quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Valéria Silva

As juventudes, o #contraoaumento e a política dos novos tempos






Valéria Silva é Doutora em Sociologia Política. Professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia-PPGAArq-UFPI. Membro do Núcleo de Pesquisa sobre Crianças, Adolescentes e Jovens-NUPEC-UFPI.



Teresina experimenta um momento ímpar, porém, já vivido por outras capitais brasileiras. As manifestações juvenis contra o aumento da passagem do ônibus dos últimos dias têm-se constituído num cenário político particular da vida da cidade, conferindo-lhe rotinas e dinâmicas inéditas. O movimento só encontra similares nos idos dos anos 80 quando os estudantes ocuparam quase as mesmas ruas e praças denunciando a opressão do regime militar.

O movimento pelo transporte poderia ser analisado por vários ângulos, posto que pleno de sentidos sociais, políticos, culturais, econômicos. Aqui priorizo olhá-lo pelo enfoque político,dimensão através da qual os atores implicados mais fortemente se puseram em cena, dando corpo à disputa de interesses variados.

Primeiramente, entendo que as manifestações ocorridas, embora com existência própria e marcadas por especificidades, não podem ser vistas apartadas do Movimento Passe Livre-MPL, há algum tempo, campo de militância de alguns segmentos estudantis do Brasil. Vejo estreita correspondência entre a cultura política consolidada nas manifestações do MPL de Salvador, de Florianópolis e outras capitais e os contornos obtidos pelo #Contraoaumento de Teresina. Existe um nexo, um fio que articula a luta dos jovens e penso, inclusive, que é desse ponto de vista que deve ser olhado, por exemplo, o significado político maior da demanda básica da luta posta na rua: a redução do preço da passagem do ônibus.

Demandar o direito de não pagar a passagem - ou de ter o seu preço estabelecido em patamares toleráveis - remete-nos imediatamente a um direito civil básico do pacto social estabelecido numa democracia, que é o direito de ir e vir. Nossa Constituição Federal consagra como livre o direito de locomoção. Sabemos, por outro lado, que na realidade das grandes cidades, das sociedades complexas a operacionalização desse direito implica em que uma série de condicionantes seja atendida, tais como a indispensável disponibilidade de meios para torná-la possível quando a locomoção situa-se para além da capacidade física de cada um. Desse modo,questionar o preço da passagem é, antes, questionar até que ponto a fruição deste direito se mostra real, factível nos termos vivenciados em nossa sociedade; é questionar a existência concreta da suposta liberdade de ir e vir.

Um segundo desdobramento diz respeito aos principais atores da reivindicação, os estudantes. O movimento parece deixar entender que as juventudes estudantis, tomadas pela sociedade como responsáveis pela continuidade social, demandam nas ruas que o alto custo do preparo dessas novas gerações deixe de ser administrado individualizada e arduamente pelas famílias. Que a tarefa passe a ser também do Estado, responsável pela gestão dos bens e serviços financiados publicamente, e de alguns setores da sociedade, os quais acessam as maiores parcelas da riqueza social, no caso, o empresariado do setor. O corolário da atitude é a desconstrução do entendimento naturalizado de que a formação daqueles que nos substituirão coletivamente é de responsabilidade exclusiva do núcleo familiar.

Na luta empreendida, os jovens apontam modelos de política que viessem a atender suas necessidades atuais: negam para si a assunção do ônus do transporte por se reconhecerem sujeitos de direito quanto à proteção que o Estado brasileiro os promete em discursos e textos legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA. Recusam as saídas paliativas para a problemática vivenciada, como as políticas públicas compensatórias, como o bolsa-família, ou repressoras, como as tais medidas sócio-educativas. Reivindicam mais a liberdade de trânsito na cidade do que as condições para pagarem o cobrado pelo empresariado, mais a oportunidade de freqüentar a escola de qualidade do que vagas em empregos/trabalhos precoces, precarizados e vazios de sentido.

As juventudes parecem cobrar das instituições o cumprimento cabal de suas responsabilidades, aclarando os campos de luta e rompendo, nesse sentido, a perspectiva de adequação à política hegemônica de Estado. Desse modo, assumem-se como pessoas em formação e afirmam, na participação política de resistência, a condição de sujeitos dos seus próprios destinos.

Por outro lado, os jovens passaram a colocar sob suas miras o capital. A cobrança direta que fazem dos setores privados introduz aos levantes uma característica nova em relação aos movimentos sociais juvenis de décadas atrás, os quais focavam apenas o Estado como interlocutor e adversário político. Adotar, numa luta concreta, o capital como adversário direto coloca o movimento pelo transporte em aproximação com os movimentos juvenis mundiais contemporâneos,os quais – organizados sob as mais diferentes maneiras – se insurgem contra outras expressões do capital, presentes nesse novo mundo que povoamos. O enfrentamento de questões relativas à exclusão social, tão crônicas e triviais para nós, no Brasil e no Piauí, se expressa nas ruas a partir de uma nova leitura, extensiva ao coletivo local e estimulada pelos movimentos mundiais e nacionais de resistência ao capital sem pátria e igualmente virulento.

Até onde consigo ver, os agentes privados têm decodificado perfeitamente o sentido das lutas e têm organizado sua reação à altura do risco urdido pela audácia juvenil. Só por essa razão poderemos compreender a força repressiva que se alastra sobre os jovens de Teresina e do Brasil afora. É a defesa intransigente de um território comum e “intocável”, onde estão blindados políticos e seus interesses eleitorais x empresários beneficiários de gestões apartadas dos interesses sociais básicos, ambos orquestrando a manutenção do establishment.

As juventudes na rua operam uma síntese potente entre o novo e o velho, ao tempo em que desenham um presente/futuro onde nos substituem/substituirão confiantemente. Para quem acreditava que os jovens estavam “mortos” fica a reflexão: novos tempos, novos sujeitos, novas lutas.

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