sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Paul Krugman:

 "Quando os mortos-vivos vencem"

Artigo de Paul Krugman (foto), em português, publicado no Vi o Mundo (Artigo publicado originalmente no The New York Times).
Fonte: Carta Maior




Quando historiadores olharem de volta no período 2008-10, o que mais vai intrigá-los, acredito, é o estranho triunfo de ideias falidas. Os fundamentalistas do mercado erraram sobre tudo — ainda assim eles dominam a cena política mais completamente que nunca.

Como isso aconteceu? Como, depois que bancos descontrolados colocaram a economia de joelhos, acabamos com Ron Paul, que diz “não penso que precisamos de regulamentação”, assumindo um comitê-chave do Congresso que vigia o Banco Central? Como, depois das experiências dos governos Clinton e Bush — o primeiro aumentou impostos e presidiu sobre uma espetacular criação de empregos; o segundo cortou impostos e presidiu sobre um crescimento anêmico mesmo antes da crise –, acabamos com um acordo bipartidário para cortar os impostos ainda mais?

A resposta da direita é que os fracassos econômicos do governo Obama mostram que as políticas de “grande governo” não funcionam. Mas a resposta a eles deveria ser, que política de grande governo?

Pois o fato é que o estímulo econômico de Obama — que em si era quase 40% baseado em cortes de impostos — foi muito cauteloso para dar uma guinada na economia. E isso não é uma crítica feita em retrospectiva: muitos economistas, dentre os quais me incluo, alertaram desde o começo que o plano era grosseiramente inadequado. Coloquem assim: uma política sob a qual os empregos públicos foram reduzidos e na qual os gastos do governo em bens e serviços cresceram mais devagar que durante os anos Bush não contitui exatamente um teste de economia keynesiana.

Bem, talvez não tenha sido possível ao presidente Obama conseguir mais diante do ceticismo do Congresso em relação a seu governo. Mas mesmo que fosse verdade, apenas demonstra o contínuo controle de uma doutrina falida sobre nossa política.

Também vale a pena dizer que tudo o que a direita falou sobre os motivos do fracasso da Obamanomics estava errado. Por dois anos temos sido advertidos de que os empréstimos do governo fariam disparar os juros; na verdade, as taxas flutuaram com o otimismo ou pessimismo sobre a recuperação econômica, mas se mantiveram consistentemente baixas se comparadas a padrões históricos. Por dois anos fomos alertados de que a inflação e até mesmo a hiperinflação estava a caminho; em vez disso, a deflação continuou, com a inflação básica — que exclui a volatilidade dos preços de alimentos e energia — sendo a menor do último meio século.

Os fundamentalistas do livre mercado cometeram tantos erros sobre os Estados Unidos quanto sobre eventos no Exterior — e sofreram poucas consequências disso. “A Irlanda”, declarou George Osborne em 2006, “é um brilhante exemplo da arte do possível na formulação econômica de longo prazo”. Epa! Agora o sr. Osborne é a maior autoridade econômica britânica.

E nessa nova posição ele está copiando as políticas de austeridade implementadas pela Irlanda depois que a bolha local estourou. Aliás, conservadores dos dois lados do Atlântico passaram boa parte do ano passado saudando a austeridade irlandesa como um sucesso absoluto. “A política irlandesa funcionou em 1987-89 e está dando certo agora”, declarou Alan Reynolds do Cato Institute em junho passado. Epa!, de novo.

Mas tais fracassos não parecem importar. Emprestando o título de um livro recente do economista australiano John Quiggin sobre doutrinas que a crise deveria ter matado mas não matou, estamos ainda — talvez mais que nunca — sendo governados pela “economia dos mortos-vivos”. Por que?

Parte da resposta, certamente, é que as pessoas que deveriam ter tentado matar as ideias mortas-vivas tentaram, em vez disso, fazer acordo com elas. E isso é especialmente verdadeiro do presidente [Obama], mas não apenas dele.

As pessoas tendem a esquecer que Ronald Reagan muitas vezes cedeu em questões políticas de substância — mais notadamente, ele aprovou múltiplos aumentos de impostos. Mas ele nunca foi mole com ideias, nunca recuou da postura de que sua posição ideológica estava correta e de que a dos adversários estava errada.

O presidente Obama, por contraste, tem consistentemente tentado fazer acordo com o outro lado, dando cobertura aos mitos da direita. Ele felicitou Reagan por restaurar o dinamismo dos Estados Unidos (quando foi a última vez que você ouviu um republicano elogiando Roosevelt?), adotou a retórica da oposição sobre a necessidade do governo de apertar o cinto mesmo diante da recessão e ofereceu congelamento simbólico de gastos e salários federais.

Nada disso fez com que a direita deixasse de denunciá-lo como socialista. Mas essa postura ajudou a dar poder a ideias ruins, de forma que elas podem causar danos imediatos. Neste momento o sr. Obama está saudando o acordo para corte de impostos [dos ricos] como uma forma de estimular a economia — mas os republicanos já estão falando em cortes de gastos do governo que acabariam com qualquer estímulo resultante do acordo. E como é que ele pode enfrentar os republicanos se ele mesmo abraçou a retórica de apertar o cinto?

Sim, política é a arte do possível. Todos entendemos a necessidade de fazer acordos com inimigos políticos. Mas uma coisa é fazer acordo para adiantar seus objetivos; outra é abrir as portas para as ideias dos mortos-vivos. Quando você faz esta concessão, os mortos-vivos acabam comendo o seu cérebro — e possivelmente também a sua economia.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Ladislau Dowbor

América Latina e as políticas de combate à desigualdade


Artigo é de Ladislau Dowbor (foto).
Fonte: Carta Maior




A CEPAL publicou um documento de primeira importância, “La Hora de la Igualdad”. Apresenta o resgate da massa dos excluídos do nosso subcontinente como eixo principal das políticas não apenas distributivas, mas econômicas e sociais no sentido mais amplo. De certa forma, a nossa principal herança maldita, a desigualdade, passa a ser vista como oportunidade de expansão econômica interna, um horizonte positivo de crescimento, não mais baseado em consumo de luxo de minorias, mas em consumo e inclusão produtiva de quem precisa. É a dimensão latinoamericana do que o Banco Mundial chama de população “sem acesso aos benefícios da globalização”, cerca de 4 bilhões de pessoas no planeta, quase dois terços do total. Numa terminologia mais prosaica, são os pobres.

O denominador comum da transformação desta década é a ampliação do consumo de massa. A visão enfrenta fortes resistências, com todos os preconceitos herdados, mas no conjunto os efeitos multiplicadores estão se verificando, e o processo foi se ampliando com a geração de governantes progressistas eleitos na região. A visão de bom senso é de que o principal desafio, a exclusão econômica e social de mais da metade da população, pode constituir uma oportunidade, um novo horizonte de expansão no mercado interno, favorecendo assim não só os pobres, mas o conjunto do aparelho produtivo. A crescente pressão da base da pirâmide social por melhores condições de vida, articulada com a determinação dos governos de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum, e no contexto tão importante de uma governança democrática.

Os avanços sociais sempre foram apresentados como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos, redução da pegada ecológica e aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados, que é a tradição latinoamericana. E poupa as empresas mais atrasadas de investirem na modernização.

A crise financeira mundial deixou as coisas mais claras. A evolução da América Latina frente à crise se caracteriza pelo fato de que no momento da eclosão dos problemas nos Estados Unidos, a região já vinha tomando medidas redistributivas no sentido amplo, ficando assim parcialmente preparada. No pior da crise, intensificou as medidas, o que facilitou a transição. No entanto, o problema principal não é a crise de 2008. Por mais grave que esta seja, o principal é que a América Latina era e continua sendo a região mais desigual do planeta, com problemas estruturais absolutamente obscenos em termos de riqueza ostensiva e perdulária frente à miséria do grosso da população e as correspondentes perdas de produtividade.

Deste ponto de vista, a crise financeira de certa forma representou uma oportunidade, ao tornar mais evidente a necessidade de uma ampla base de consumo popular. Aproveitarm-se assim as políticas anti-cíclicas características de uma conjuntura determinada, para estabilizar políticas estruturais, visões de Estado. Paradoxalmente, é graças à crise que um conjunto de setores fechados a visões progressistas passou a ver de outra maneira o papel do Estado, as políticas distributivas, as políticas sociais em geral. Com o colapso dos mercados mundiais, foi importante para uma série de setores de atividade mais vinculados à exportação poderem se reconverter para o mercado interno que se expandia apesar da crise. Com o travamento dos créditos dos bancos comerciais, outros setores viram com bons olhos a existência de bancos públicos que não só mantiveram como expandiram as linhas de crédito. Uma visão mais ampla da política econômica se generalizou, abrindo mais espaço para medidas de longo prazo.

O estudo da Cepal sistematiza de maneira muito útil este novo enfoque, apontando seis grandes pilares:

1) Uma política macroeconômica para um desenvolvimento inclusivo: a região pode crescer mais e melhor. Não só é necessário atingir um maior dinamismo econômico, mas também maiores níveis de inclusão e igualdade social, menor exposição aos impactos da volatilidade externa, mais investimento produtivo e mais geração de empregos de qualidade. O papel das políticas macroeconômicas é essencial.

2) Convergência produtiva com igualdade: as economias latino-americanas e caribenhas se caracterizam por uma notória heterogeneidade estrutural que em explica em grande medida a aguda desigualdade social da região. Esta heterogeneidade está dada pelas brechas internas e externas de produtividade. Para ajudar a preencher estas lacunas, a CEPAL propõe transformar a estrutura produtiva a partir de três eixos de políticas: o industrial, com ênfase na inovação; o tecnológico, centrado na criação e difusão de conhecimento; e o apoio às pequenas e médias empresas.

3) Convergência territorial: o território importa sim. As brechas sociais e de produtividade também tem sua expressão especial. Daí a urgência de criar políticas que abordem a heterogeneidade territorial no interior dos países. As transferências intergovernamentais são decisivas na correção das disparidades territoriais, assim como os fundos de coesão territorial.

4) Mais e melhor emprego: o emprego é a chave mestra para resolver a desigualdade. Para superar as lacunas na renda, no acesso à seguridade social e na estabilidade laboral – além do problema da discriminação que afeta mulheres, jovens e minorias étnicas – a CEPAL propõe um caminho centrado, entre outros temas, na construção de um pacto laboral que gere dinamismo econômico e proteja o trabalhador.

5) A superação das brechas sociais: o Estado tem um papel decisivo na reversão da desigualdade, o que implica um aumento sustentado do gasto social, avançar na institucionalidade social e na direção de sistemas de transferências de rendas para melhorar a distribuição em favor dos setores mais vulneráveis.

6) O pacto fiscal como chave no vínculo entre o Estado e a igualdade: é necessário dotar o Estado de maior capacidade para redistribuir recursos e promover a igualdade. Trata-se de um Estado de bem estar e não de um Estado subsidiário, que avance para uma estrutura tributária e um sistema de transferências que privilegie a solidariedade social. Com uma nova equação Estado-mercado-sociedade poderá se alcançar um desenvolvimento com empregos de qualidade, coesão social e sustentabilidade ambiental.

A formulação desta visão na América Latina, que sempre separou, em termos de análise, as políticas econômicas e as políticas sociais, é sumamente importante. Tanto no Brasil como em outros países, as políticas distributivas continuam a ser apresentadas pelas oligarquias como “assistencialismo”, e a fragilidade das políticas de prestação de serviços sociais como efeito natural da ineficiência do Estado. A dinâmica social como vetor de promoção das atividades econômicas no seu conjunto, nestas propostas da Cepal, constitui uma visão de bom senso. O desenvolvimento volta aqui a ser entendido como processo integrado, e a dimensão econômica se articula com as dimensões sociais e ambientais.

As políticas sociais passam assim a ser analisadas não apenas na sua eficiência específica, em termos de melhoria da saúde ou da promoção das pessoas, por exemplo, mas no seu impacto geral para as atividades econômicas. A concepção de que “a produção” geraria riqueza, enquanto o social constituiria gasto, é simplesmente errada. Consolida-se a visão do social como investimento. Segundo o relatório, “os recursos utilizados na gestão social, mais do que gasto, são investimento".

Em outra dimensão, o investimento social, ao tirar as pessoas da miséria, e integrá-las na dinâmica econômica mais ampla, permite ultrapassar gradualmente o eterno dualismo que trava o desenvolvimento da região: bens pobres para pobres, saúde pobre para pobres e assim por diante. É o que o relatório da Cepal chama da “hetorogeneidade estrutural” que precisa ser enfrentada para gerar a “convergência produtiva”.

"As transferências destinadas à exclusão social e ao desemprego, à habitação, à família e às crianças aumentam a eficácia macroeconômica na medida em que favorecem a participação da mulher, a inserção produtiva das pessoas excluídas e também o consumo provado. Isso coincide com uma das principais mensagens que esse trabalho quer transmitir, a saber, a necessidade de visualizar o gasto social em favor do bem estar a partir de uma perspectiva de investimento social que contribua para reduzir a heterogeneidade estrutural e avançar na direção de uma convergência produtiva" (243)

Neste subcontinente historicamente assolado por oligarquias retrógradas sustentadas por interesses transnacionais, onde sempre se promoveu o desenvolvimento excludente, onde a própria modernidade se apresenta como acesso de minorias a um luxo ostensivo, trata-se realmente de uma virada histórica. Não pelos resultados, que ainda são extremamente tímidos, dada a produndidade da desigualdade herdada, mas pela reorientação das políticas.

Bernardo Kliksberg, que prefacia a obra, também vê as novas políticas na sua dimensão transformadora mais ampla, envolvendo a própria ética dos processos econômicos. "Na América Latina, há hoje uma sede de ética. vastos setores concordam com a necessidade de superar a separação entre ética e economia que caracterizou as últimas décadas. Uma economia orientada pela ética não aparece como um simples sonho, mas sim como uma exigência histórica para superar o paradoxo da pobreza em meio à riqueza e construir um desenvolvimento pujante, sustentável e equitativo".

O documento da Cepal pode ser acessado na íntegra, sem custos, no link http://bit.ly/9Vpwt4. Uma versão resumido em portugués, de 58 páginas, pode ser acessada em http://bit.ly/bqwYAh

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

José Manuel Naredo

EUA defendem ortodoxia liberal só para outros países



O artigo é do economista José Manuel Naredo, publicado originalmente no jornal Público, de Madri. Tradução: Marco Aurélio Weissheimer.
Fonte: Agência Carta Maior



Com tanto empenho para “sair da crise” está se perdendo de vista o horizonte de irracionalidade e falta de solidariedade que vinha sendo apontado pela atual globalização financeira. Neste mundo financeiramente globalizado, mas econômica e socialmente fragmentado, as urgências para “sair da crise” acabaram também eclipsando as críticas ao sistema monetário internacional e às práticas que motivaram essa crise.

Em princípio, considerou-se que a crise era o resultado lógico da dinâmica de funcionamento do capitalismo financeiro. Portanto, o objetivo de favorecer a estabilidade do sistema monetário internacional exigia questionar essa dinâmica estabelecendo novos mecanismos de regulação e controle que não chegaram a se concretizar de modo efetivo. O contexto que marcou a recente reunião do G-20 confirmou o desgoverno das finanças planetárias.

Pouco antes dessa reunião teoricamente orientada para coordenar as políticas dos países, os Estados Unidos, líder mundial das finanças, decidiu unilateralmente emitir 600 bilhões de dólares destinados a comprar sua própria dívida pública. Ou seja, enquanto os estados da União Europeia tratam penosamente de apertar o cinto e sanear suas dívidas, os EUA encomendam a seu próprio banco central a emissão de dinheiro para comprar suas próprias dívidas. Depois de tanto criticar Madoff e outros magos das finanças por emitir títulos sem respaldo ou contrapartida alguma, os EUA fazem o mesmo impunemente em uma escala muito maior para recomprar suas próprias dívidas.

Em resumo, enquanto defende a ortodoxia liberal para apertar as rédeas dos demais países, os EUA aproveitam sua posição de domínio para dar um show da mais absoluta heterodoxia, com o objetivo de animar os mercados financeiros com tal injeção de liquidez, esperando que, com isso, acabe animando também o pulso da conjuntura econômica em geral.

Estas medidas já não apontam para incentivar a demanda ou o emprego, mas sim para alimentar diretamente e sem rodeios esse coquetel explosivo de abundante liquidez barata e de desregulação e relaxamento da disciplina financeira que justamente originou a crise. Em vez de favorecer o investimento produtivo mediante estímulos keynesianos, está se preparando o caldo de cultivo propício para que prosperem novas bolhas que serão novamente fonte de instabilidade.

Noam Chomsky

A raiva mal dirigida nos EUA

O artigo é de Noam Chomsky. Tradução: Marco Aurélio Weissheimer.
Fonte: Agência Carta Maior.


Nunca havia testemunhado tamanho grau de irritação, desconfiança e desencanto como o que presenciamos nos Estados Unidos por ocasião das eleições de metade de mandato. Desde que os democratas chegaram ao poder, estão tendo que lidar com nosso monumental incômodo pela situação social, econômica e política do país. Em uma pesquisa da empresa Rasmussen Records, realizada em outubro, mais da metade da cidadania americana assegura ver com bons olhos o movimento Tea Party: esse é o espírito do desencanto.

Os motivos de queixa são legítimos. Nos últimos 30 anos, os salários reais da maioria da população estancaram ou diminuíram, enquanto que a insegurança trabalhista e a carga de trabalho seguiram aumentando, do mesmo modo que a dívida. Acumulou-se riqueza, mas só em alguns bolsos, provocando desigualdades sem precedente.

Estas são as consequências derivadas da financeirização da economia, que vem se desenvolvendo desde os anos 70, e do correspondente abandono da produção doméstica. Recordando esse processo: a mania da desregulamentação defendida por Wall Street e apoiada por economistas fascinados pelos mitos da eficiência do mercado.

O público adverte que os banqueiros, responsáveis em boa parte pela crise financeira e que tiveram que ser salvos da bancarrota, estão desfrutando de lucros recordes e suculentas bonificações, enquanto os índices do desemprego continuam em torno de 10%. A indústria encontra-se em níveis similares aos da Grande Depressão: um de cada seis trabalhadores está desempregado, e o cenário indica que os bons empregos não vão voltar.

O povo, com razão, quer respostas e ninguém as dá, com exceção de umas poucas vozes que contam histórias com certa coerência interna: desde que se suspenda a incredulidade e se adentre em seu mundo de disparate e engano.

Mas ridicularizar as travessuras do Tea Party não é o mais acertado. Seria muito mais apropriado tentar compreender o que sustenta o encanto desse movimento popular e nos perguntar por que uma série de pessoas irritadas estão sendo mobilizadas pela extrema direita e não pelo tipo de ativismo construtivo que surgiu nos tempos da Depressão (como, por exemplo, o Congresso das Organizações Industriais, CIO).

Neste momento, o que os simpatizantes do Tea Party ouvem é que todas instituições (governo, corporações e corpos profissionais) estão apodrecidas e que nada funciona. Entre o desemprego e outros inúmeros problemas, os democratas não têm tempo para denunciar as políticas que conduziram ao desastre. Pode ser que o presidente Ronald Reagan e seus sucessores republicanos tenham sido os grandes culpados, mas essas políticas iniciaram já com o presidente Jimmy Carter e se intensificaram com o presidente Bill Clinton. Durante as eleições presidenciais, entre o eleitorado principal de Barack Obama estavam as instituições financeiras, que afiançaram sua primazia sobre nas últimas décadas.

Aquele radical incorrigível do século XVIII, Adam Smith, referindo-se a Inglaterra, diria que os principais arquitetos do poder eram os donos da sociedade (naqueles dias, os mercadores e industriais), e estes se asseguravam que as políticas do governo se ativessem religiosamente a seus interesses, por mais penoso que fosse o impacto sobre a população inglesa, ou pior, sobre as vítimas da “selvagem injustiça dos europeus” em outros países.

Uma versão mais moderna e sofisticada da máxima de Smith é a teoria do investimento em partidos políticos, do economista político Thomas Ferguson, que considera as eleições como eventos nos quais grupos de investidores se unem para poder controlar o Estado, selecionando para isso os arquitetos daquelas políticas que atendem aos seus interesses.

A teoria de Ferguson é útil para antecipar as estratégias políticas para longos períodos de tempo. Isso não é nenhuma surpresa. As concentrações de poder econômico procurarão de maneira natural estender sua influência sobre qualquer processo político. O que ocorre é que, nos Estados Unidos, essa dinâmica é extrema.

E ainda assim pode-se argumentar que os desperdícios empresariais têm uma defesa válida frente às acusações de avareza e desprezo pelo bem comum. Sua tarefa é maximizar os lucros e o “bem-estar” do mercado. De fato, esse é seu dever legal. Se não cumprissem essa obrigação, seriam substituídos por alguém que o fizesse. Também ignoram o risco sistemático: a possibilidade que suas transações prejudiquem a economia em seu conjunto. Esse tipo de externalidade não é de sua incumbência, e não é por que sejam más pessoas, mas sim por razões de tipo institucional.

Quando a bolha estoura, os que correram os riscos correm para o refúgio do Estado. As operações de resgate, uma espécie de apólice de seguro governamental, constituem um dos perversos incentivos que magnificam as ineficiências do mercado.

Cada vez está mais ampliada a ideia de que nosso sistema financeiro percorre um ciclo catastrófico, escreveram, em janeiro deste ano, os economistas Peter Boone e Simon Johnson, no Financial Times. Toda vez que ele sucumbe, confiamos que seja resgatado por políticas fiscais e dinheiro fácil. Esse tipo de reação mostra ao setor financeiro que ele pode fazer grandes apostas, pelas quais será generosamente recompensado, sem ter que se preocupar com os custos que possa vir a ocasionar, porque será o contribuinte quem acabará pagando por meio de resgates e outros mecanismos. E, como consequência, o sistema financeiro ressuscita outra vez, para apostar de novo e voltar a cair.

O dia do juízo final é uma metáfora que também se aplica fora do mundo financeiro. O Instituto do Petróleo Americano, respaldado pela Câmara de Comércio e outros grupos de pressão, intensificou seus esforços para persuadir o público a abandonar sua preocupação com o aquecimento global provocado pelo homem e, segundo mostram as pesquisas, obteve bastante êxito nesta tarefa. Entre os candidatos republicanos ao Congresso nas eleições de 2010, praticamente todo mundo rechaça a ideia de aquecimento global.

Os executivos responsáveis pela propaganda sabem de sobra que o aquecimento global é verídico e nosso futuro incerto. Mas o destino das espécies é uma externalidade que os executivos têm que ignorar, pois o que se impõe é o sistema de mercado. E o público não poderá sair em operação de resgate quando finalmente se confirme o pior dos cenários possíveis.

Tomando emprestadas as palavras de Fritz Stern, o famoso estudioso da história alemã: tenho idade suficiente para lembrar-me daqueles dias ameaçadores nos quais os alemães despencaram da decência para a barbárie nazista. Em um artigo de 2005, Stern indica que tem o futuro dos EUA em mente quando repassa um processo histórico no qual o ressentimento contra um mundo secular desencantado encontrará a liberação no êxtase da fuga da razão.

O mundo é demasiado complexo para que a história se repita, mas de todo modo há lições que devem ser relembradas quando verificamos as consequências de outro ciclo eleitoral. Não é pequena a tarefa diante de quem deseje apresentar-se como uma alternativa à indignação e à fúria enlouquecida, ajudando a organizar os não poucos descontentes e sabendo liderar o caminho para um futuro mais próspero.

domingo, 28 de novembro de 2010

José Padilha

Carcaça de uma sociedade

Se o governo insistir nas UPPs, os confrontos serão inevitáveis. “Espero que o governo federal entre de cabeça e implemente um plano nacional de segurança sério", escreve José Padilha (foto), cineasta e diretor de "Ônibus 174", "Tropa de Elite", "Tropa de Elite 2", "Garapa" e "Segredos da Tribo", em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 28-11-2010.
Fonte: UNISINOS






Por que o Rio de Janeiro é uma cidade tão violenta? Por que tem um número tão alto de homicídios e de assaltos todo ano? Por que grande parte da capital carioca, sobretudo as áreas mais carentes, está dominada por grupos armados? Por que a história do Rio é marcada pela repetição de acontecimentos traumáticos na área de segurança pública, acontecimentos que chamam a atenção do mundo?

Vigário Geral e Candelária explicitaram a violência absurda da polícia carioca. O sequestro do Ônibus 174 demonstrou a precariedade dessa polícia e deixou à mostra a violência de um ex-menino de rua que preferiu “tentar a sorte” a se entregar ao Estado que o torturou a vida inteira. O brutal assassinato de Tim Lopes mostrou que os traficantes cariocas não são Robin Hoods do morro, mas criminosos que utilizam métodos brutais. A tortura de jornalistas de O Dia por milicianos deu origem à CPI que revelou máfias de bombeiros, policiais civis e policiais militares no comando de comunidades carentes, com o apoio de vereadores, deputados estaduais e até deputados federais. E, finalmente, o ataque sistemático do tráfico a vários pontos da cidade, e a reação subsequente da polícia, “desentocou” um verdadeiro exército armado na Vila Cruzeiro e o expôs para todo mundo ver.

Afinal, por que o Rio de Janeiro é assim?

Uma resposta, a da esquerda naïve, postula que a violência no Rio de Janeiro decorre da miséria e da luta de classes, e diz que para combatê-la é necessário acabar com as diferenças sociais, distribuir a renda e educar a população. Há também a resposta da direita naïve, que reduz a violência do Rio a um problema de repressão e diz que ela se explica pela falta de firmeza da polícia e das leis.

As duas respostas estão erradas, contradizem fatos conhecidos.

A primeira não dá conta de cidades que têm índices de desenvolvimento humanos (IDH) piores do que os do Rio de Janeiro e índices de violência menores. A segunda está na contramão da história, que demonstra que incrementos na repressão podem piorar os índices de violência. Foi assim no governo Marcelo Alencar, quando o Estado adotou a remuneração faroeste e passou a premiar os policiais em função do número de criminosos que “abatiam”. A partir daí, o número de autos de resistência, de policiais que declararam ter matado criminosos que resistiram à prisão, cresceu e continua absurdo até hoje.

Muitas vezes, o passo mais importante para encontrar a solução de um problema é enunciá-lo corretamente. Ônibus 174, Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 são uma tentativa de enunciar o problema da segurança pública do Rio de Janeiro a partir da premissa de que a violência carioca resulta, em grande parte, da atuação direta de instituições públicas que convertem miséria em violência. À luz dessa premissa, a violência urbana está relacionada à falta de educação e à concentração de renda, mas a relação não é direta e simples, é intermediada por fatores complexos. Acredito que no Rio o mais importante desses fatores seja o efeito perverso que certas organizações administradas pelo Estado têm sobre parte da população.

Ônibus 174 conta a história de Sandro Rosa do Nascimento, um menino que fugiu de uma tragédia familiar e foi viver nas ruas do Rio. Sandro se tornou um pequeno criminoso para sobreviver. Como menino de rua, viu representantes do Estado (policiais militares) matar crianças como ele na Candelária, foi preso e tratado com extrema violência pelo sistema socioeducativo do Estado, foi espancado e obrigado a conviver com traficantes e criminosos muito mais violentos que ele no Instituto Padre Severino e deu entrada no sistema prisional carioca, onde o Estado o colocou em uma cela superlotada e insalubre. O torturou por anos.

A tese de Ônibus 174, exemplificada pela trajetória de Sandro, é muita clara: as organizações que deveriam reeducar os pequenos criminosos os convertem em criminosos violentos. Não fui eu quem formulou essa tese, diga-se de passagem. Foi o próprio Sandro, que a gritou em altos brados da janela do ônibus para quem quisesse ouvir.

Em Tropa de Elite tentei dizer que a mesma coisa acontece no âmbito da polícia. O Estado trata muito mal os indivíduos que se propõem a trabalhar nas organizações policiais. Paga pouco, treina mal, e os submete a uma cultura organizacional militarizada e kafkiana, que tolera a corrupção e estimula a violência. Como disse o capitão Nascimento: “Quem quer ser polícia no Rio de Janeiro tem que escolher: ou se omite, ou se corrompe, ou vai pra guerra”. Tanto a violência e o desrespeito aos direitos humanos do capitão Nascimento quanto a corrupção desenfreada do capitão Fábio são forjadas no mesmo lugar, pela mesma organização. Certa feita um governador do Rio de Janeiro disse a mim e ao jornalista Rodrigo Pimentel que Tropa de Elite era um filme demasiado pessimista. Em sua opinião, a PM do Rio não era tão corrupta quanto pensávamos. Pelas suas contas, um terço dos policiais do Rio é corrupto, outro terço é honesto, e o restante variava conforme o comando. Se a PM do Rio tem mais de 13 mil homens corruptos, então o problema não são seus homens, é a organização. Os policiais do Rio de Janeiro são vítimas da PM.

A tese de Tropa de Elite, instanciada na trajetória do aspirante André Mathias, é igualmente óbvia: as instituições que deveriam combater a criminalidade convertem boa parte das pessoas que trabalham nelas em policiais corruptos e violentos. Fazem isso com grande eficiência e em altas taxas.

Acredito que cada um dos casos simbólicos que listei, de Vigário Geral à tomada da Vila Cruzeiro, ilustra essa tese. Cada um deles envolve traficantes, policiais corruptos e policiais violentos cuja subjetividade e comportamento criminoso foram moldados por instituições do Estado.

Fiz um terceiro filme, Tropa de Elite 2, para tentar dizer por que o Estado funciona assim. Em Tropa de Elite 2 o capitão Nascimento é promovido a subsecretário de inteligência e obrigado a lidar com as conexões que existem entre a polícia e a política. São essas conexões, muitas vezes calcadas em interesses e lógicas eleitorais, que criam e mantêm as instituições que descrevi nos filmes anteriores.

Voltando ao mundo real, deixo claro que apoio as UPPs e sou favorável a esse projeto do governador Sérgio Cabral. Reconheço que ele é fundamental para recuperar o território que o tráfico tomou. Acredito que o Rio não pode recuar no primeiro confronto. Todavia, acho que o projeto das UPPs é apenas meio projeto, e não um projeto inteiro. Onde está a reforma da polícia? Não a maquiagem, mas a reforma concreta, o programa eficiente de seleção e treinamento de policiais, o programa de capacitação profissional, o pagamento de salários dignos, o seguro saúde e o auxílio-educação para as famílias dos policiais? Onde está a corregedoria que funciona? Onde está a reforma do sistema prisional? A capacitação dos agentes penitenciários? A reforma do sistema socioeducativo? A boa formação dos seus operadores?

O projeto das UPPs é fundamental para a sobrevivência do paciente, mas ignora as causas da doença. Na ausência de uma real reforma das instituições que mencionei, o esforço e o engajamento da população carioca no projeto das UPPs pode ser em vão. Afinal, quem vai ocupar as comunidades libertadas? A mesma polícia que conviveu com o tráfico de drogas na cidade por mais de 30 anos, o viu crescer e se expandir e o deixou se instalar. O projeto das UPPs não é um projeto da polícia, é um projeto do governo. O que garante, no médio ou no longo prazo, quando este governo sair e outro entrar no lugar, que as UPPs não se tornarão áreas de milícia?

Eu me lembro, na ocasião do Ônibus 174, que o então presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi à TV prometer um plano nacional capaz de reformar as instituições ligadas à segurança pública em todo o Brasil. Teve dois mandatos para cumprir a promessa, e não o fez. Depois veio o atual presidente Lula, do PT. Apresentou um Plano Nacional de Segurança bem bolado, escrito pelo professor Luiz Eduardo Soares. Estamos ao final do seu segundo mandato e o plano continua engavetado. Finalmente, não vamos esquecer o PMDB, do governador Sérgio Cabral, que em ambos governos nada propôs de significativo na área da segurança. A verdade é que nos últimos 30 anos nossos políticos ficaram vendo inocentes morrer. Lavaram as mãos.

O que aconteceu no Rio de Janeiro nessa semana foi significativo. Creio que vai acontecer de novo se o governador insistir com as UPPs. E, como a Copa do Mundo e a Olimpíada estão aí, não há outra alternativa viável. Os confrontos serão inevitáveis e recorrentes. Espero que esses confrontos sirvam para, além de libertar comunidades carentes, forçar o governo federal a entrar de cabeça na luta contra o crime e implementar um plano de nacional de segurança sério, capaz de resolver de uma vez por todas o problema da segurança pública no Brasil.

"Brasil precisa se proteger e cuidar das contas externas"

A economista Maria da Conceição Tavares defendeu nesta sexta-feira, durante a Conferência do Desenvolvimento, promovida pelo IPEA, em Brasília, que o Brasil deve proteger sua economia, reverter o processo de sobrevalorização do real e adotar mecanismos de controle de capital para evitar um ataque especulativo. Em sua fala, ela deixou algumas sugestões para o futuro governo Dilma: "Eu diria que a primeira preocupação agora é, sem dúvida nenhuma, com o setor externo. Se ele continuar assim vai haver degradação da indústria, déficit crescente da balança de pagamentos e uma fragilidade externa que na crise de 2008 nós não tivemos". O artigo é de Katarina Peixoto.
Fonte: Agência Carta Maior


O sexto painel da Conferência do Desenvolvimento, promovida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em Brasília, apresentou um tema abrangente e desafiador: Macroeconomia e Desenvolvimento. Um tema à altura da homenagem feita pelo IPEA aos 80 anos da professora Maria da Conceição Tavares, formadora de mais de uma geração de economistas brasileiros. Bem humorada, ela brincou com a relação entre a homenagem e o tema escolhido para a conferência: “Esta homenagem está gloriosa, porque o clima é Woodstock, não é. Vamos ver se sou capaz de tocar guitarra elétrica. O tema proposto para mim, só tocando guitarra elétrica. Macroeconomia e desenvolvimento não são temas pensados conjuntamente, geralmente”.

O propósito da política macroeconômica, lembrou, é evitar os desequilíbrios. E agora mais do que nunca em função da crise econômica mundial. Maria da Conceição Tavares fez um rápido resumo do quadro atual.

Neste ano que passou foram os países ditos emergentes que cresceram. O primeiro mundo não cresceu nada. A crise de 2008, agora em 2010, veio repicada com a crise na Europa. A política macroeconômica na Europa deve estar fazendo Keynes se remover na tumba. Um desemprego cavalar e eles vêm com ajuste fiscal. Além de tudo há uma pletora de dólares. O Banco Central europeu está sustentando os países mais pobres da UE, mas o problema não é de liquidez, mas de insolvência”.

Frente a essa situação, alertou, o Brasil precisa ficar atento:

Nossa taxa de juros é historicamente cavalar. Não é uma maluquice do presidente do Banco Central. Desde a década de 70 que a taxa de juros primária é muito alta. E as taxas ativas dos bancos também são muito altas. Então estamos numa situação braba: que tipo de investimentos essa taxa de juros elevada atrai? O investimento direto não tem nenhum problema, desde que sejam estertores importantes do desenvolvimento. Mas nossas taxas de juros fazem com que sejamos atrativos para o capital especulativo. Resultado: estamos com uma grande sobrevalorização do real”.

Diante deste quadro, acrescentou, a economia brasileira precisa se proteger, não apenas dos Estados Unidos, mas também da China. Neste ponto, ela fez algumas advertências importantes ao governo Lula e, principalmente, ao futuro governo Dilma:

Temos aumentado desvairadamente as importações. Está um festival de importação. Nós estamos diminuindo o conteúdo de valor agregado de nossa indústria, até com coeficiente em importação em aço, no qual temos competitividade internacional, temos 15% da importação em aço. Há sobra de aço na Europa, que está fazendo dumping para cima da gente e nós deixamos. Eu diria que a primeira preocupação agora é, sem dúvida nenhuma, com o setor externo. Se ele continuar assim vai haver degradação da indústria, déficit crescente da balança de pagamentos e uma fragilidade externa que na crise de 2008 nós não tivemos. Foi a primeira vez que o Brasil passou por uma crise sem se arrebentar. Ao contrário, somos credores líquidos internacionais. Passar dessa situação, outra vez, para devedor líquido é péssimo. Só não passamos a tanto porque o governo é credor líquido. Mas as grandes empresas, o capital privado já está devendo. O que significa que qualquer repique da crise internacional pode nos trazer problemas”.

O governo tem de estar atento, enfatizou a economista, para não agravar o déficit fiscal. “A inflação é de custos, não de demanda. Então, não é o caso elevar taxa de juros, para não agravar o déficit fiscal, aumentando o serviço da dívida. Isso tira a possibilidade de desenvolvimento. Como se faz desenvolvimento com uma taxa de juros dessas?” - indagou.

A economista garantiu que não discutiu pessoalmente esses temas com ninguém do governo. E reafirmou a defesa da adoção do controle de capitais para proteger o país de um ataque especulativo.

Já disse publicamente e repito, penso que numa situação como essa tem de ter controle de capitais. Todos os controles quantitativos. Aumenta o compulsório. Controla a taxa de crédito. Mas não com essa taxa de juros. Mesmo que o FMI tenha dito que controle de capitais pode ser recomendado, na atual conjuntura, o “mercado” e “os do mercado” aqui no Brasil não suportam ouvir isso. Mas temos no Banco Central gente discreta, não vedetes. Eu acho que a mudança do presidente do BC se prende a isso”.

O Brasil, recomendou ainda a economista, precisa fazer uma política fina e ir diminuindo lentamente a taxa de juros e a taxa de câmbio. “Devagar com o andor que o santo é de barro. Tem de andar devagar”, enfatizou.

E criticou aqueles que defendem o corte de gastos para promover um duro ajuste fiscal.

O eixo deste governo é a política econômica com eixo social. Esse é o nosso custeio. Cortar para investir, para agradar a imprensa? Eu acho que não há sentido nenhum. No desenvolvimento econômico, o eixo social está correto. Mas se não cuidarmos da parte cambial, não conseguiremos fazer política industrial e tecnológica e, no longo prazo, não há desenvolvimento econômico regredindo nessas coisas”.

Maria da Conceição Tavares manifestou confiança na capacidade da presidente eleita Dilma Rousseff enfrentar esses problemas:

Graças a deus a nossa presidente é uma mulher de coragem, de discernimento e economista competente. Este primeiro ano dela é complicado, em todos os sentidos. Enfim, que Deus a proteja. Não adianta pedir que Deus proteja individualmente nestas questões. Nestas questões é melhor proteger o coletivo”.

Tenho muita fé na presidente, mas uma coisa é saber, outra é operar - não sei se a proporção de forças dos industriais pesam tanto quanto a dos banqueiros. Para sair dessa encrenca, agora mais do que nunca, não dá para deixar para o mercado ou a divina providência. A solução é humana e de todo o governo. Até o fim dessa década vamos erradicar a miséria, para que isso ocorra não podemos fazer coisas que abortem essas intenções.”

O Brasil tem um caminho duro pela frente, concluiu, e “deve agir com a autonomia de um país independente e soberano”. “Precisamos fazer uma defesa soberana da política industrial, cambial e de balanço de pagamentos. Não quero que me impinjam política macroeconômica que me atrapalhe o desenvolvimento. E que não se espere que o G7, G20, o G 400 resolvam alguma coisa, porque a ordem mundial está uma bagunça e o mundo hoje é multipolar. Acho melhor cumprir o nosso papel”.

Maria da Conceição: o retorno da mestra

Artigo de Paulo Kliass, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Agência Carta Maior

Por ter completado 80 anos no mês de abril passado, o ano de 2010 foi recheado de homenagens à economista Maria da Conceição Tavares. Palestras, debates, publicação de livros e textos da professora, enfim, um conjunto de eventos para celebrar uma data especial, para uma pessoa ainda mais especial. Economista com uma visão crítica do pensamento conservador e militante política comprometida com a causa democrática e a defesa dos interesses da maioria do povo, Conceição sempre proporcionou o Brasil com suas análises e propostas perturbadoras e radicais do fenômeno econômico e social, pois vai justamente em busca das raízes daquilo que pretende estudar.

A mais recente cerimônia para festejar tal fato ocorreu em mesa realizada durante a 1ª Conferência sobre o Desenvolvimento, patrocinada pelo IPEA, em Brasília, no dia 26 de novembro. Solicitada a falar sobre o tema “Macroeconomia e desenvolvimento”,a mestra aproveitou o momento para abordar também o tema da conjuntura atual e as opções de política econômica para o Brasil enfrentar a crise. A exposição da professora veio se somar às declarações e depoimentos que ela tem dado ao longo dos últimos meses.

O retorno da mestra ao centro do debate tem sido essencial para aqueles que procuram saídas alternativas ao receituário econômico ortodoxo. Isso porque ao longo dos últimos anos, Conceição acabou optando por uma espécie de “silêncio forçado”. Apesar de muitos não concordar com tal opção política, não é muito difícil compreender a escolha da professora. Considerada como uma das principais formuladoras de temas econômicos no interior do PT, Conceição era vista por parte dos analistas como uma das pessoas que jogariam um papel estratégico no governo, quando Lula ganhou as eleições ainda lá em 2002.

No entanto, a roda da história tomou outros rumos e o presidente eleito optou por Palocci, Meirelles, a “tchurma” do setor financeiro e toda a ortodoxia que marcou a política econômica na maior parte de seus 8 anos de governo. No início, Conceição ainda buscou uma reflexão crítica, apontando alternativas ao que considerava uma opção equivocada da equipe de Lula. Porém, à medida que sentia se consolidar a opção conservadora no interior do governo, ela optou por um “voto de silêncio” e não mais criticava publicamente a condução da economia sob as regras do modelito neoliberal.

Porém, como que por uma triste e trágica ironia, foi necessário o surgimento de uma crise internacional mais profunda, com as proporções que vimos a partir de 2008, para que as visões alternativas de natureza estruturalista e heterodoxa se impusessem no debate das opções de política econômica. Seja no interior dos países mais ricos, seja no plano das relações econômicas internacionais, seja até mesmo no debate a respeito de alternativas para o Brasil. À falência do receituário neoliberal, foram sendo trazidos para os próprios meios de comunicação assuntos até então considerados como pecaminosos e proibitivos: “desenvolvimento econômico”, “política industrial”, “necessidade da presença do Estado na economia”, “necessidade de regulação da atividade econômica”, “incapacidade do mercado em encontrar sempre as soluções mais eficientes”, entre tantos outros temas até então relegados às profundezas de um “index prohibitorum”.

E Conceição, para além de discorrer sobre sua vinda de Portugal para o Brasil, sobre sua participação nos governos progressistas anteriores ao golpe de 64, sobre suas experiências com a CEPAL de Raul Prebisch e Celso Furtado, sobre sua intimidade com o tema do desenvolvimento, também tratou do momento atual. E ofereceu a todos os presentes na mesa da Conferência suas propostas para que o Brasil consiga atravessar o momento da crise externa, com o menor risco de sofrer conseqüências negativas. E aí, o menu dos pontos a serem tratados não apresenta muita novidade: risco do setor externo deficitário, perigo da continuidade da atual política cambial da nossa moeda valorizada, prejuízos da política monetária de juros elevadíssimos, necessidade de estabelecer maior controle sobre os movimentos do capital especulativo.

O diagnóstico da professora é agudo e preciso. A continuidade desse modelo é arriscado e potencialmente explosivo. A política monetária em que o Banco Central oferece a maior taxa de juros do planeta é um suicídio em termos econômicos, além de promover uma grande injustiça social. Transfere renda orçamentária para os setores mais privilegiados do País, ao tempo em que limita recursos para as despesas essenciais na área social. Além desse caráter perverso da política de juros elevados, ela assegura alta rentabilidade ao capital especulativo do resto do mundo, que para cá se dirige em grande quantidade. O ingresso desse tipo de recursos em moeda estrangeira, por sua vez, pressiona o mercado dito “livre” do câmbio. Uma elevada oferta de dólares em nosso mercado interno promove uma valorização artificial do nosso real frente à moeda norte-americana e demais moedas estrangeiras.

Com isso nossas exportações ficam prejudicadas e as importações de bens estrangeiros ficam estimuladas. O resultado é a redução do superávit na Balança Comercial. E uma preocupação crescente no Balanço de Pagamentos, que começa a ficar perigosamente deficitário. A previsão do próprio BC é de um rombo de US 50 bilhões para esse ano que se encerra. Para tanto contribui, entre outros fatores, a redução dos valores dos investimentos diretos estrangeiros e o aumento das remessas para o exterior na forma de juros e lucros.

Enquanto a maior parte dos chamados “especialistas do mercado” retomam a cantilena da “necessidade imperiosa” de redução dos gastos públicos e da necessidade de elevar ainda mais (!!!) a taxa de juros na próxima reunião do COPOM, a professora confirma as alternativas há muito tempo apresentadas pelos economistas que procuramos fugir da lógica dos interesses puramente financistas. Tanto mais que nas últimas semanas tem-se aprofundado um sentimento e um conjunto de medidas que estão sendo corretamente resumidos na classificação de uma “guerra cambial” em escala planetária.

Cada país ou região tenta resolver a crise sob seu ponto de vista e não há solução negociada. E o fracasso da recente reunião do G-20 na Coréia demonstrou que não há alternativa a ser acordada entre os países mais ricos no curto prazo. A China mantém sua moeda indexada ao dólar norte-americano. Os Estados Unidos promoveram uma emissão de sua moeda no valor de US$ 600 bi, que será absorvida pelos agentes econômicos e logo em seguida direcionada aos países em desenvolvimento. A taxa de juros SELIC continua a fazer do Brasil um dos locais de maior rentabilidade no mundo. Mais dólares para cá, maior valorização cambial. Assim, o mecanismo da chamada “liberdade cambial” fica ainda mais perverso para nossa economia, em termos de emprego e crescimento da indústria nacional. Com a enxurrada das importações, reforça-se o movimento da desindustrialização.

O caminho passa, nos ensina Conceição, pelo estabelecimento de regras de controle na conta de capitais. O Brasil não pode aceitar passivamente pagar a conta pelas medidas protecionistas adotadas pelos países mais ricos. Ou seja, devemos adotar medidas de auto proteção, sim! A primeira delas seria a exigência de um período mínimo de permanência do capital estrangeiro que para cá deseja se dirigir, bem como a elevação dos impostos sobre os mesmos, para reduzir a atratividade das aplicações de caráter puramente especulativo. A diminuição desse volume de recursos externos deve reduzir a tendência à valorização do real frente ao dólar. Caso contrário, o governo deve adotar outras medidas com tal objetivo.

Além disso, ao contrário de cortar despesas de custeio, as reduções no orçamento do governo federal devem ser nos gastos financeiros. Para tanto, a medida deve vir no sentido da redução da taxa de juros SELIC e na ação sobre as instituições financeiras para reduzir seu “spread” e oferecer juros mais baixos para o tomador final. Com isso, haverá redução no volume de despesas de natureza financeira, aliviando o conjunto das contas fiscais.

Finalmente, a mestra lembra aos analistas que os próprios manuais de economia e as experiências de política monetária em outros países oferecem o mecanismo do depósito compulsório para se conter um eventual excesso de demanda e evitar a retomada do processo inflacionário. Ou seja, se houver algum risco de que tais medidas estimulem demasiadamente o nível de consumo, o governo pode obrigar os bancos a elevarem ainda mais seus níveis de depósito obrigatório junto ao Banco Central, o que gera menos recursos monetários na sociedade. Com isso, mantém-se algum grau de equilíbrio no setor real, sem que a sociedade no seu conjunto seja obrigada a pagar a conta por meio de aumento nas despesas públicas, que ocorreria caso houvesse um aumento ainda maior da já elevada taxa de juros SELIC.

Para finalizar, cabe agradecer à professora por seu retorno ao debate e por suas análises e sugestões sempre tão preciosas para os que não se deixam enganar pela retórica dos defensores dos interesses da banca e do sistema financeiro. Com isso,podemos dizer que existem sim alternativas a serem implementadas em termos de política econômica. Basta haver vontade política.

Obrigado, Conceição!

domingo, 12 de setembro de 2010

Entrevista - Maria da Conceição Tavares

''Não tem mais centro e periferia'', afirma Maria da Conceição

A ascensão da China, com uma demanda por produtos primários que vai durar décadas, mudou a divisão internacional do trabalho e tornou datada a dicotomia entre industrialização e produção de commodities que marcou a trajetória brasileira desde os anos 1930. Quem afirma é a economista Maria da Conceição Tavares, veterana expoente do desenvolvimentismo, que durante o século XX propôs a ação do Estado para a industrialização, a fim de superar a desvantagem nas relações de troca no antigo sistema sob hegemonia econômica dos EUA - que, ao também produzirem matérias-primas, forçavam a baixa de seus preços. "Não tem centro e periferia como antes. Há países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos", afirma Conceição. Ela deu entrevista à Folha às vésperas de ser homenageada amanhã, no Rio, no lançamento do livro "O Papel do BNDE na Industrialização do Brasil", fruto de pesquisa que coordenou para o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. O novo cenário não quer dizer, afirma, que o país deva descuidar do parque industrial. Ela se preocupa com a avalanche de importações e defende o papel do BNDES no apoio a grandes empresas nacionais. Petista, Conceição aposta que Dilma Rousseff mudará a orientação ortodoxa do BC, caso eleita, e diz que o tucano José Serra, colega do tempo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) com quem há 40 anos escreveu um artigo marco, "Além da Estagnação", é conservador na área social. A entrevista é de Cláudia Antunes e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 12-09-2010.
Fonte: UNISINOS


Um dos problemas recorrentes do período de industrialização abordado no livro é o déficit no balanço de pagamentos. Hoje essa preocupação surge de novo. Os riscos são os mesmos?

Não, naquela altura o problema era basicamente a rigidez da pauta de exportações, que não é o caso agora. A gente só tinha produtos primários e o único período em que houve aumento de preços das matérias-primas foi durante a Guerra da Coreia (1950-1953). Além disso, o processo de substituição de importações não poupava divisas, pelo contrário, era para substituir importações por produtos internos. Ao fazer isso, ampliava o mercado interno e ampliava a demanda [por bens de capital importados para aumentar a produção]. Hoje em dia você tem uma indústria montada. O problema é o câmbio.

Mas há toda a preocupação com a primarização da pauta de exportações brasileiras.

Isso não tem nenhum cabimento, porque a primarização da pauta de exportações de hoje não se parece nada com a de então. Ao contrário daquela época, quando havia relações de troca desfavoráveis, as relações são favoráveis. Quem demanda produtos primários é a China e a Ásia inteira, que crescem muito mais do que o resto do mundo. Naquela época, os EUA eram nossos concorrentes.

O candidato José Serra fala muito do risco de desindustrialização no Brasil. A sra. acha que existe esse risco?

Desindustrialização houve no governo deles, do Fernando Henrique, com uma política de câmbio completamente irresponsável, uma taxa de juros alta, que começou a afrouxar a partir do segundo mandato. O problema de agora é que, com a crise mundial, o dólar desvalorizou e todas as moedas valorizaram, exceto a moeda chinesa, que está amarrada ao dólar e controlada, com controle de capitais. O resto foi para o diabo.

Agora é um problema de valorização e isso não afeta as exportações. Isso afeta as importações, que estão disparando. A gente não sabe se estão disparando como reação apenas ao câmbio ou à recuperação da economia. Eu acho que são os dois. A indústria sofreu um abalo em 2009, e neste ano recuperou com muita força. Agora está desacelerando. Tem que estar sempre avaliando. Se você deixar entrar à galega acaba desindustrializando.

E o que pode ser feito?

O próprio ministro da Fazenda já avisou que tem que controlar essa taxa de câmbio, não pode deixar rolar.

Mas o câmbio não tem relação com os juros do Banco Central, que atraem capital de fora?

Tem, mas não só. Porque a valorização deu em todos os países, mesmo os que praticam taxas de juros negativas, que é o caso do Japão. É a situação particular do dólar agora que está fazendo isso.

A situação, portanto, não se parece nada com a do período entre 1950 e 1980. Não tem crise no balanço de pagamentos no sentido clássico. E muito menos dívida externa. Conseguimos passar essa crise sem problemas na dívida externa, com reservas, coisa que nunca aconteceu em nenhuma crise internacional desde o século 19. Agora, tem que ter uma política industrial mais clara, uma política cambial obviamente controlada, que não se resolva apenas com os juros.

Outra discussão que tem uma analogia com o período atual é a ideia de criar um mercado de capitais privado, bancos de investimentos privados que financiem investimentos de longo prazo, o que foi tentado pelo Roberto Campos no primeiro governo da ditadura. A ideia do mercado de capitais estava lá na reforma administrativa Bulhões-Campos. O problema é que ele veio com a ideia dos bancos de investimentos, que não funcionaram.

Mas essa discussão volta agora, não?

A dos bancos de investimentos, não. O problema é que nem os bancos nem os mercados de capitais não estão financiando desenvolvimento em longo prazo.

E é possível que isso, que nunca aconteceu, aconteça agora?

Eu não acredito muito. Porque na verdade o mercado de capitais serve basicamente em toda parte não é para financiar desenvolvimento, é para transformar patrimônio. Mas enfim, essa é uma ideia antiga, continuam a fazer esforço. O financiamento na verdade depende mais do crédito de longo prazo, e aí é que se tem que arrumar um jeito de que haja um crédito em longo prazo que não dependa apenas do BNDES e da Caixa Econômica, que carregam nas costas.

Como avalia às críticas feitas ao perfil dos empréstimos do BNDES, para grandes grupos?

A imprensa conservadora, que nunca gostou do BNDES, vem com esse papo de que a capitalização [do banco] vai para a dívida pública, o que não é verdade. Formalmente vai para a dívida fiscal, mas na verdade não é assim em longo prazo. Porque você empresta, mas eles retornam. E o retorno do investimento é sempre positivo. O BNDES não está emprestando a ninguém com retorno negativo.

Mas até o Carlos Lessa [ex-presidente do BNDES] afirma que o banco deveria ser mais exigente sobre investimentos no Brasil ao fazer empréstimos a grandes empresas.

Lessa nesse particular discrepa do [Luciano] Coutinho, que tem a visão do que ocorreu na Ásia, no Japão, na Coreia, do "pick the winner" [escolha o vencedor], que tem que escolher as empresas vencedoras para que elas sejam competitivas lá fora, para que elas se internacionalizem com poder de mercado. Essa é a única diferença, porque o Lessa é desenvolvimentista, o Coutinho também. Só tem desenvolvimentista agora. Liberal, só tem a charanga.

A Dilma e o Serra também são desenvolvimentistas.

Do ponto de vista da operação fiscal, o Serra é ortodoxo, e isso é ruim. Ele quer acelerar a contração do gasto público. No fundo, ele não leva a sério as políticas de bem-estar social, a universalização da educação, da saúde, que tornaram o Orçamento mais pesado. Se cortar, não se pode fazer nada de política universal, tem que ficar só com política para pobre.

Mas não há dúvida de que o Serra também é desenvolvimentista do ponto de vista industrial. O problema dele são os programas sociais, o aumento da Previdência, do salário mínimo, todas as medidas de alcance social mais profundo que o Lula tomou. Nas políticas compensatórias, eu não creio que ele voltaria atrás, que ninguém é maluco. A universalização é que é o problema, as políticas sociais de longo alcance. O gasto com educação, saúde, Previdência.

No segundo governo Vargas [1951-1954], quando começa o Plano de Reaparelhamento Econômico, o ministério lembra o do primeiro governo Lula, com empresários e monetaristas no comando da política econômica. Como interpretar essa coincidência?

Por sorte, depois do interregno monetarista do [Eugenio] Gudin [ministro da Fazenda de Café Filho, entre 1954 e 1955], veio o JK, que era desenvolvimentista. O [Horacio] Lafer [ministro da Fazenda de Vargas] queria fazer presidente do BNDE o Gudin, e não conseguiu, porque o Vargas não dormia de touca. O que ele fez é foi compor uma parte da diretoria do banco com pessoal que veio da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos [1951-1953], entre os quais o Roberto Campos e o Glycon de Paiva, que ficaram como diretores, e colocou o homem dele, que era o gaúcho Ari Frederico Torres, como superintendente.

O problema é que o homem dele não entendia muito de economia, e por aí não foi. Mas havia os diretores que eram da Assessoria Econômica do Vargas. Então a assessoria do banco era composta metade de conservadores e metade de nacionalistas.

No que diz respeito a Lula, graças a Deus caiu o ministro da Fazenda [Antônio Palocci] e entrou o [Guido] Mantega, que é desenvolvimentista. O problema foi o Banco Central. O Banco Central é problema sempre, porque a estrutura do BC foi montada de tal maneira que os que não pensam da mesma maneira não têm futuro.

Um dos meninos mais brilhantes da atual Fazenda é o Nelson Barbosa [secretário de Acompanhamento Econômico]. Ele é um keynesiano um pouco ortodoxo. Ele é originariamente do BC, fez concurso e passou. O [Luiz Eduardo] Melin [chefe de gabinete da Fazenda] também é do BC. Mas eles não podem fazer nada, porque começam uma carreira e tem em cima a diretoria que é toda conservadora.

Tem é que fazer com o BC o mesmo que foi feito no BNDES pelo Vargas, uma diretoria mista, metade conservadora, para agradar os banqueiros e eles não encherem muito o saco, senão eles enchem mesmo, e outra metade para ajudar o desenvolvimento, fazer uma política monetária menos estúpida.

Quer dizer, o conservador no governo Lula foi só a política monetária. E não foi pouca porcaria, eu concordo. Briguei para burro.

Mas isso num governo Dilma pode mudar?

Com certeza vai mudar. É só esperar e ver. Mas não é mole, porque o pessoal mais desenvolvimentista tem muito pouca prática de mercado. Tem que ter os que têm prática de mercado, porque senão você não consegue operar o banco. Houve sempre uma tensão muita grande entre a Fazenda e o BC [no segundo mandato de Lula], que nunca foi o caso na história do Brasil, em que sempre Fazenda e BC eram conservadores e Planejamento, Indústria e Comércio eram desenvolvimentistas. Mas isso não é mais assim.

Mas é melhor ter a tensão?

Por mim não, mas, como eu estou dizendo, não tem economista progressista com domínio de BC, com exceção desses dois que eu mencionei, que foram do BC. Foram meus alunos, trabalharam comigo, conhecem teoria monetária. A esquerda tem mania de não gostar de política monetária. A única monetarista de esquerda era eu, mas é óbvio que eu não posso ser presidente do BC com 80 anos e com esse temperamento que eu tenho. Tem também o [Luiz Gonzaga] Beluzzo, o próprio Luciano Coutinho.

Então hoje, ao contrário da década de 90, começa a haver um predomínio do pensamento desenvolvimentista?

No Brasil sim, mas não no mundo. Olha para a Europa. A Europa está num reacionarismo conservador que é uma desgraça, está pior que os EUA. Nos EUA, até os conservadores viraram keynesianos por causa da crise. Na Europa, os caras estão fiscalistas ao extremo, estão arrebentando com a Europa, tem uma tendência japonesa [de estagnação] acentuada.

Essa conjuntura internacional, em que a China é o grande demandante, favorece o Brasil?

É favorável. Quem é hoje o grande centro manufatureiro no mundo? É a Ásia, ninguém compete em produtos manufaturados com eles, mesmo com a taxa de câmbio melhor. Então aqui tem que ter um certo controle das importações, mesmo disfarçado. Mas como, por outro lado, eles são realmente os maiores demandantes de matérias-primas, hoje, sobretudo para a América do Sul, Brasil, Argentina, Chile, isso faz uma diferença cavalar.

E dumping [venda abaixo do valor] de produtos chineses?

A China não está tendo o sucesso que está por causa de dumping, é por causa da política inteira. Se houver dumping é feito pelas multinacionais que lá estão, porque, ao contrário do Japão, a China não fez restrições a que na área exportadora entrassem as multinacionais.

Você não pode deixar de levar em conta que mudou a divisão internacional do trabalho. Paradoxalmente, não vejo muita gente mencionar isso. Houve uma mudança radical da divisão internacional do trabalho, na qual nós estamos bem colocados porque a gente exporta para todo mundo. E, em particular, no que diz respeito a matérias-primas, exportamos mais para a China do que para a Europa, por exemplo. Nunca exportamos matérias-primas para os EUA.

Mas a China também pode competir com os produtos industriais brasileiros em terceiros mercados.

Ela pode competir com quem ela quiser. Claro que temos que nos precaver. Por que a tendência hoje entre países em desenvolvimento é de acordos bilaterais, quando sempre fomos multilateralistas? É porque o comércio multilateral está de pernas para o ar. A crise americana arrebentou com o sistema todo, com o sistema monetário, o sistema de comércio internacional.

Estamos num período de transição, no qual acho que o Brasil tem chance. Ter uma disponibilidade de recursos naturais como nós temos, que vai da água ao petróleo, não é qualquer país que tem. Isso ajuda, ao contrário de antes. Não estamos baseados no café, mas numa pauta totalmente diversificada. E a coisa do pré-sal vai ajudar.

Quando teve o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, com o Geisel (1975-1979), ele tentou dar um salto qualitativo tecnológico.

Tentou, e nós começamos a exportação de manufaturas para valer.

Mas o Brasil ainda tem dificuldade de desenvolvimento tecnológico, por exemplo em computadores.

Tem menos do que tinha na época. No Geisel, ainda estávamos começando e a área de computadores fracassou. O projeto Cobra foi um desastre. Aí só avançamos na área bancária, temos a mais desenvolvida em matéria de computação do mundo. Estamos com tecnologia avançada em aviões, em perfuração de petróleo, o que não é pouca porcaria.

Mas em relação à competição chinesa em informática, máquinas?

O que tem que entender é que a China é um híbrido. Não pode ser considerada mais um país em desenvolvimento, mas tem uma área subdesenvolvida, com uma população gigantesca, no campo. A China ainda tem que caminhar para dentro, desenvolver o mercado interno. Mas ela tem um solo esgotado. Ao contrário da mudança de centro [capitalista] da Inglaterra, que não tinha produtos primários, para os EUA, que tinham, o que levou ao fim do modelo primário-exportador na América Latina, a China vai ter décadas ainda importando produtos primários, tanto na parte alimentar quanto na de minério e petróleo. Para nós está bom.

Mas quando se fala do risco de desindustrialização...

É por causa das importações e do câmbio. O resto quem fala está fazendo blá-blá-blá, porque toda a indústria está aí ainda.

Mas um argumento é que a indústria é que dá emprego de qualidade para os jovens, e não o setor primário.

Não é verdade. Os empregos de qualidade costumam ser no setor terciário, nos bancos e nos serviços de utilidade pública. Pelo lado do emprego eu não estaria preocupada. Estamos com problema de desemprego estrutural, mas devido à pobreza. Com uma política de combate à pobreza e com uma política de educação você repõe as bases de um país desenvolvido. Desta vez, acho que a maldição do [Celso] Furtado, que era desenvolvimento junto com subdesenvolvimento, pode terminar.

Na indústria, a parte de capital estrangeiro em geral não faz desenvolvimento tecnólogico, traz da matriz, o que é um problema. Mas, como a divisão internacional do trabalho está mudando, também há a tendência de adaptar produtos a cada mercado em que as empresas estão instaladas.

Quanto à indústria nacional, o Ministério de Ciência e Tecnologia e a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] continuam fazendo o que podem para fazer semeadura de tecnologia, sobretudo na pequena e na média empresas. O BNDES faz também para a grande empresa, até porque ninguém acredita que seja possível competir lá fora sem isso. Se não tivéssemos tido avanço tecnológico em aços especiais, claro que a Gerdau não estaria com filiais até nos EUA.

Eu tenho trabalhado na questão da internacionalização do capital, e tenho a impressão que por esse lado não estamos tão mal. O nosso problema é fechar a brecha entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento nosso, que é menos problema do que para a China e para a Índia.

São situações muito díspares. Não tem centro e periferia como antes. Tem países de desenvolvimento intermediário, entre os quais estamos. A Rússia sim desmantelou a indústria toda. Só exporta gás e petróleo. Isso é que é uma situação ruim. Está lá no Bric [Brasil, Rússia, Índia e China] um pouco fora de propósito.

A discussão agricultura versus indústria é datada, do pós-Segunda Guerra. Ninguém vai fazer uma opção por um outro. Precisa de agricultura familiar, de agrobusiness, da indústria de transformação.

Agora, estou de acordo que, na indústria eletroeletrônica, por causa da Zona Franca de Manaus, montamos uma fábrica de montagem e não avançou ainda. Mas vai avançar, não tem dúvida. Até porque o BNDES tem política setorial, como na farmacêutica e na química.

E a acusação de que o governo Lula escolhe as empresas beneficiadas?

Política industrial só horizontal não vai para lugar nenhum. Tem que continuar as horizontais, mas tem que fazer as setoriais. Se não escolher setores e empresas, não avança. Não estamos num mundo de concorrência perfeita. Estamos num mundo monopolista. Se não tiver grande empresa aqui, não vamos para lugar nenhum.

O período do livro é caracterizado como a "modernização conservadora" do Brasil. O Brasil ainda vive esse fenômeno ou pode acertar contas nesse ponto?

A parte da modernização conservadora que diz respeito ao grande capital, bancário, industrial, uma parte das construturas, vive. Grande capital é grande capital, está pouco se lixando para ideologia. É conservador no sentido de que não teve uma democratização da propriedade.

Não teve reforma agrária.

Tem que terminar, com a pequena produção agrícola independente, e a pequena e a média empresas com tecnologia e apoio. Essa ideia do cartão BNDES, que aliás foi o Lessa que inventou, com o qual se pode pedir R$ 1 milhão para fazer uma padaria, montar uma pequena empresa. O Lessa botou o BNDES outra vez no espírito de ser um banco de desenvolvimento. No governo de Fernando Henrique, era só um banco da privataria. Só não foi ameaçado porque tem a indústria que demanda recursos.

A senhora está otimista, então?

Pela primeira vez na história do Brasil não há uma crise da dívida externa. Em segundo lugar, voltamos a usar o BNDES, desde o começo do governo Lula, para promover o desenvolvimento. A coisa social mudou também radicalmente. Consolidou-se a inflação baixa, não precisa ter taxa de juros lá em cima para que ela caia. Está estabilizada.

Isso muda tudo, porque a inflação é uma praga para os salários. O pessoal da esquerda não levava isso em conta, o que era uma asneira. Com inflação, nenhuma política salarial resolve. Lembra que tinha indexação dos salários e a inflação corria na frente.

Estamos numa situação bem melhor do que nunca estivemos desde a década de 30. E também com estabilidade política, por mais que façam esse banzé. Se você afirmou a democracia, se está afirmando as políticas sociais, se está continuando a política industrial, eu estou otimista, pela primeira vez, para dizer a verdade, porque em geral sou pessimista. Espero não me equivocar, mas, também, se me equivocar não vou estar viva para ver.

E como a sra. vê a situação dos EUA?

Estou com os keynesianos de lá, como o [Paul] Krugman. Acho que fizeram pouco e mal feito. Mas isso não é culpa do presidente. Ele tem um Congresso desvairadamente conservador.

Isso sim me preocupa [no Brasil]. O pessoal só presta atenção na eleição para a Presidência, mas é importante ver o Congresso. Vamos ver se dá um Senado um pouco melhor, mas de qualquer maneira a capacidade de negociação continua. Nisso o velho [economista ortodoxo Otavio Gouveia de] Bulhões [1906-1990], meu mestre antigo, tinha razão, que o Executivo é mais forte, mas para fazer reformas tem que passar pelo Congresso.

Algumas coisas, como reforma tributária e política, dependem do Congresso, e em geral os congressistas não querem mudar o status quo. São reformas que eu vejo que são importantes, e que o Congresso provalmente vai continuar no chove não molha. Vamos ver se a gente consegue.

Mas a reforma tributária deve reduzir a carga como proporção do PIB ou a natureza dos impostos?

Como vai mudar a carga sobre o PIB, com as demandas de política pública que você precisa fazer? Não, tem que mudar a carga mal distribuída e a estrutura dos tributos, que é muito complexa, muito atrapalhada. Continua aquela briga entre os Estados sobre o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias].

Hoje o Lula já sacou que precisa fazer aliança nos dois sentidos, com o PMDB para uns fins e com os partidos minoritários da esquerda para o outro. Acho que não está tão difícil como já esteve.

Mas a sra. acha que, qualquer que seja o sucessor do Lula, vai ter o jogo de cintura dele?

Qualquer que seja é problema seu. Eu acho que já está decidido. Mas pode ser de novo que eu esteja otimista demais. O fato é que, com Dilma ou Serra, haverá o mesmo problema no Congresso, essas duas reformas serão difíceis. Depende de quem eles botarem para ser o negociador com o Congresso.

Evidente que a capacidade do Lula ninguém vai ter mais neste país, porque o único com capacidade semelhante foi o Vargas. Acabou mal, coitado, o que não é o caso do Lula, que negociou durante oito anos e está terminando muito bem. Isso também é uma novidade. Você já viu algum presidente que veio do povo como esse, apesar de todos os percalços e denúncias, ter conseguido isso? Além do fato de hoje o Brasil estar no cenário internacional graças a ele.

São coisas que, para mim, marcam uma mudança e uma transição. Estou convencida de que estamos numa transição e que efetivamente, ganhe quem ganhe, não vão arrebentar com o Brasil, embora eu prefira a Dilma porque conheço o caráter progressista dela e o Serra ficou mais conservador.

sábado, 11 de setembro de 2010

Entrevista - Andrea Fumagalli

Os impactos da financeirização sobre o sujeito


Economista italiano Andrea Fumagalli, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Doutor em Economia Política, Fumagalli é professor no Departamento de Economia Política e Método Quantitativo da Faculdade de Economia e Comércio da Università di Pavia, Itália. Fonte: UNISINOS



IHU On-Line - Por que considera a financeirização como uma forma de biopoder?

Andrea Fumagalli - No paradigma atual do capitalismo cognitivo, os mercados financeiros, longe de serem o local de rendimento parasitário improdutivo, são o motor da economia. Eles representam o lugar onde valoriza-se, ao mesmo tempo, a produtividade intangível e cognitiva e executa-se a privatização dos serviços sociais. Canalizando de modo forçado parte crescente da renda do trabalho (pensões e indenizações, além de renda que, por intermédio do estado social, traduzem-se nas instituições de proteção da saúde e da educação pública), substituíram o Estado como segurador social. Desse ponto de vista, representam a privatização da esfera reprodutiva da vida. Exercitam, portanto, o biopoder. Os mercados financeiros, assim, assumem o lugar do antigo estado de bem-estar keynesiano e levam a cabo as formas indiretas de redistribuição do capital para o trabalho, gerenciando de modo direto e distorcido as quotas crescentes de rendimento do trabalho que ali são canalizadas de forma mais ou menos forçada. Enquanto isso, as grandes instituições financeiras multinacionais são hoje organizações que valorizam "indiretamente" a acumulação da produção mundial, assim como no paradigma fordista os lucros das grandes multinacionais manufatureiras foram o espelho das relações de força entre o capital industrial e o trabalho assalariado.

Os mercados financeiros — por meio dos índices de mercado — representam, em resumo, um tipo de multiplicador real da economia, e neles condensam-se todas as expectativas dos grandes operadores econômicos. Não é por acaso que, na década passada, os bancos centrais fizeram depender as escolhas de política monetária (taxas de juro e a oferta de moeda corrente), em função do objetivo de estabilizar a dinâmica dos mercados financeiros, com a esperança — totalmente ilusória — de limitar as oscilações e a volatilidade. Além disso, com o advento do capitalismo cognitivo, o processo de exploração perde a unidade de medida quantitativa ligada à produção industrial. Tal medida foi, de alguma forma, definida pelo conteúdo do trabalho necessário para a produção de mercadorias, medida pela tangibilidade da produção própria e pelo tempo necessário para a produção.

Com o advento do capitalismo cognitivo, a valorização tende a engajar-se nas várias formas de trabalho, que tragam as horas de trabalho efetivamente autorizadas para coincidir sempre mais com o tempo de vida. Hoje, o valor do trabalho na base da acumulação capitalista é também o valor do conhecimento, dos afetos e dos relacionamentos, do imaginário e do simbólico. O êxito dessas transformações biopolíticas é a crise da medida tradicional do valor-trabalho e, com ela, a crise da forma-lucro. Uma possível solução "capitalista" era medir a exploração da cooperação social e do intelecto geral por intermédio da dinâmica dos valores de mercado. O lucro transforma-se assim em renda, e os mercados financeiros tornam-se o lugar da determinação do valor-trabalho, o que se transforma em valor-finança que não é outro senão a expressão subjetiva da expectativa dos lucros futuros realizados pelos mercados financeiros que acumulam, desse modo, um rendimento. É esse o biopoder das finanças contemporâneas.

IHU On-Line - Em que sentido a crise das finanças é crise de governança financeira do biopoder atual?

Andrea Fumagalli - A crise de governança socioeconômica com base no papel dos mercados financeiros tem duas origens. A primeira diz respeito ao fato de que a atual crise financeira marca o fim da ilusão de que o financiamento pode constituir uma medida de trabalho, pelo menos no contexto atual de fracasso da governança cognitiva do capitalismo contemporâneo. Assim, a crise financeira é também uma crise do desenvolvimento capitalista.

A segunda está na instabilidade estrutural do capitalismo atual, o que não pode ser sanado com ações corretivas de natureza reformista. Na presença de ganhos de capital, os mercados financeiros desempenham no sistema econômico o mesmo papel que, no contexto fordista, desempenhava o multiplicador keynesiano (ativado por gastos deficitários). No entanto — ao contrário do multiplicador keynesiano tradicional — isso leva a uma redistribuição destorcida de renda. Para que tal multiplicador seja operativo (> 1), é necessário que a base financeira (ou seja, a extensão dos mercados financeiros) esteja constantemente aumentando e que os ganhos de capital acumulados sejam, em média, superiores à perda do salário mediano (que, a partir de 1975 em diante, foi de aproximadamente vinte por cento). Por outro lado, a polarização das rendas aumenta o risco de insolvência das dívidas que estão na base do crescimento da mesma base financeira e reduz o salário médio. Aqui, então, abre-se a primeira contradição que faz com que a governança socioeconômica dos mercados financeiros, por intermédio da distribuição dos ganhos de capital, possa ser sustentada ao longo do tempo.

Endividamento crescente

A crise da governança não é apenas uma crise "técnica", mas é também, e sobretudo, uma crise "política". A condição para que os mercados financeiros possam apoiar as fases de expansão e de crescimento real seria o aumento constante da base financeira. Em outras palavras, é necessário que a quota de riqueza mundial canalizada para os mesmos mercados financeiros cresça constantemente. Isso implica um contínuo aumento da relação entre débito e crédito ou por meio do aumento do número de pessoas endividadas (grau de extensão dos mercados financeiros) ou por meio da construção de novos instrumentos financeiros que se alimentam do comércio financeiro já existente (o grau de intensidade mercados financeiros). Os produtos derivados são um exemplo clássico dessa segunda modalidade de expansão dos mesmos mercados financeiros. Sejam quais forem os fatores considerados, a expansão dos mercados financeiros é acompanhada necessariamente seja pelo aumento do endividamento, seja pelo aumento da atividade especulativa e dos riscos envolvidos. Trata-se de uma dinâmica intrínseca ao papel dos mercados financeiros como a pedra angular do capitalismo cognitivo.

Falar sobre a especulação excessiva para a ganância dos gestores ou dos bancos não tem absolutamente nenhum sentido e só pode servir somente para desviar a atenção das verdadeiras causas estruturais dessa crise. O resultado final é, necessariamente, a insustentabilidade de um endividamento crescente, especialmente quando começa a ficar endividada parte da população com maior risco de insolvência: exatamente aqueles estratos sociais que, devido à precariedade dos processos de trabalho, não estão em condições de desfrutar daquele “efeito riqueza” que a participação nos ganhos do mercado de ações permitia aos estratos sociais mais abastados.

Nó contraditório

A crise de inadimplência no crédito imobiliário tem, assim, a sua origem em uma das contradições do capitalismo cognitivo contemporâneo: a natureza irreconciliável de uma distribuição desigual de renda com a necessidade de alargar-se a base financeira para continuar a desenvolver o processo de acumulação. Esse nó contraditório não é outro senão o vir à luz de uma irredutibilidade (superavit) da vida de boa parte dos atores sociais para subsunção (eles são fragmentados em singularidade ou definíveis nos segmentos de classe). Um superavit que hoje se expressa em uma multiplicidade de comportamentos (das formas de infidelidade às hierarquias corporativas, à presença de comunidades que se opõem à governança territorial, ao êxodo individual e grupal dos ditames de vida impostos pelas convenções sociais vigentes, até ao desenvolvimentode formas de auto-organização no mundo do trabalho e da revolta aberta contra novos e velhas formas de exploração nas favelas das megalópolis do Sul do mundo, nas metrópoles ocidentais, nas áreas de maior industrialização recente no sudeste da Ásia como na América do Sul). Um excedente que pode ser encontrado, declarando em uníssono, nos quatro cantos do planeta, que não está disponível para pagar por essa crise. A instabilidade incurável do capitalismo contemporâneo é também o resultado desse excedente.

IHU On-Line - Quais são os efeitos dessa crise em termos econômicos e subjetivos?

Andrea Fumagalli - Os efeitos da crise podem ser analisados em diferentes níveis: o macroeconômico e o macrorregional, ou seja, do ponto de vista dos efeitos sobre as hierarquias econômicas mundiais e o nível mais microeconómico e subjetivo relativo aos efeitos sobre a vida dos seres humanos.

Nível macroeconômico

A capacidade dos mercados financeiros para criar "valor" está relacionada ao desenvolvimento de "convenções" (bolhas especulativas), capazes de criar expectativas tendencialmente homogêneas que empurram os principais operadores financeiros a apoiarem determinados tipos de atividade financeira. (Ver A. Orléan, Da Euforia ao Pânico. Pensando a Crise Financeira e Outros Ensaios, Ombre Corte, 2010). Na década de 1990, era a Economia da Internet; nos anos 2000, a atração veio do desenvolvimento de mercados asiáticos (com a China entrando na OMC em dezembro de 2001) e da propriedade imobiliária. Os efeitos devastadores do colapso da bolha imobiliária, em 2008, exigia uma forte intervenção do estado para tapar as lacunas da balança abertas nas grandes instituições bancárias, de seguros e financeiras. O Estado desenvolveu assim o papel de emprestador de última instância, e, consequentemente, a fundo perdido e sem qualquer estímulo ao pedido. É a recessão atual e a forte introdução de liquidez pública, mais que o excesso de despesas públicas, a principal causa do deficit/PIB. Em um cenário similar, estão os países mais dependentes da dinâmica econômica internacional a serem os mais penalizados, ou seja, os países que desempenham o papel de subfornecedores, sem poderem influenciar a trajetória tecnológica dominante. A área do Mediterrâneo está entre eles.

A especulação financeira pretende, assim, desenvolver uma nova convenção, que podemos definir como "Acordo do bem-estar", em que o objeto dessa mesma especulação é diretamente a prosperidade (o bios) dos indivíduos. Dos acordos de tipo setorial à alta intensidade cognitiva (economia de Internet), passando pelas convenções relacionadas ao desenvolvimento de áreas territoriais globais, chega-se, assim, a acordos que têm como objeto as condições de vida e de trabalho dos seres humanos. O biopoder das finanças confirma-se penetrante e cada vez mais direta. A crise europeia e a dificuldade dos EUA. e do Japão evidenciam a capacidade de manutenção econômica demonstrada pelos países do Leste da Ásia e da América Latina (e, em primeiro lugar, do Brasil). A crise atual, portanto, põe em discussão a questão da hegemonia financeira dos EUA. e a centralidade dos mercados de ações anglo-saxões no processo de financiamento. A saída dessa crise, necessariamente, marcará um deslocamento do centro de gravidade financeiro para o Leste e em parte para o Sul (América). Já, em nível produtivo e de controle dos escambos comerciais, ou seja, em nível real, os processos de globalização cada vez mais evidenciaram uma mudança do centro produtivo para o leste e para o sul do mundo. Desse ponto de vista, a atual crise financeira pôs fim a um tipo de anomalia que tinha caracterizado a primeira fase da expansão do capitalismo cognitivo: o deslocamento da centralidade tecnológica e do trabalho cognitivo para Índia e para a China, na presença da manutenção da hegemonia financeira no Ocidente. Quando o desenvolvimento dos países orientais (China e Índia), do Brasil e África do Sul era ainda impulsionado pelos processos de terceirização e subcontratação laboral no estrangeiro ditadas pelas grandes corporações ocidentais, não era possível identificar uma distonia espacial entre as duas principais variáveis de controle do capitalismo cognitivo: o controle da moeda-finança, por um lado, e o controle da tecnologia de outro. A atual crise financeira pôs fim à tal distonia espacial.

O primado tecnológico e o financeiro tendem desde então a se articular também em nível geoeconômico. Resulta que o capitalismo cognitivo, como um paradigma de acúmulo bioeconômico, torna-se hegemônico até na China, na Índia e no Sul do mundo. Isso não significa, seja dito claramente, que eles tenham deixado de ter importantes diferenças também radicais entre as diferentes áreas e os diferentes tempos por meio dos quais se distendem os processos capitalistas de valorização e por meio dos quais se rearticula continuamente a composição de trabalho controlado e explorado pelo capital.Também não é possível, então, estabelecer uma série de conceitos passepartout igualmente aplicáveis em Nairobi, em Nova York e em Xangai. O ponto é, especialmente, que o próprio sentido das diferenças radicais entre as localidades, as regiões e os continentes deve ser recomprimido dentro da rede heterogênea de sistemas de produção, de temporalidade e experiências subjetivas do trabalho, que constituem o capitalismo cognitivo.

Nível subjetivo e microeconomico

Os principais efeitos microeconômicos preocupam-se com a dinâmica do mercado de trabalho. As crises econômicas raramente produzem processos de transformações sociais, especialmente rebeliões. E frequentemente são utilizadas como uma gazua para iniciar o processo de reestruturação, também nos contextos em que não seriam justificadas. O resultado final, na verdade, é um aumento da insegurança, habitualmente justificada pela necessidade de combater o desemprego crescente. Se, depois de tudo isso, vêm unidas a políticas econômicas fiscais recessivas (como está acontecendo na Europa), ao agravamento das condições de trabalho e renda, também se adiciona o desmantelamento dos serviços sociais e a privatização da vida. Aqui estão as principais tendências:

• Uma vez terminada a fase decadente e recessiva do PIB, na atual fase de estagnação, o mercado de trabalho torna-se ainda mais flexível.

• Nesse contexto, a crise evidencia o grau e a intensidade da insegurança.

• Favorece-se relativamente a inserção de trabalhadores jovens (que são mais baratos e mais fáceis de serem demitidos) para substituir os de mais de quarenta anos com contratos de trabalho estáveis. Aumenta-se assim o problema dos acima de quarenta sem trabalho.

• Acentua-se o processo de terceirização, o que facilita ainda mais o processo de insegurança. Além disso, a quota de contratos atípicos aumenta também na indústria. A precariedade é condição comum, mesmo que prevaleça no setor de serviços.

• É penalizado o emprego das mulheres e interrompe-se o processo de feminização do trabalho.

• Não admira que o trabalho migrante venha ulteriormente penalizado, por meio da expulsão do mercado de trabalho.

• Em conclusão, o/a trabalhador/a migrante é diretamente dispensado, o/a trabalhador/a indígena, primeiro, é tornado inseguro e só sucessiva e eventualmente demitido.

IHU On-Line - Como podemos compreender a alienação e as doenças enquanto efeitos dessa financeirização e biopoder?

Andrea Fumagalli - Nos últimos vinte anos, o processo de mercantilização da vida (da bios) deu passos gigantescos não só do ponto de vista tecnológico (por exemplo, o desenvolvimento da genética e da biotecnologia), mas também no que respeita à subsunção das atividades culturais, criativas e ambientais. O processo de "remodelação" interessou às estruturas espaciais-urbanísticas das grandes cidades, modificando de modo estrutural a relação centro-periferia. A atividade cultural que é relacional, tornou-se uma fonte de valorização. A condição feminina e a atividade de reprodução tornaram-se paradigmas da condição econômica e precária da pós-modernidade. Tal processo teve repercussões graves para a saúde do gênero humano.

A crescente privatização dos serviços de saúde aumentou a governança biopolítica das instituições econômicas sobre o corpo humano, tanto do ponto de vista físico quanto do mental. Em termos de corpo físico, está se ampliando no mundo uma divisão social e geográfica entre os que têm acesso à medicação e ao tratamento, e os que não o tem. A instituição pública não é mais uma garantia da saúde pública, assim como tinha evoluído na Europa tecnocrática do século passado no sentido foucaltiano. Da mesma forma, o desenvolvimento da divisão cognitiva do trabalho, graças aos processos de desmantelamento da educação e da sua privatização, determina novas segmentações sociais com base na possibilidade de acesso aos diferentes níveis de ensino, muitas vezes em detrimento do desenvolvimento de uma abordagem cultural crítica e sistêmica.

Hoje, a alienação do corpo tende a tornar-se cerebral. Reduziu a separação entre as atividades manuais (o braço) e a atividade intelectual (o cérebro), entre o processo de trabalho e o produto do trabalho, mas cada vez mais, uma vez que o cérebro se tornou máquina, desenvolveu-se uma alienação cerebral, totalmente interna ao próprio processo de trabalho e à vida humana. A alienação cerebral produzida de maneira sofisticada por causa do controle social é o instrumento de domínio do biopoder atual.

IHU On-Line - Como esse biopoder e financeirização impactam na constituição do sujeito e sua autonomia?

Andrea Fumagalli - O impacto da financeirização sobre o sujeito é, ao mesmo tempo, um impacto de chantagem e medo, mas também de um consenso: chantagem de uma necessidade em um contexto de trabalho cada vez mais individualizado e precário (também do ponto de vista existencial), o consenso do imaginário estereotipado veiculado pelo sistema de informação e de comunicação simbólico (considera-se o papel dos meios de comunicação como o Facebook e a Internet, bem como o processo de atribuição de marca do consumo). A autonomia pessoal é hoje, de longe, muito mais limitada do que há trinta anos, nos dias de trabalho na fábrica. A divisão entre o tempo de trabalho e o tempo de não trabalho poderia ser traduzida (não automaticamente) também na separação entre coerção e liberdade potencial. Uma vez terminado o horário de trabalho, a disciplina do trabalho (principalmente no corpo físico) acabava em favor de outras estruturas disciplinares (família, gênero, escolaridade, raça etc.), embora menos difundidas sobre a mente humana a respeito das formas de controle e condicionamento social que hoje parecem prevalecer, quando as faculdades cognitivas são os principais fatores produtivos.

A autonomia individual resulta muito limitada e reprimida. È paradoxal que, na era da ideologia do indivíduo livre, o que vem reprimido é a individualidade em favor do individualismo. E sabemos bem que, entre a individualidade entendida como expressão potencial dos seus próprios talentos criativos e humanos e o individualismo como comportamento oportunista e egoísta, há uma bela diferença. Hoje, a negação da individualidade (e da sua autonomia) é expressa exatamente com a exaltação do individualismo.

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