recuperação de algumas ações adotadas para fazer frente ao maciço desemprego de 70 anos atrás tem por objetivo contribuir com o debate atual sobre o desafio de enfrentar a nova onda de trabalhadores ociosos que a atual crise está gerando. Como os postos de trabalhos cortados pela força da crise econômica dificilmente serão recuperados no curto prazo, as respostas tradicionais se mostram insuficientes, ao mesmo passo que as soluções neoliberais de corte de direitos, sem conseguir gerar vagas adicionais, levam à maior precarização das ocupações existentes.
A oportunidade de implantação de uma agenda decente e inovadora de combate ao desemprego atualmente em expansão requer a ousadia de ações transformadoras da relação entre a jornada de trabalho pela sobrevivência e o tempo de vida. Para uma sociedade cada vez mais focada no conhecimento, parece não haver razões para o ingresso no mercado de trabalho antes dos 25 anos de idade, apenas após a conclusão do ensino superior. Isso não significaria, contudo, a possibilidade de experiência laboral voltada exclusivamente à aprendizagem teórica abstrata, mas a crescente experimentação prática, com maior aproximação possível do ensino aos requisitos da demanda econômica dos trabalhadores, por meio do estágio e períodos de labor por curtos períodos no ano, como nas férias educacionais.
Nesses termos, questiona-se no Brasil, por exemplo, por que somente os filhos dos pobres estão condenados ao ingresso no mercado de trabalho tão cedo, o que implica, muitas vezes, o abandono da escola, quando não a combinação de brutais jornadas de atividades de 16 horas por dia (oito horas de trabalho, duas a quatro horas de deslocamentos e quatro horas de frequência escolar). A aprendizagem de qualidade torna-se muito distante nessas condições de reprodução humana.
Os filhos dos ricos, por permanecerem mais tempo na escola, ingressam mais tardiamente no mercado de trabalho e ocupam os principais postos, com maior remuneração e status social, enquanto os filhos dos pobres somente disputam a base da pirâmide do mercado de trabalho, transformado num mecanismo de reprodução das desigualdades no país.
A condenação ao trabalho precoce somente pode ser ultrapassada mediante a substituição da renda do trabalho por uma garantia monetária ao estudo. Isso seria extremamente útil ao universo de 500 mil estudantes de mais de 15 anos que se matriculam no ensino médio, mas não conseguem frequência anual devido à sua dependência à renda do trabalho.
Da mesma forma, caberia também o avanço da alternativa de gradual redução da jornada de trabalho a partir do avanço do envelhecimento humano, bem como a instalação de programas de pré-aposentadorias que permitissem a passagem menos drástica da ocupação para a inatividade remunerada, sem mais o choque atual que representa o ingresso na aposentadoria. Talvez por isso, o Brasil registre um terço dos aposentados e pensionistas ainda ativos no mercado de trabalho, bem como forte concentração de trabalhadores de mais idade no exercício do duplo trabalho e horas extraordinárias.
Por fim, ademais do encaminhamento de ações de atenção à renda básica de cidadania, abre-se a oportunidade de implantação da política de emprego garantido de 12 horas semanais a todos entre 25 a 55 anos de idade. Na ausência de demanda econômica de trabalhadores, o fundo público deveria cobrir o emprego da mão-de-obra ociosa para atividades de qualificação e exercício laboral em atividades socialmente úteis, como, por exemplo, a urbanização das periferias dos centros metropolitanos, assistência técnica de micro e pequenos empreendimentos e serviços de atenção a inativos (idosos, doentes e portadores de deficiências).