domingo, 23 de outubro de 2011

Entrevista - Paulo Nogueira Batista Jr


'Ortodoxo', Nogueira Batista defende disciplina fiscal
A entrevista com Paulo Nogueira Batista Jr é de Assis Moreira, e foi publicada pelo jornal Valor, 18-10-2011.
Fonte: UNISINOS

Dá para escapar de nova recessão global?

O quadro hoje nos países desenvolvidos é de recessão, estagnação ou crescimento muito lento, com desemprego alto. E nos emergentes há uma desaceleração do crescimento, mesmo na China. Uma nova recessão mundial é possível, mas não é inevitável.

A China caminha para aterrissagem forçada?

Há um risco. Mas há 20 anos que escuto falar de risco de aterrissagem forçada da China e não aconteceu. Há vulnerabilidades na China, sim, no sistema financeiro e parece haver bolhas importantes nos mercados imobiliários. Mas o que está aparecendo são sinais de uma certa desaceleração. E como há inflação mais alta do que havia há dois, três anos, é difícil imaginar que a China possa responder à desaceleração interna e mundial com um impulso tão forte como o que ela deu em 2008 como parte da reação à crise global. A China está numa posição forte e, comparado a países desenvolvidos, então, nem se fala. Mas também tem menos munição do que tinha em 2008-2009. A escassez da munição é muito mais nítida na Europa, nos EUA, mas também se nota no caso da China. O impacto [para o Brasil] depende do tipo e da extensão do problema chinês. Se for desaceleração muito forte, vai afetar commodities. A China é nosso maior parceiro comercial e nossas exportações são sobretudo de commodities.

O cenário se deteriora, mas o Ministério da Fazenda projeta crescimento maior, de 5% em 2012, no Brasil. Quais ajustes são necessários para isso?

É importante que o Brasil tenha uma competitividade internacional mais forte. É bem vinda uma certa depreciação cambial, que começou a ocorrer com essa turbulência, desde que não seja muito rápida. A competição entre os países no mercado internacional vai se intensificar com o agravamento da situação mundial e vamos precisar de mecanismos eficazes de defesa contra concorrência desleal e subsídios abusivos. O Brasil já está caminhando nessa direção.

E no plano macro?

No plano macro, é importante o Brasil mudar sua 'policy mix', reduzir gradualmente a taxa de juro que vai ajudar inclusive as finanças públicas e o câmbio, empurrar o câmbio no sentido de uma certa depreciação. Mas, para que isso seja viável, é importante manter uma política fiscal muito disciplinada. Muitas vezes se diz no Brasil e em outros lugares que ajuste fiscal é politica ortodoxa. Pode ser, quem quiser use esse adjetivo. Mas é importante que se entenda que a única forma de o Estado nacional ficar independente dos mercados é controlando seu déficit e sua dívida.

Isso é o que diz François Hollande, o candidato socialista a presidência da França, que é chamado de "esquerda mole".

Ah, é? Eu não sabia. Mas é a grande realidade. Se o Estado nacional tiver déficit alto, dívida alta, cai nas mãos dos mercados. É indispensável que o Estado tenha controle de suas contas para ter raio de manobra, para fazer políticas sociais, distributivas, de investimento e desenvolvimento. Se quiserem chamar isso de ortodoxo, chamem, mas o importante é isso. O que não é bom no Brasil é essa combinação de câmbio valorizado e juro alto. Isso deprime a atividade, reduz a competitividade da economia, onera as contas públicas, aumenta o déficit. Se conseguirmos caminhar na direção, como já estamos, de juros mais próximos da média mundial, política fiscal forte, com câmbio um pouco mais depreciado e políticas de defesa comercial e de competitividade internacional, o Brasil pode, sim, continuar crescendo apesar do cenário internacional difícil.

A guerra cambial pode se agravar?

Estamos em plena guerra cambial. Você mora na Suíça, não? Se há seis meses alguém falasse que a Suíça adotaria teto para câmbio com o euro, ninguém acreditaria. Em todos os períodos de grande dificuldade econômica, desemprego alto, a tendência é aumentar a guerra cambial e a comercial. Estamos vivendo os dois fenômenos. Por isso é importante o Brasil ter política cambial competitiva e mecanismos de promoção da competição internacional do país.

O câmbio chegou a R$ 1,95 e voltou a R$ 1,75. É um nível bom?

Não acho que se possa fixar meta para taxa de câmbio. Apenas se você observar o que aconteceu nos anos recentes, o real foi das moedas que mais se valorizou. Isso não foi bom para o Brasil. Só não se valorizou mais porque o Banco Central e o Ministério da Fazenda atuaram várias vezes para conter essa valorização, que mesmo assim continuou. E só agora, com a intensificação da crise na área do euro, houve reversão parcial.

Essa reversão pode continuar?

Se houver uma tranquilização da situação na Europa, com uma cúpula europeia de 23 de outubro e a cúpula do G-20 de Cannes muito bem sucedidas, o cenário mais provável é de volta ao quadro anterior, em que o Brasil vai estar sofrendo de excesso de liquidez. Por quê? Porque todos os principais bancos centrais, inclusive o Banco Central Europeu, estão com políticas monetárias super expansionistas, provendo liquidez abundantemente, com taxas de juros muito baixas, negativas em termos reais. Se a crise aguda for debelada, provavelmente voltará o cenário de o real ser uma moeda atraente. Daí porque é importante uma redução gradativa do juro e manter política fiscal forte.

A Europa mapeou o que fazer para combater sua crise, mas falta decidir. No caso do sistema financeiro, a tendência é de grande contração dos bancos e do crédito?

Pela avaliação que se tem, muitos bancos europeus precisam reforçar seu capital. Se os bancos resolverem responder a essa necessidade vendendo ativos, isso vai provocar contração do crédito e agravar o movimento recessivo que se desenha na Europa. E como a Europa tem importância ainda grande, embora declinante, haverá repercussão internacional. O que se quer é reforçar o capital e não levar os bancos a reduzir ativos. Se vários bancos simultaneamente reduzirem ativos, o efeito será forte.

Que impacto essa situação dos bancos europeus pode ter no Brasil?

Fatalmente, uma crise na Europa tem efeito em partes do mundo, inclusive no Brasil, e no nosso caso o canal é financeiro. O Brasil tem que estar muito atento, e creio que está, para a situação das filiais de bancos estrangeiros no país, inclusive europeus. As autoridades de supervisão bancária têm que acompanhar muito bem esses bancos e acredito que estejam acompanhando com cuidado. Como a situação é muito tensa no mercado bancário internacional, e especialmente na Europa, isso é básico.

A proposta brasileira de reforçar a capacidade financeira do FMI é contestada agora por desenvolvidos. Qual a chance de a proposta decolar em Cannes?

Essa ideia é defensável porque, num momento de crise grave, se os países mostram capacidade de atuação conjunta, é importante e os recursos podem inclusive nunca precisar ser usados. O Brasil passou por muitas crises e uma conclusão que os brasileiros tiraram foi de que numa crise, especialmente financeira, o governo tem que reagir de maneira além do que se espera para conter a crise. Até agora, os europeus têm feito o contrário. É necessário agir rápido. No caso do FMI, existem USS 400 bilhões [para empréstimos], talvez seja suficiente, mas numa situação tão vulnerável seria mais prudente criar uma linha de defesa adicional.

Os recursos adicionais para o FMI seriam da ordem de centenas de bilhões de dólares?

Sim, mas isso tudo tem que ser avaliado. É prematuro falar [em cifras], mas para ter efeito teria de ser um valor expressivo.

Antonio Delfim Netto

Homem e trabalho

Artigo de Antonio Delfim Netto, economista, em artigo publicado no jornal Valor, 18-10-2011.
Fonte: UNISINOS


Uma das construções mais impressionantes de Marx é a sua leitura do papel do trabalho nos "Manuscritos" de 1844, antes dele ter sido seduzido por Ricardo. O trabalho é o processo pelo qual o homem se produz e projeta fora dele as condições de sua existência e a sua capacidade de transformar o mundo.

A organização social em que vivemos é produto de um processo histórico. O homem, ao construir o mundo com seu trabalho, exerce uma pressão seletiva no sentido de aumentar a sua liberdade de expressão, o que exige cada vez maior eficácia produtiva. Há uma evolução simultânea, civilizatória e quase biológica, que amplia o altruísmo e a solidariedade social, exatamente porque a cooperação é mais "produtiva" e libera mais tempo para a expressão criativa do homem.

No atual estágio evolutivo, a sociedade divide-se entre os que têm capital e "empregam" o trabalho em troca de salário, e os que detêm a força de trabalho e só podem utilizá-la "alugando-a" ao capital, em troca de salário. Com as políticas sociais, o Estado do Bem-Estar transformou (transitoriamente!) o sistema salarial alienante de Marx no símbolo da segurança do trabalho. Ele dá, por sua vez, a garantia para o funcionamento das instituições da nossa organização social, particularmente os mercados e a propriedade privada.

Os economistas precisam incorporar, como disse Mauss ("Sociologie et Anthropologie", 1950), que o trabalho é o "fato global". O desemprego involuntário é o impedimento insuperável do cidadão de incorporar-se à sociedade. Por motivos que independem de sua vontade, ele não pode sustentar honestamente a si e à sua família. O desemprego involuntário é o "mal social global"! Não importam as filosofias ou as ideologias. No presente estágio evolutivo da organização social que o homem continua procurando para fazer florescer plenamente a sua humanidade, é a natureza e a qualidade do seu trabalho que o coloca na sua posição social e econômica, que afeta sua situação física e emocional e que determina o nível do seu bem-estar.

É com esse sentido do papel do trabalho, com o qual o homem se constrói e produz um mundo onde tenta acomodar-se numa estrutura social conveniente, que devemos entender os protestos dos "indignados com Wall Street", que se espalham por todo os EUA. Não se trata de "excluídos" sociais (talvez alguns deles o sejam), mas de cidadãos honestos, educados e que até bem pouco tempo tinham a oportunidade de ganhar a sua vida, sustentar a sua família, educar seus filhos, comprar sua casa, realizar, enfim, o "sonho americano", com o qual os EUA venderam o lago azul ao mundo.

É verdade que alguns deles já estão na terceira geração vivendo à custa dos outros, graças à miopia e inércia de um Estado do Bem-Estar distraído, o que faz a força do "Tea Party". Mas é verdade, também, que a renda média do americano não cresce desde 1996 e que a distribuição de renda tem piorado. Nada disso, entretanto, acendeu o fogo. O agente eficiente foi o nível de desemprego de quase 10% por tempo longo e que parece não ter fim. O agente eficiente foi a proteção ao sistema financeiro a cujos responsáveis o governo protegeu de forma abusiva e entregou a execução das hipotecas, à custa de 25 milhões que perderam a âncora social do emprego organizado.

"Ocupar Wall Street" é menos um protesto contra a economia de mercado e seus problemas, do que o profundo sentimento de injustiça social derivado da incapacidade do governo e do Banco Central, que permitiram, sob seus olhos complacentes, a destruição do emprego e do patrimônio de incautos cidadãos, assaltados livremente por um sistema financeiro desinibido com suas "inovações".

O efeito final desse movimento será medido nas eleições de novembro de 2012. A resposta imediata de Washington deve ser pequena a não ser, talvez, acender o espírito de urgência do Executivo e estimular a resistência dos republicanos para continuar a expô-lo como "responsável" pela crise. Mas o desconforto é enorme. O presidente Obama referiu-se a ele ligeira e quase temerosamente. O secretário do Tesouro Geithner empurrou a culpa para o sistema financeiro, que "aumentou as tarifas bancárias em resposta aos novos controles de Wall Street e aumentou a já existente irritação popular contra ele". E o presidente do Fed, Bernanke, com aquela figura de Papai Noel arrependido, limitou-se a afirmar que "as pessoas estão descontentes com o estado da economia. Elas reprovam - e não sem razão - o setor financeiro pela situação em que nos encontramos e estão descontentes com a resposta das autoridades". Que autoridades? Obama, Geithner e Bernanke!

Quando se trata de entender o verdadeiro papel do trabalho, os economistas do "mainstream" saem mal na foto: tratam-no como um "fator de produção", sujeito às leis da oferta e da procura. Por definição não há desemprego "involuntário". Como disse um economista que viria a ser nobelista, o desemprego em massa é apenas manifestação de "vagabundagem da classe trabalhadora".

Na mais recente versão do "The Palgrave Dictionary on Economics" (2008), não há uma entrada para "trabalho". Ela é dissolvida e desidratada em "disciplina do trabalho" e "economia do trabalho", com ênfase no "capital humano". Trata-se do mesmo artigo da 1ª edição (1987), ao qual se acrescentou o apêndice "As Novas Perspectivas da Economia do Trabalho". Tudo muito pobre, técnico, abstrato e sem história, como se a economia de mercado - codinome do atual capitalismo - estivesse escrito no Big-Bang e destinada a nos acompanhar até o fim dos tempos...

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