sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

José Luis Fiori

Os economistas e a crise

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fonte: Agência Carta Maior


Finalmente, no dia 17 de fevereiro de 2009, o presidente Barack Obama sancionou seu pacote de estímulo à economia americana, no valor de US$ 787 bilhões. Uma semana antes, seu secretário do Tesouro, Timothy Geithner, anunciara um outro pacote de medidas que podem chegar aos US$ 2 trilhões, para reativar o crédito e salvar o sistema financeiro americano. Mas, apesar do volume de recursos envolvidos, não se sabe exatamente quando, onde e como serão gastos, nem tampouco se sabe se a sua utilização produzirá os efeitos desejados.

No meio desta confusão, só existem duas coisas que podem ser ditas com toda certeza: a primeira, é que faça o que faça o governo americano, será absolutamente decisivo para a evolução da crise no resto do mundo; e a segunda, que apesar das incertezas, todos os governos envolvidos estão fazendo a mesma aposta e adotando as mesmas políticas de redução das taxas de juros e adoção de sucessivos pacotes fiscais de ajuda ao sistema financeiro e estímulo à produção e ao emprego, além de defender a re-regulação dos mercados.

Muitos consideram esta convergência uma vitória da "economia keynesiana", mas do nosso ponto de vista ela não tem a ver com nenhum tipo de vitória ou derrota, no campo da teoria econômica. Trata-se de uma reação emergencial e pragmática frente à ameaça de colapso do poder dos Estados e dos bancos e, como consequência, dos sistemas de produção e emprego. Foi uma mudança de rumo inesperada e inevitável que foi imposta pela força dos fatos, independente da ideologia econômica dos governantes que estão aplicando as novas políticas "intervencionistas".

Na verdade, o que se está assistindo é uma versão invertida da famosa frase da Sra. Thatcher: "There is no alternative". Só que agora, depois de setembro de 2008, a nova convergência aconteceu sem maiores discussões teóricas ou ideológicas e sem nenhum entusiasmo político, ao contrário do que ocorreu com a grande onda e hegemonia do pensamento liberal-conservador, dos anos 1980/90, que atravessou os planos da vida política, econômica e intelectual das sociedades capitalistas. A teoria econômica ortodoxa não previu e não sabe explicar a crise atual e, assim, não tem nada para dizer nem propor neste momento. São apenas lamentos e exclamações morais contra os "vícios privados" e os "excessos públicos", por consequência, as teses ortodoxas e a ideologia liberal saíram do primeiro plano, mas não morreram nem desapareceram, pelo contrário, permanecem atuantes em todos as frentes e trincheiras de resistência às políticas estatizantes que estão em curso. Uma resistência que tem crescido a cada hora que passa, dentro e fora dos EUA.

Do outro lado da trincheira, quase todos economistas keynesianos interpretam esta crise mundial seguindo o argumento clássico de Henry Minsky (Minsky, P.H., 1975, "The Modeling of Financial Instability: An Introduction", 1974, Modelling and Simulation; John Maynard Keynes, 1975, e "The Financial Instability Hypothesis: A Restatement", 1978, Thames Papers on Political Economy), sobre a tendência endógena das economias monetárias à "instabilidade financeira", às bolhas especulativas e aos períodos de desorganização e caos provocados pela expansão desregulada do crédito e do endividamento, momentos em que se impõe a intervenção pública e a regulação dos mercados. Apesar de suas divergências internas, a respeito de valores, procedimentos e velocidades, todos os keynesianos acreditam na eficácia, e estão propondo uma intervenção massiva do Estado para salvar o sistema financeiro e reativar o crédito, a produção e a demanda efetiva.

O problema é que a teoria de Minsky explica a origem imediata da crise do mercado imobiliário americano, mas não é suficiente para entender e prever a complexidade do seu desenvolvimento posterior. Por isto, os keynesianos também não sabem o que vem pela frente, nem têm como garantir antecipadamente o sucesso de suas recomendações. Neste ponto, existe um paradoxo que em geral é escondido pela teoria econômica: o fato dos keynesianos compartilharem com os economistas liberais uma espécie de "erro liberal invertido" e complementar: os liberais acreditam na possibilidade e na eficácia da eliminação do poder político e do Estado do mundo dos mercados; enquanto os keynesianos acreditam na possibilidade e na eficácia da intervenção corretiva do estado no mundo econômico.

Mas tanto ortodoxos, quanto keynesianos, trabalham com a mesma idéia de um Estado homogêneo e externo ao mundo econômico, que num caso é capaz de se retirar e ficar na porta do mercado, cuidadoso e atento como um guarda florestal, ou então, no outro caso, é capaz de formular políticas econômicas sábias e eficazes a cada nova crise, como um Papai Noel à espera do próximo Natal, para distribuir seus presentes. Por isto, ortodoxos e keynesianos compartilham a mesma posição e a mesma dificuldade liberal de compreender e incluir nos seus modelos e recomendações as contradições e as lutas políticas próprias do mundo econômico. Não conseguem entender, por exemplo, que na origem financeira da atual crise econômica mundial não houve um erro ou "déficit de atenção" do poder público dos EUA, onde a desregulamentação dos mercados financeiros e as "bolhas" ou "ciclos de ativos" cumpriram - nos anos 80/90 - um papel decisivo na financeirização capitalista e no enriquecimento privado, mas também no fortalecimento do poder fiscal e creditício do Estado e da moeda americanos. Como consequência, agora, os passivos que estão realimentando a própria crise não são uma "massa podre homogênea", pelo contrário, eles têm nome e sobrenome, individual, corporativo, partidário e nacional, e envolvem interesses contraditórios que estão travando uma luta ferrenha em todos os planos e instâncias nacionais e internacionais.

O Estado e o capital financeiro americanos foram sócios no fortalecimento do poder político e econômico americano nos década de 80/90, e agora se defenderão à morte a cada novo passo e a cada nova arbitragem que imponha seu enfraquecimento dentro e fora dos EUA. Por isto, esta crise não tem uma solução técnica e não existe possibilidade de um acordo político à vista entre os grupos de poder americanos e entre as grandes potências. Os economistas e as autoridades governamentais de todo o mundo estão num vôo cego. A crise começou como um tufão, mas deverá se prolongar e aprofundar na forma de uma "epidemia darwinista".

(*) Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.

Olgária Mattos

O Leitor

Olgária Mattos é filósofa, professora titular da Universidade de São Paulo
Fonte: Agência Carta Maior




“O Leitor” é um filme sobre o amor em tempos sombrios. Na Alemanha dos anos 1950, Michael, um adolescente, vive um encontro com Hanna, uma mulher mais velha, e passa a ler para ela os livros que estuda na escola. De Homero a Tchekov, de Chardelos de Laclos às aventuras de Tintin, o amor nasce misturado à ficção. Essa “mentira que diz a verdade” é, em “O Leitor”, transmitida, na alternância das gerações, pelo ensino da literatura e seu cânone.

Diversamente da simples convenção, sua exemplaridade preserva, como um dom, “grandes obras”, aquelas capazes de comover e ensinar. Pois “que saberíamos do amor e do ódio, dos sentimentos éticos e, em geral, de tudo o que chamamos de si mesmo”, pergunta Paul Ricoeur, “se isso tudo não tivesse passado à linguagem, articulado pela literatura?”

Grandes obras e grandes autores são aqueles sem os quais o mundo seria incompleto.

Sem despedir-se, Hanna subitamente abandona a cidade; mais tarde, Michael, agora estudante de direito, iria acompanhar os processos dos crimes de guerra, quando a revê, responsabilizada pela morte de prisioneiras judias durante um bombardeio. Aos poucos vão-se esclarecendo as razões da partida e os motivos pelos quais renuncia à defesa. Na época em que os campos de extermínio sucederam aos de concentração, Hanna desiste da fábrica em que trabalha, de onde, por seu desempenho, fôra promovida ao setor de escritório. Como analfabeta e no ímpeto de escondê-lo, resta-lhe o trabalho de carceragem em um Lager de então.

Hanna sente vergonha por não ler. Mas não por temor do desdém ou da humilhação pública. Não sendo externa, essa vergonha decorre do desejo íntimo do mundo mágico do qual está excluída, das fantasias que eternizam as experiências dos homens, resistem ao esquecimento e caminham em sentido contrário ao da morte. Como na obra primeira escrita no Ocidente: a Ilíada e Homero ressuscitaram Tróia da qual até mesmo as ruínas haviam desaparecido.

O amor de Michael permaneceu incólume à passagem do tempo. Seu casamento durou pouco; e a melancolia da perda de Hanna se confronta, agora, com a culpabilidade alemã e o genocídio. Pedida a prisão perpétua, a pena é agravada quando a protagonista aceita a acusação de ter assinado o documento que a incrimina, mas de que não poderia ser autora. Michael não intervém, mesmo quando descobre seu segredo. Nada diz aos acusadores sobre o que poderia diminuir a pena. Na prisão, Hanna é visitada por Micahel, que não deixou de amá-la, mas não consegue aceitar seu comprometimento no campo, no conflito entre o sentimento e a lógica da punição.

Em diálogo com G.Grecco - e no âmbito de uma dificuldade semelhante -Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz, diversamente do personagem, se esquiva em imputar a todos os que viveram esses anos: “sempre me recusei a formular um juízo geral sobre o homem. Mesmo sobre os nazistas. Para mim, o único processo que se pode instruir, e com todas as precauções necessárias, é o dos indivíduos.” De resto era o preconizado pelo professor com quem Michael freqüenta o tribunal.

Hanna não libertou as prisioneiras. Também escolhera, no campo, algumas que teriam a morte adiada, tempo durante o qual liam romances para ela. Sua resposta evocava a “lei do dever”. Como Eichamnn. Este afirmava cumprir ordens e se orientar pelo imperativo categórico kantiano. Considerava-se “culpado diante de Deus, mas não “responsável diante dos homens”; também Hanna diz não ter podido agir de outro modo. Devolvendo,porém, a questão aos juízes pergunta sobre o que eles próprios fariam se estivessem em seu lugar. Michael, ao visitá-la, espera uma retratação que não vem. Indaga se ela nada aprendera com a prisão, a que se segue : “aprendi a ler”.

Nada se aprende em situações de trauma. Choque paralisador da vida, o trauma bloqueia o pensamento. Michael pressupõe a autonomia moral no interior do Lager. Hanna testemunha, ao contrário, que, no campo, a vida se encontra em estado de exceção. Assim, Primo Levi narra ter furtado o chapéu de um outro prisioneiro, quando o seu desaparecera – o que acarretava a pena de morte, sentindo horror por si mesmo. Também os “muçulmanos” dos campos se encarregam do extermínio de outros judeus ao conduzi-los às câmaras de gás. Primo Levi e Hanna revelam que, em Auschwitz, carrasco e vítima confundidos, a violência é nua. No universo concentracionário não há dignidade nem liberdade .

Sem ser compreendida por Michael, tampouco aceita, desfaz-se, para ela, o laço tênue de amor aos livros e à vida. Seu suicídio atesta que, no pós-guerra, as ruínas não são materiais, mas morais e existenciais. Os amantes, fatalizados pelo nazismo, viveram um tempo condenado em que foi “meia-noite na História”.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Frei Betto

Sejamos solidários

Quarta-feira de Cinzas, 25 de fevereiro de 2009

Querido(a) amigo(a),

Quaresma é tempo de partilha e solidariedade. Como muitos sabem, todo ano, nesta época, promovo campanha de apoio a uma obra social que acompanho pessoalmente. São iniciativas idealistas, até heróicas, quase sempre carentes de respaldo do poder público.

Este ano a obra escolhida é a Escola Nossa Senhora do Carmo, em Bananeiras (PB), município que dista 140km de João Pessoa e abriga cerca de 22 mil habitantes. Trata-se de uma escola do e no campo, destinada a famílias de lavradores e pequenos agricultores.

Estive lá em agosto passado. Trata-se de um educandário sui generis: não é privado porque nada cobra dos alunos; não é público porque não é bancado pelo governo. Eventualmente recebe alguma contribuição do poder público, como a inclusão das turmas de EJA (educação de jovens e adultos) em programas do governo federal; a gratificação de professores e técnicos do EJA pelo governo estadual; e, da parte do poder municipal, o salário de uma professora, o transporte noturno e pequena ajuda na merenda escolar.

Eis o que escrevem as religiosas do Carmelo de Bananeiras, fundadoras da escola:

"O objetivo maior da escola é a educação do ser humano como um todo, partindo de sua realidade histórica, atingindo a sua espiritualidade como filho de Deus e seu semelhante, mormente a sua integração no meio social como agente atuante e transformador responsável pelo crescimento comunitário e social.

"Como pertencemos ao Carmelo, cujo estilo de vida é contemplativo e de clausura, essa vida própria das monjas nos impede assumir diretamente esse trabalho no dia-a-dia ao lado dos pobres; por isso contamos com a colaboração do grupo de amigos do nosso Carmelo que, comungando do nosso sonho, assume generosamente, com empenho e responsabilidade, todo o trabalho que a nossa clausura nos impossibilita fazer."

Fundada em 2003, a escola obteve terreno e construção graças a donativos dos irmãos maristas, do MEC, da Fundação Banco do Brasil (BB Educar) e do grupo de amigos(as) do Carmelo. Inaugurada com apenas oito alunos, tendo como sala de aula o acanhado cômodo da casa de um aluno-lavrador, hoje ela abriga cerca de 200 alunos de educação infantil, ensino fundamental e EJA, oriundos de 540 famílias de baixo poder aquisitivo.

A escola funciona nos três períodos, de segunda a sábado; a diretora e algumas professoras trabalham em regime de voluntariado; e atualmente dispõe de telecentro (inclusão digital, extensivo a pessoas da comunidade) e oficinas de arte (desenho, pintura, música, teatro etc). Entre os projetos a serem realizados figuram oficinas de teatro e música; cursos profissionalizantes, para favorecer a geração de renda às famílias dos alunos; e hortas comunitárias segundo os princípios da economia solidária.

O educandário ocupa área de 1.200 m2 com pátio (área de lazer) e cinco salas (diretoria, secretaria, professores, telecentro e leitura); oito salas de aula; quatro banheiros; refeitório e cozinha.

O orçamento de 2008 foi de R$ 141.191,00, assim distribuídos: manutenção R$ 5.400; material didático e expediente R$ 2.976; material de limpeza R$ 1.176; merenda R$ 15.774 (há doações de alimentos das famílias dos alunos); e recursos humanos (23 funcionários) R$ 115.865 (técnico agrícola, cozinheira, coordenador pedagógico etc). Ano passado, as contribuições dos governos municipal e estadual somaram R$ 1.745,00. Não houve contribuição do governo federal.

Em carta ao ex-governador Cássio Cunha Lima - a quem Chico Pinheiro, Ricardo Kotscho e eu temos recorrido em prol da escola, sem até agora obter resposta efetiva -, as irmãs do Carmelo escreveram:

"A procura dos pais por uma vaga na escola tem sido enorme, bem como tem crescido nossas necessidades, tais como:

1) Merenda escolar: distribuída nos três turnos, para muitos se constitui como a única refeição do dia. Por isso, nosso compromisso em lutar para oferecer uma merenda de qualidade que supra as necessidades nutricionais dos nossos alunos. Hoje, temos uma pequena ajuda do município, que não é suficiente para 10 dias, e é doada sem regularidade periódica, embora sejamos sempre gratos por essa ajuda. Este ano (2008), recebemos alimentos duas vezes.

2) Pagamento dos funcionários: na escola temos merendeiras e auxiliares de serviços gerais; algumas recebem gratificações, outras são voluntárias (...); agora temos a necessidade de pagar os professores dos anos finais de ensino fundamental, implantados na escola a partir deste ano (2008) por demanda da comunidade.

3) Transporte Escolar: a escola trabalha com nove comunidades de seu entorno, e grande tem sido a necessidade de um transporte escolar como condução para os alunos; muitas crianças andam uma distância, em média, de quatro quilômetros para chegar à escola, o que no tempo das chuvas se torna um grande transtorno, devido aos lamaçais. Temos dificuldade de levar as crianças para aulas de campo; e os professores para visitas às comunidades, de modo a conhecerem a realidade e o universo dos alunos com quem trabalham. Hoje, temos uma ajuda do município no transporte escolar para os alunos da EJA, mas também de forma irregular; sempre que há eventos municipais não temos transporte; já houve mês de ter menos de 50% por cento da freqüência escolar por conta da falta do transporte.

4) Fardamento: a identificação do alunado torna-se necessidade básica de manutenção.

5) Material didático/expediente e energia elétrica: temos uma despesa mensal em torno de R$ 746,00; fazemos campanha de arrecadação para a manutenção, e nem sempre conseguimos todo o necessário.

6) Material lúdico/pedagógico: temos uma grande necessidade de brinquedos educativos para trabalhar o lúdico na sala de aula, como recurso metodológico.

7) Construção: pela demanda da educação e trabalho desenvolvidos, há necessidade de terminar a construção da escola, onde temos a estrutura pronta para construirmos mais três salas de aula, que seriam destinadas a uma sala de recursos, biblioteca e brinquedoteca. Também há necessidade da construção de um ginásio de esporte; não há nenhum nas proximidades."

Se você se sente sensibilizado por esta obra, qualquer contribuição é bem-vinda, ainda que R$ 1. O valor pode ser depositado no Banco do Brasil, Agência 0527-4; Conta Poupança: Carmelo Sagrado Coração de Jesus/ Escola - número 10059897-8.

Para quem precisa de recibo, entrar em contato com a diretora Profa. Leila Rocha Sarmento Coelho: leilarscoelho@yahoo.com.br ou (83) 93059010.

Se puder divulgar a seus amigos(as), agradeço. Deus lhe pague!

Meu abraço com amizade e paz, e votos antecipados de Feliz Páscoa.


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Entrevista - Plinio de Arruda Sampaio.

Movimentos sociais e criminalização: ‘Quando acende uma luz vermelha é preciso procurar a causa do problema’.


Em entrevista, realizada por telefone, à IHU On-Line, Sampaio fala sobre os movimentos sociais e a criminalização feita pela sociedade e por alguns órgãos públicos que têm o dever de manter a imparcialidade e a justiça igualitária. A ata do conselho superior de uma das reuniões do Ministério Público do Rio Grande do Sul propôs, recentemente, tornar o Movimento dos Sem Terra ilegal.

Plínio de Arruda Sampaio é graduado em Direito, pela Universidade de São Paulo. Participou da Ação Popular, organização católica com orientação de esquerda. Foi relator do projeto de Reforma Agrária, que integrava as Reformas de Base do governo João Goulart. Criou a Comissão Especial de Reforma Agrária e propôs um modelo de reforma que indignou os grandes latifundiários do Brasil. Obteve o título de mestre em Economia Agrícola, nos Estados Unidos, onde se exilou durante a ditadura. Ao retornar ao Brasil, se engajou na campanha pela abertura do regime militar e pela anistia dos condenados políticos. Filiou-se ao PT em 1980, onde foi autor do estatuto do partido. Em 2005, desligou-se do PT e aderiu ao PSOL. É considerado um dos mais respeitados intelectuais de esquerda da Igreja Católica e também um grande defensor da Teologia da Libertação pelo laicato.

Fonte: UNISINOS

IHU On-Line – Os movimentos sociais, até a década de 1990, eram vistos com bons olhos pela sociedade em geral, mas hoje são vistos com ressalvas, tanto que hoje muitas pessoas, aqui no Rio Grande do Sul, aprovam as atitudes da polícia contra essas instituições. Em sua opinião, a que se deve essa mudança de comportamento?

Plínio de Arruda Sampaio – O que está havendo, na verdade, é uma criminalização da pobreza. O fato de haver um aumento da distância entre ricos e pobres está fazendo com que os ricos passem a considerar os pobres como seus inimigos. É uma grande mudança de visão, porque antes se pensava em incorporar os pobres de uma maneira secundária na cultura de consumo de massas. A mudança que acompanha o capitalismo deixa claro que isso não existe mais. Há uma parte da população que não irá se integrar à cultura de consumo de massas, ou seja, está excluída. Então, portanto, ela se tornou uma antagonista dos que estão dentro, o que mudou muito a perspectiva com que o homem integrado com a sociedade via o pobre. Hoje, o rico tende, junto com toda a mídia burguesa, a gerar a idéia de que o pobre ameaça a boa vida que ele leva ou até mesmo a sua vida limitada, mas integrada no sistema.

IHU On-Line – Para o senhor, como pode a sociedade brasileira conviver passivamente quando muitos não têm onde viver ou o que comer?

Plínio de Arruda Sampaio – Esse não é um processo atual, mas um traço da cultura brasileira. Aqui, existe uma sociedade dividida desde a sua fundação entre uma capa de privilegiados com acesso privativo a todas as facilidades, e uma capa de desprivilegiados, de pessoas que ficam à margem de tudo o que significa uma possibilidade de realização pessoal. A sociedade brasileira conviveu com isso a vida inteira e agora assume, dada as novas condições do capitalismo, uma posição mais radical em relação a isso. É uma indiferença absoluta.

Noutro dia, uma mulher foi atropelada no Rio de Janeiro no meio de um viaduto e nenhum dos carros parou. Passaram por cima dela vários carros. É uma situação inacreditável, como também foi o daquele menino que foi arrastado. De modo que essa crueldade é um pouco fruto das novas condições da sociedade.

IHU On-Line – Qual é a sua avaliação em relação ao governo Lula, no que diz respeito os movimentos sociais e suas reivindicações?

Plínio de Arruda Sampaio – Criminalizar os movimentos sociais é um processo mundial. É um pouco síndrome do 11 de setembro, que deu o pretexto porque gerou um medo que faz com que as pessoas se tornem cruéis. Isto é, com medo, as pessoas têm tendência à crueldade. É incrível isso. Assim, uma sociedade medrosa tende a ver os movimentos populares como seus inimigos. Então, ela começa a tomar uma série de medida para criminalizar essas atividades.

IHU On-Line – O que podemos esperar do governo gaúcho, em sua análise, que nomeou Paulo Mendes para o comando da Brigada Militar e que se declarou contrário às manifestações do MST, e em relação ao Ministério Público do Rio Grande do Sul, que convocou uma reunião para tentar declarar ilegal este movimento?

Plínio de Arruda Sampaio – Parece que essa senhora já está sendo chamada de “Crusius Credo” por causa das suas políticas, que são realmente assustadoras. No caso, eu fico muito preocupado com a posição do Ministério Público do Rio Grande do Sul, um ministério público pelo qual eu tinha grande respeito. Eu conheço vários procuradores e promotores que têm realmente uma posição muito boa, muito dentro da lei, das normas da Constituição. De modo que eu acho muito estranha essa ata de uma reunião do conselho superior, tanto que eu escrevi um artigo na Folha de S. Paulo, manifestando a minha estupefação e conclamando os ministérios públicos, inclusive os promotores do Rio Grande do Sul, a não permitir que esse tipo de coisa prospere na instituição.

IHU On-Line – Estamos retrocedendo a algumas práticas da ditadura?

Plínio de Arruda Sampaio – Sem dúvida. Esse é o linguajar da ditadura que a bancada ruralista não eliminou da sua retórica. O discurso continua sendo o discurso rancoroso do tempo da ditadura. Um discurso ameaçador, aterrorizante. E o que nos deixa mais assustado é ver o Ministério Público do Rio Grande do Sul usando esta linguagem, quando na verdade ela já estava descartada do vocabulário das pessoas e das instituições democráticas.

IHU On-Line – O que justifica um órgão como o Ministério Público, que tem o dever de ser imparcial e de estar em harmonia com a Constituição de 1988, trabalhar de forma subjetiva e parcial?

Plínio de Arruda Sampaio – É realmente incompreensível, e é essa a razão do artigo “Uma luz vermelha”, ou seja, atender uma luz de alerta, pois precisamos entender porque isto está acontecendo. Quando acende uma luz vermelha, é preciso procurar a causa do problema. As luzes vermelhas precisam trazer essa ata para um processo crítico e repudiá-la.

IHU On-Line – Como os movimentos sociais podem rearticularam suas relações com a política?

Plínio de Arruda Sampaio – Existem algumas tentativas nesse sentido, mas eu acredito que o fundamental é as organizações populares se unirem todas as vezes em que houver uma exorbitação da autoridade policial, prejudicando alguma corporação. É preciso criar uma solidariedade entre os movimentos sociais, de tal maneira que um golpe que atinja um seja considerado como um golpe que atinja todos. Se as organizações populares se propuserem a tomar isto a peito, eu garanto que teremos logo um novo diálogo com o poder.

IHU On-Line – Diante disso, o que o Ministério Público deveria fazer neste momento?
Plínio de Arruda Sampaio – Eu respeito a instituição, mas acho que ela precisa fazer uma crítica dessa ata e dar uma explicação ao povo do Rio Grande do Sul.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

David Harvey

"Resgatar o capitalismo dos capitalistas e de sua ideologia falsária"

A perspectiva de uma fragmentação da economia global em estruturas hegemônicas regionais, lutando entre si, deveria despertar os dirigentes políticos, levá-los a deixar de dizer banalidades sobre restaurar a confiança e a fazer o que precisa ser feito para resgatar o capitalismo dos capitalistas e de sua falsária ideologia neoliberal. E sim, isso significa socialismo, nacionalizações, diretrizes estatais robustas, força de colaborações internacionais e uma nova arquitetura financeira internacional. A análise é de David Harvey. Tradução: Katarina Peixoto. David Harvey é geógrafo, sociólogo urbano e historiador social marxista. É professor da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY) e autor de vários livros e artigos, dentre os quais se destaca "A Produção Capitalista do Espaço", publicado no Brasil pela Annablume Editora. Vem dando seminários sobre O Capital, de Karl Marx, há 40 anos. Mantém esta página www.davidharvey.org
Fonte: Agência Carta Maior


Não há muitas vantagens em ver a crise atual como uma erupção superficial gerada por derivas tectônicas profundas no dispositivo espaço-temporal do desenvolvimento capitalista. As placas tectônicas agora estão acelerando seu deslocamento, e quase com toda segurança a probabilidade de que crises do tipo da atual, que vem ocorrendo mais ou menos desde 1980 se incrementará, tornando-se mais frequentes e mais violentas. O modo, a forma, a espacialidade e o momento dessas erupções superficiais tornaram praticamente impossíveis de prever, mas se pode afirmar quase com certeza que vão se repetir com frequência e profundidade crescentes. Desse modo, há que se situar os acontecimentos de 2008 no contexto de uma agenda de maior densidade. Que essas tensões sejam internas à dinâmica capitalista (sem excluir acontecimentos danosos aparentemente externos, como uma pandemia catastrófica), é o melhor argumento, segundo disse Marx, “para que o capitalismo desapareça e se abra caminho para algum modo de produção alternativo e mais racional”.

Começo com essa conclusão porque permanece me parecendo vital, para não dizer dramático, como venho dizendo durante anos em meus trabalhos, que a incapacidade para entender a dinâmica geográfica do capitalismo – ou ainda a consideração da dimensão geográfica como algo em certo sentido contingente ou epifenomênico – importa tanto como perder o fio condutor que permite compreender o desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo e perder de vista possibilidades de construção de alternativas radicais. Mas isso levanta uma dificuldade aguda que se acrescenta à análise, porque a tarefa de visar a inferir princípios universais com respeito ao papel da produção de espaços, deslocamentos e contextos ambientais na dinâmica do capitalismo a partir de um oceano de particularidades geográficas, amiúde voláteis, nos enfrenta constantemente. Sendo assim, é o caso de perguntar “como integrar a inteligência dos dados geográficos em nossas teorias da mudança evolutiva? Observemos mais detidamente as derivas tectônicas.

Como será o mundo em 2025?

Em novembro de 2008, pouco depois da eleição de um novo presidente, o Conselho de Inteligência Nacional dos EUA (NCIS, na sua sigla em inglês) publicou suas estimativas délficas sobre como seria o mundo em 2025. E pela primeira vez um organismo norte-americano quase oficial preveria que em 2025 os EUA, ainda que mantivesse seu papel de ator poderoso, senão de mais poderoso da política mundial, já não seria a potência dominante. O mundo seria multipolar e menos monocêntrico, e o poder dos atores não-estatais cresceria. O informe admitia que a hegemonia dos EUA tinha tido suas idas e vindas no passado, mas agora seu predomínio econômico, político e até militar está se desvanecendo de maneira sistemática.

Sobretudo (e vale a pena notar que o informe já estava pronto antes da implosão dos sistemas financeiro norte-americano e britânico), “a deriva sem precedentes que, no que concerne à riqueza e ao poder econômico relativo, observamos agora em direção Oeste-Leste seguirá seu curso”.

Essa “deriva sem precedentes” inverteu a drenagem de riqueza que fluía inveteradamente do leste, do sudeste e sul da Ásia até a Europa e a América do Norte: uma drenagem que começou no século XVIII – e, desde que se chegou a perceber, lamenta-o o próprio Adam Smith em seu "A Riqueza das Nações" -, mas que se acelerou implacavelmente durante o século XIX. O auge do Japão na década de 60 do século XX, seguido da Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong nos 70, e logo o rápido crescimento da China depois de 1980 (acompanhado, ato contínuo, do surgimento da industrialização na Indonésia, na Índia, no Vietnã, na Tailândia e na Malásia), alteraram o centro de gravidade do desenvolvimento capitalista, ainda que não sem incidentes (a crise financeira do leste e sudeste asiáticos em 1997-98 viu, rápida mas não abundantemente, mais uma vez fluir a riqueza até Wall Street e aos bancos europeus e japoneses).

O deslocamento espacial da hegemonia econômica

A hegemonia econômica parece estar deslocando-se em direção a uma constelação de potências no leste asiático, e se as crises, como se tem argumentado, são momentos de reconfiguração radical do desenvolvimento capitalista, então o fato de que os EUA estejam em vias de financiar com enormes déficits a saída de suas dificuldades financeiras e o fato de que os déficits estejam sendo em grande medida cobertos por todos os países com excedentes poupados – Japão, China, Coréia do Sul, Taiwan e os Estados do Golfo – sugerem que estamos às portas de uma deriva desse tipo.

Já ocorreram derivas dessa natureza na grande história do capitalismo. Na conscienciosa revisão que Giovani Arrighi faz dessa deriva no seu livro "O Longo Século XX" podemos ver como a hegemonia se desloca desde as cidades-estado de Gênova e Veneza no século XVI a Amsterdã e Países Baixos no XVII, para concentrar-se na Grã Bretanha a partir do século XVIII, antes de que os EUA tomassem o controle depois de 1945. Arrighi destaca vários traços comuns a todas essas transições pertinentes a nossa análise.

Cada deriva, observa Arrighi, deu-se na esteira de uma rotunda fase de financeirização (cita aqui com aprovação a máxima do historiador Braudel, segundo a qual a financeirização anuncia o outono de alguma configuração hegemônica). Mas cada deriva traz também consigo uma mudança radical de escala, desde as pequenas cidades-estado iniciais até a economia de proporções continentais dos EUA na segunda metade do século XX. Essa mudança de escala adquire sentido, tendo em conta a regra diretriz capitalista da acumulação sem trégua e do crescimento composto de ao menos um sempiterno 3%.

Porém, as derivas econômicas, sustenta Arrighi, não estão determinadas na partida. Dependem da aparição de alguma potência economicamente capaz e política e militarmente disposta a desempenhar o papel de hegemon global (com as vantagens e desvantagens que isso traz consigo).

A renúncia dos EUA em assumir esse papel antes da Segunda Guerra Mundial significou um interregno de tensões multipolares que propiciou a deriva bélica (a Grã Bretanha já não estava em condições de afirmar seu anterior papel hegemônico). Muito depende também de como se comporte o antigo hegemon frente à diminuição de seu papel tradicional. Pode passar à história ou de maneira pacífica ou beligerante. Visto assim, mesmo se os EUA seguem mantendo um poder militar avassalador (particularmente, no espaço exterior) num contexto de declive de seu poder econômico e financeiro e de crescente míngua de sua autoridade moral e cultural criam-se cenários inquietantes para qualquer transição vindoura. Ademais, não é óbvio que o principal candidato a substituir os EUA, a China, tenha capacidade para ou vontade de afiançar-se em algum papel hegemônico, pois, ainda que sua população seja já bastante grande para arcar com os requisitos da mudança de escala, nem sua economia nem sua autoridade política (nem sequer vontade política) apontam para uma ascensão fácil ao papel de hegemon global. Dadas as divisões nacionalistas existentes, a idéia de que alguma associação entre as potências do leste asiático poderia cumprir a tarefa torna-se fartamente improvável. E o mesmo ocorre no caso de uma União Européia fragmentada e fraturada ou nas chamadas potências do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Razão pela qual resulta plausível a predição de que estamos diante de um novo interregno multipolar de interesses encontrados e em conflito.

Derivas Tectônicas

Porém, a deriva tectônica que está deixando o predomínio e a hegemonia norte-americana dos últimos anos para trás é cada vez mais visível. A tese de uma excessiva financeirização somada à tese da “dívida como principal sinal da hegemonia de uma potência mundial” encontrou um eco popular nos escritos de Kevin Phillips. As tentativas agora em curso de reconstruir o predomínio dos EUA mediante reformas na arquitetura do vínculo entre as finanças nacionais e globais parece que não está funcionando. Ao mesmo tempo, as exclusões impostas às tentativas da maior parte do resto do mundo de reconfigurar essa arquitetura provocarão com quase total segurança fortes tensões, quando não conflitos econômicos abertos.

Porém, derivas tectônicas desse tipo não se produzem magicamente. Ainda que a geografia histórica de uma deriva de hegemonia, segundo a descreve Arrighi, manifeste uma clara pauta, e ainda que a história tenha deixado claro que essas derivas vêm sempre precedidas de períodos de financeirização, Arrighi não oferece uma análise profunda dos processos geradores dessas derivas. É verdade que menciona a “acumulação sem trégua”, e por conseguinte, a síndrome do crescimento (a regra de 3% do crescimento composto) como elementos críticos explicativos da deriva. Isso implica que a hegemonia se desloca com o curso do tempo, de entidades políticas pequenas (isto é, Veneza) a outras maiores (por exemplo, os EUA).

Também argüi que a hegemonia tem que radicar naquela entidade política que produz o grosso do excedente (ou para a qual flui o grosso do excedente em forma de tributos ou exações imperialistas). De um produto global em torno de 45 trilhões de dólares em 2005, os EUA participam com 15 trilhões, o que o converte, por assim dizer, no principal acionista que domina e controla o capitalismo global, com capacidade para ditar (como é o caso de fazer em seu papel de acionista em chefe nas instituições internacionais como o Banco Mundial e o FMI) as políticas globais. O informe do NCIS baseia parte de suas previsões na perda do predomínio paralela à manutenção de uma posição robusta na minguante participação no produto global dos EUA em relação ao resto do mundo, em geral e a China, em particular.

Contudo, como o próprio Arrighi assinala, o curso político dessa deriva está muito longe de ser claro. A aposta dos EUA pela hegemonia global sob Woodrow Wilson durante e imediatamente depois da Primeira Guerra Mundial viu-se obstaculizada pelas preferências isolacionistas prevalecentes na tradição política nacional norte-americana (daí o colapso da Liga das Nações), e só depois da Segunda Guerra Mundial (na qual a população norte-americana não queria entrar, até que ocorreu Pearl Harbour) os EUA se liberou ao seu papel de hegemon global mediante uma política exterior bipartidarista, ancorada nos Acordos de Bretton Woods, que estabeleceram a forma de organizar a ordem internacional do pós-guerra (frente à Guerra Fria e à ameaça que um comunismo internacional em plena onda de propagação representava para o capitalismo). Que os EUA vinham se desenvolvendo inveteradamente como um estado capaz em princípio de cumprir um papel de hegemon global tornou-se evidente desde os primeiros dias de sua caminhada como nação.

Estavam preparados com as doutrinas oportunas, como a do “Destino Manifesto” (expansão geográfica em escala continental, eventualmente até o Pacífico e o Caribe, antes de tornar-se global, sem necessidade de conquistas territoriais) ou a Doutrina Monroe, que exigia das potências européias que deixassem em paz as Américas (a doutrina foi na realidade formulada pelo ministro britânico do exterior, Canning, na década de 20 do século XIX, e foi quase imediatamente seguida pelos EUA). Os EUA possuíam o dinamismo necessário para aspirar a uma crescente participação no produto global, e estiveram visceralmente comprometidos com uma ou outra versão do que se pode qualificar de maneira mais feliz como “mercado encurralado” ou capitalismo “monopólico”, sustentado por uma ideologia apologética do individualismo mais descarnado.

De modo, pois, que há um sentido no qual se pode dizer que os EUA vinham se preparando, durante a maior parte de sua história, para o papel de hegemon global. A única coisa surpreendente nisso é o tempo que levou para cumprir esse projeto, e que foi a Segunda Guerra, não a Primeira, a ocasião que os levou finalmente a jogar esse papel, permitindo que os anos do entre-guerras fossem tempos de multipolaridade e competição caótica entre ambições imperiais, como as que agora teme vislumbrar o informe do NCIS para 2025.

As derivas tectônicas agora em curso estão, contudo, profundamente influenciadas pela desigualdade geográfica radical nas possibilidades econômicas e políticas de responder à crise atual. Permitam-me ilustrar o modo como hoje se opera essa desigualdade pela via de um exemplo bastante plástico.

À medida que a crise iniciada em 2007 foi se aprofundando, muitos tomaram o partido de uma solução plenamente keynesiana como a única capaz de tirar o capitalismo global do desastre em que está agora metido. Com este objetivo, propuseram-se uma variedade de pacotes de estímulos e medidas de estabilização bancária. Muitas dessas propostas foram até certo ponto postas em prática em vários países e de maneiras diferentes, na esperança de fazer frente às dificuldades crescentes. O espectro de soluções oferecidas variava imensamente segundo as circunstâncias econômicas e os perfis imperantes na opinião pública (colocando, por exemplo, a Alemanha frente a França e a Grã Bretanha na União Européia).

Mas pensemos, por exemplo, nas distintas possibilidades econômico-políticas abertas aos EUA e para a China e nas conseqüências potenciais tanto para a deriva da hegemonia como para o modo possível de resolver a crise.

China, EUA e as soluções keynesianas

Nos EUA, qualquer tentativa de falar de uma solução keynesiana adequada tem sido condenada na partida, levantando-se barreiras econômicas e políticas praticamente impossíveis de derrubar. Para funcionar, uma solução keynesiana precisaria de financiamento massivo e duradouro, com déficit. Tem-se dito com razão que o intento de Roosevelt de regressar a um orçamento equilibrado em 1837-38 é o que voltou a afundar os EUA na depressão e que foi a Segunda Guerra que salvou a situação, e não o temerário projeto rooseveltiano de financiamento com déficit que foi o New Deal. Assim, pois, mesmo que as reformas institucionais e umas políticas mais igualitárias tenham posto os fundamentos da recuperação que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, o New Deal como tal fracassou a ponto de resolver a crise nos EUA.

O problema para os EUA em 2008-09 é que parte de uma posição de endividamento crônico com o resto do mundo (vem tomando empréstimos a um ritmo de mais de 2 milhões de dólares por dia nos últimos dez ou mais anos), e isso significa uma limitação econômica para as dimensões do déficit extra que agora pode permitir-se. (O que não foi um problema sério para Roosevelt, que começou com um orçamento limitado). Há também uma limitação geopolítica, posto que o financiamento de qualquer déficit extra depende da disposição de outras potências (principalmente do leste asiático e dos Estados do Golfo) em emprestar. Tendo em conta ambas as limitações, há que se tomar por certo que o estímulo econômico factível nos EUA não será nem o bastante amplo nem o bastante duradouro para subvencionar a tarefa de reabilitar a economia. Este problema é exacerbado pela relutância ideológica de ambos os partidos em aceitar os enormes montantes de gasto deficitário requeridos para sair da crise.

Ironicamente, e ao menos em parte, porque a administração republicana anterior trabalhou de acordo com o princípio de Dick Cheney, segundo o qual “Reagan nos ensinou que os déficits não importam”. Como disse Paul Krugman, o primeiro advogado público de uma solução keynesiana desse contexto, os 800 bilhões de dólares votados com dentes arreganhados pelo Congresso em 2009, ainda que sejam melhores do que nada, estão muito longe de serem suficientes. Seria preciso uma cifra da ordem dos 2 trilhões de dólares, uma quantidade excessiva dado o nível atual do déficit estadunidense. A única opção econômica possível seria mudar o débil keynesianismo dos gastos militares excessivos por um keynesianismo muito mais forte, voltado a programas sociais. Cortar pela metade o orçamento de defesa norte-americano (aproximando-o dos níveis europeus em termos percentuais ao PIB) poderia resultar tecnicamente útil. É o caso de dizê-lo: quem quer que proponha coisa semelhante cometerá suicídio político, dada a posição política mantida pelo Partido Republicano e por muitos democratas.

A segunda barreira a ser derrubada é mais puramente política. Para funcionar, o estímulo tem de ser administrado de tal forma que se assegure seu gasto em bens e em serviços para que a economia recupere alegria. Isso significa que há que dirigir todas as ajudas a quem efetivamente delas fará uso e gastará recursos, quer dizer, as classes sociais mais humildes, porque as classes médias, postas a gastar algo, o mais provável é que o façam puxando a alça de valores de ativos (comprando casas hipotecadas que são executadas em leilões, por exemplo), e não comprando mais bens e serviços. Em todo caso, nos maus tempos muita gente tende a usar as receitas extraordinárias inopinadamente recebidos para cancelar dívidas ou para poupar (como ocorreu em muito boa medida com o reembolso de 600 dólares propiciado pela administração Bush no começo do verão de 2008).

O que parece prudente e racional desde o ponto de vista do orçamento doméstico se torna danoso para o conjunto da economia. (Analogamente: os bancos tem procedido racionalmente ao servirem-se do dinheiro público recebido para enriquecerem ou para comprar ativos, antes que para emprestá-los). A hostilidade preponderante nos EUA a “disseminar a riqueza” e a gestionar qualquer ajuda pública que não sejam os cortes fiscais aos indivíduos vem do núcleo duro da doutrina ideológica neoliberal (focalizada, mas de modo algum confinada no Partido Republicano), segundo a qual “os lares sabem mais”. Essas doutrinas chegaram a gozar de ampla aceitação nos EUA, como se se tratasse de um evangelho, durante trinta anos de doutrinamento político neoliberal. Segundo se arguiu em outra ocasião, “agora, somos todos neoliberais”, no mais das vezes sem sabê-lo. Há uma aceitação tácita, por exemplo, de que a “repressão salarial” - um componente chave do atual problema – é um “estado normal” das coisas nos EUA. Uma das três patas de uma solução keynesiana – maior capacidade de negociação dos trabalhadores, salários em alta e redistribuição favorável para as classes baixas – é atualmente impossível do ponto de vista político nos EUA. A pura sugestão de que um programa assim equivalha a “socialismo” faz o establishment político tremer. Os trabalhadores organizados não são suficientemente fortes (depois de serem durante trinta anos massacrados pelas forças políticas), e não se vê nenhum outro movimento social amplo o bastante para pressionar por uma redistribuição a favor das classes trabalhadoras.

Outro modo de alcançar objetivos keynesianos é o fornecimento de bens coletivos. Isso, tradicionalmente, tem implicado investimentos em infraestrutura física e social (os programas WPA [Works Progress Adminstration] dos anos 30 do século passado foram um precedente). Disso se segue a tentativa de incluir nos pacotes de estímulo programas para reconstruir e ampliar infraestruturas públicas de transporte e comunicações, energia e outras obras públicas em paralelo a um incremento do gasto em atenção sanitária, educação, serviços municipais, etc. Esses bens coletivos têm potencial para gerar multiplicadores tanto no emprego como na demanda efetiva de bens e serviços. Mas o que se presume é que esses bens entrariam, em dado momento, na categoria de “gastos públicos produtivos” (quer dizer, que estimulam um crescimento ulterior), não que se convertam numa série de “elefantes brancos” públicos que, como observou Keynes em seus dias, carecem de outra utilidade que não aquela de fazer as pessoas cavarem buracos para fechá-los logo em seguida.

Em outras palavras, uma estratégia de investimentos em infraestrutura tem de orientar-se para a sistemática recuperação do crescimento de 3% através do metódico redesenho de nossa infraestrutura e dos nossos modos de vida urbanos. Isso não pode funcionar sem uma planificação estatal refinada, aliada a uma base produtiva já existente que possa aproveitar-se das novas infraestruturas. Também aqui, o processo dilatado de desindustrialização experimentado pelos EUA nas últimas décadas, assim como a intensa oposição ideológica à planificação estatal (elementos esses incorporados por Roosevelt ao New Deal, e que persistiram até os anos 60, para serem abandonados quando do assalto neoliberal dos 80 a esse particular exercício de poder do Estado) e a óbvia preferência pelos cortes fiscais frente às transformações públicas das infraestruturas, torna impossível nos EUA a operação de uma solução permanente.

Na China, por outro lado, dão-se realmente tanto as condições políticas como as econômicas para uma solução plenamente keynesiana, e há ali signos transbordantes de que essa será provavelmente a via a ser seguida. Para começar, a China possui uma grande reserva de excedente estrangeiro em dinheiro e isso torna mais fácil o financiamento da dívida partindo dessa base do que de um dos gastos da dívida já acumulada, como no caso dos EUA. Vale à pena notar também que desde meados dos 90 os “ativos tóxicos” (os empréstimos que não funcionam) dos bancos chineses – (algumas estimativas os situam nos 40% de todos os empréstimos em 2000) desapareceram da contabilidade bancária a mercê dos investimentos ocasionais de excedente em dinheiro procedente das reservas do comércio exterior.

Os chineses tiveram em funcionamento durante muito tempo o equivalente a um programa TARP [o programa norte-americano de resgate bancário posto em prática nos últimos meses de 2008], e evidentemente sabem como manejá-lo (ainda que muitas das transações tenham a marca da corrupção). Os chineses têm suficiente capacidade econômica para embarcarem num programa massivo de financiamento com déficit e dispõem de uma arquitetura financeira estatal centralizada apta, se lhe propuserem, a administrar esse programa com eficácia. Os bancos, durante muito tempo de propriedade estatal, que foram privatizados para atender às exigências da OMC (Organização Mundial do Comércio) podem vir a atrair capital e perícia estrangeiros, mas podem todavia serem facilmente submetidos à vontade do estado central, enquanto que nos EUA mesmo o mais longínquo signo de diretriz estatal, para não falar de nacionalização, dá motivo a todos os tipos de furores políticos.

Analogamente, não há ali [China] a menor barreira ideológica para uma generosa redistribuição de recursos a favor dos setores mais necessitados da sociedade, ainda que possa haver necessidade de vencer os encouraçados interesses dos membros mais ricos do partido e de uma incipiente classe capitalista. A imputação segundo a qual isso seria tanto como o “socialismo”, ou inclusive até pior, o “comunismo”, apenas despertaria sorrisos divertidos na China. Mas a reaparição na China do desemprego em massa (de acordo com os últimos informes, a desaceleração dos últimos meses já teria gerado já 20 milhões de desempregados), assim como os indícios de um mal-estar social prolongado e aceleradamente crescente, forçarão seguramente o Partido Comunista chinês a empreender massivas redistribuições, estejam ou não ideologicamente convencidos da sua justiça.

No começo de 2009, essa política redistributiva parece primeiramente destinada às regiões rurais atrasadas, para onde regressaram os trabalhadores emigrantes que perderam seus empregos, frustrados com a constatação da escassez de postos de trabalho nas zonas manufatureiras. Nessas regiões, nas que faltam infraestrutura social e física, um investimento robusto de recursos por parte do governo central contribuirá para aumentar as receitas, para expandir a demanda efetiva e para dar o tiro de saída do longo processo de consolidação do mercado interno chinês.

Em segundo lugar, há um forte desejo de investir massivamente em infraestrutura que ainda falta na China. - Em troca, os cortes fiscais só tem ali atrativos políticos – e ainda que seja possível que alguns desses investimentos terminem sendo “elefantes brancos”, a probabilidade de que seja assim ali é farta mas baixa, dada a imensa quantidade de trabalho de que se necessita para integrar o espaço nacional chinês e, assim, enfrentar-se o problema do desenvolvimento geográfico desigual entre as regiões costeiras de alto desenvolvimento e as províncias empobrecidas do interior.

A existência de uma larga – ainda que problemática – base industrial e manufatureira necessitada de racionalização espacial torna mais provável que o esforço chinês entre na categoria do gasto público produtivo. No caso chinês boa parte do excedente pode ser canalizado até a produção futura de espaço, e isso mesmo admitindo que a especulação nos mercados imobiliários urbanos em cidades como Xangai, ou mesmo nos EUA, é parte do problema e não pode, por conseguinte, converter-se em parte da solução. Os gastos em infraestrutura, sempre que sejam feitos numa escala suficientemente grande, são de grande alento e servem tanto para canalizar o trabalho excedente como para reduzir as possibilidades de distúrbios sociais, contribuindo também, ademais, para impulsionar o comércio interno.

Implicações internacionais

Essas possibilidades completamente distintas que os EUA e a China têm de propiciarem uma solução plenamente keynesiana guardam profundas implicações internacionais. Se a China emprega mais recursos procedentes de suas reservas financeiras para impulsionar seu mercado interno, como com quase total segurança vai se ver forçada a fazer por razões políticas, deixará menos recursos disponíveis para possíveis empréstimos aos EUA. O descenso das compras de bônus do tesouro estadunidense terminará por forçar uns tipos de interesses mais altos, o que incidirá negativamente na demanda interna norte-americana, a qual, por sua vez e a menos que haja uma gestão meticulosa, poderia disparar o que todo mundo teme e que até agora conseguiu evitar: uma derrubada do dólar.

Uma desvinculação paulatina dos mercados norte-americanos e a sua progressiva substituição pelo próprio mercado interno como fonte de demanda efetiva da indústria chinesa alterariam significativamente os equilíbrios de poder (um processo que, diga-se de passagem, estaria carregado de tensões, tanto para a China como para os EUA). A divisa chinesa se robustecerá necessariamente frente ao dólar (uma situação tão largamente pretendida como temida pelas autoridades norte-americanas), o que obrigará aos chineses a se basearem mais em seu mercado interno para a demanda agregada. O dinamismo que disso resultaria no interior da China (contrastável com as condições de recessão duradoura que prevalecerão nos EUA) atrairá mais produções de matérias primas à órbita comercial chinesa e corroerá a importância relativa dos EUA no comércio internacional.

O efeito global de tudo isso será a aceleração do deslocamento da riqueza, do oeste para o leste, na economia mundial e a rápida alteração dos equilíbrios de poder econômico hegemônico. O movimento tectônico que operará o equilíbrio do poder capitalista global intensificará todo tipo de ramificações econômicas e políticas imprevisíveis num mundo em que os EUA deixarão de estar numa posição dominante, mesmo que sigam mantendo um poder importante. A suprema ironia, deve-se dizê-lo, é que as barreiras políticas e ideológicas postas nos EUA a qualquer programa plenamente keynesiano contribuirão seguramente para acelerar a derrubada do poder americano nos assuntos globais, apesar de que as elites de todo o mundo (inclusive as chinesas) preferissem preservar esse domínio o maior tempo possível.

Que um genuíno keynesianismo seja ou não suficiente para que a China (junto a outros estados em posição similar) consiga compensar o fracasso inevitável do keynesianismo reticente ocidental é questão em todo caso aberta. Mas essas diferenças, somadas ao eclipse da hegemonia norte-americana, bem poderiam ser o prelúdio de uma fragmentação da economia global em estruturas hegemônicas regionais que poderiam terminar lutando tanto entre si com tanta facilidade como colaborando na questão miserável de dirimir quem tem de arcar com os estragos da depressão duradoura.

Esta não é uma idéia exatamente alentadora, mas ter em mente a possibilidade de uma perspectiva desse tipo poderia talvez contribuir para despertar boa parte do mundo ocidental para a apercepção da urgência da tarefa que tem diante de si; que seus dirigentes políticos deixem de dizer banalidades sobre restaurar a confiança se ponham a fazer o que há a ser feito para resgatar o capitalismo dos capitalistas e de sua falsária ideologia neoliberal. E sim, isso significa socialismo, nacionalizações, diretrizes estatais robustas, força de colaborações internacionais e uma nova e farta, mas inclusiva (“democrática”, se posso ousar a dizê-lo assim) arquitetura financeira internacional, pois que assim seja...

Paul Krugman

Uma década de fantasias

Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.
Fonte: Terra Magazine


A esta altura, todos já conhecem a história triste dos investidores ludibriados por Bernard Madoff. Eles olharam seus extratos e pensaram que estavam ricos. Mas um belo dia descobriram, para seu horror, que a suposta riqueza era produto da imaginação de outra pessoa.

Infelizmente, esta é uma boa metáfora para o que aconteceu à América como um todo na primeira década do século 21.

Semana passada, a Reserva Federal dos Estados Unidos divulgou os resultados da sua mais recente Pesquisa Sobre a Economia de Consumo, um relatório trienal sobre o patrimônio das famílias americanas. A conclusão é que basicamente não houve criação de riqueza alguma desde a virada do milênio: o patrimônio líquido da família americana média, ajustado à inflação, é mais baixo agora do que em 2001.

De certa forma, isto não deveria surpreender. Durante a década passada, a América era uma nação de tomadores de empréstimo e gastadores, não de poupadores. A taxa de poupança caiu de 9% nos anos 1980 a 5% nos anos 1990, para chegar a 0.6% de 2005 a 2007, e as dívidas familiares cresceram muito mais do que a renda. Por que então deveríamos esperar que o nosso patrimônio líquido aumentasse?

Mesmo assim, até recentemente os americanos acreditavam que estavam enriquecendo, porque eles recebiam seus extratos dizendo que suas casas e ações estavam se valorizando mais rápido do que o aumento de suas dívidas. E a crença de muitos americanos de que eles podiam contar com os ganhos de capital para sempre soa ingênua, é bom lembrar de quantas vozes influentes - especialmente as publicações de direita como The Wall Street Journal, a revista Forbes e a National Review - incitaram esta crença e ridicularizaram aqueles que se preocupavam com o baixo nível de poupança e o aumento das dívidas.

Então a realidade foi mais forte e demonstrou que aqueles que se preocupavam estavam certos o tempo todo. O aumento repentino dos valores dos bens foi uma ilusão - mas o aumento repentino das dívidas era verdadeiro até demais.

Então estamos com problemas - problemas mais sérios, penso eu, do que as pessoas conseguem enxergar. E não estou falando apenas dos analistas cada vez mais raros que ainda insistem que a economia vai entrar nos eixos a qualquer momento.

Porque esta é uma confusão generalizada. Todos falam dos problemas dos bancos, que estão, sem dúvida, na pior posição do sistema. Mas os bancos não são os únicos jogadores com muitas dívidas e poucos bens; a mesma situação também se aplica ao setor privado em geral.

E, como o grande economista americano Irving Fisher observou nos anos 1930, as providências que as pessoas e empresas tomam quando se dão conta de que estão devendo demais tendem a ser desastrosas quando todos tentam tomá-las ao mesmo tempo. As tentativas de vender os bens para pagar as dívidas só aumentam a queda vertiginosa do preço dos bens, reduzindo o patrimônio líquido. As tentativas de se economizar mais resultam num colapso da demanda de consumo, aumentando ainda mais a crise econômica.

Estariam os tomadores de decisão prontos para fazer o que for necessário para quebrar este ciclo vicioso? Em princípio sim. Os oficiais do governo entendem esta questão: Nós precisamos "conter este espiral prejudicial e potencialmente deflacionário", disse Lawrence Summers, um dos principais conselheiros econômicos de Obama.

Na prática, no entanto, as políticas atualmente em funcionamento não encaram o desafio de forma adequada. O plano de incentivo fiscal, ainda que certamente ajude, provavelmente não fará mais do que abrandar os efeitos colaterais da deflação das dívidas. O esperadíssimo anúncio do plano de resgate aos bancos deixou todos confusos em vez de confiantes.

Há esperanças de que o resgate aos bancos se torne algo mais concreto. Tem sido interessante ver como a idéia da nacionalização temporária dos bancos se popularizou, até com republicanos como o Senador Lindsey Graham admitindo que ela possa ser necessária. Mas até se fizermos o necessário para os bancos, isto resolveria só parte do problema.

Se você quiser saber o que é realmente preciso para resgatar uma economia da armadilha do débito, veja o grande programa de auxílio público, mais conhecido como Segunda Guerra Mundial, que acabou com a Grande Depressão. A guerra não levou apenas ao fim do desemprego. Mas também levou ao aumento rápido dos salários e uma inflação substancial, tudo isso com praticamente nenhum empréstimo por parte do setor privado. Em 1945, as dívidas do governo estavam nas alturas, mas a relação entre as dívidas do setor privado e o PIB era apenas metade do que havia sido em 1940. E esta dívida privada baixa ajudou a preparar o caminho para o grande boom econômico pós-guerra.

Como nenhuma dessas coisas se aplica à nossa realidade no momento, nem se aplicará tão cedo, levará anos até que as famílias e empresas possam ganhar o bastante para pagar as dívidas que acumularam tão displicentemente. É muito provável que o legado da nossa época de ilusões - a nossa década de fantasias - seja uma longa e dolorosa queda.


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Entrevista - Mário Maestri e Florence Carboni

Diabolização de Battisti por Berlusconi é parte do seu projeto de poder ‘fascistizante’

Por Valéria Nader
Fonte: Correio da Cidadania


Inicialmente ocupando alguns cantos de página na mídia impressa, assim como parcamente abordada pelos meios televisivos, a concessão de refúgio ao italiano Cesare Battisti pelo governo brasileiro tomou grande dimensão no país. Como já era de se esperar, as discussões têm adquirido um tom cada vez mais maniqueísta, contra ou a favor de Tarso Genro, que concedeu o refúgio com base na lei n. 9474, de 1997, que estabeleceu as normas de proteção a refugiados que possam ser vítimas de graves violações dos direitos humanos nos países de origem. Mediante pedidos de extradição do governo italiano, o caso será agora examinado no Supremo, que julgará se o ato de Tarso procede ou não.

Para qualificar essa discussão, conversamos com Mário Maestri, 60, brasileiro e italiano, doutor em História pela UCL, Bélgica, e com Florence Carboni, 56, italiana, doutora em Linguística também pela UCL.

Maestri e Carboni retomam a história da Itália nos anos 70, momento em que os movimentos sociais teriam sofrido fortíssima repressão por parte de governos da democracia-cristã, que empreendiam verdadeiras ações terroristas de Estado. O ataque do governo Berlusconi a Cesare Battisti estaria, portanto, inserido em uma operação geral de revisão do passado, que apresenta como terrorista toda e qualquer luta anti-fascista e anti-capitalista - sobretudo nesse momento de crise, em que têm sido freqüentes os protestos dos trabalhadores e dos estudantes.


Correio da Cidadania: Argumenta-se contra a concessão de refúgio a Cesare Battisti que, quando dos atos imputados, a Itália vivia em plena democracia e Estado de Direito, ao contrário do Brasil que conhecia ditadura militar, responsável por atos de Terrorismo de Estado. Os atos de Battisti seriam assim crimes comuns. Qual a opinião de vocês?

Mário Maestri: Para entendermos os anos 1970, temos que recuar na história. A reconstrução democrática da Itália deu-se com a derrota do fascismo pelos trabalhadores armados. A constituição de 1948 propõe a construção da Itália sobre os valores do trabalho. O Partido Comunista Italiano, motor da libertação, tornou-se forte instrumento das lutas populares. Porém, as vacilações de sua direção stalinista permitiram ao capital recuperar o espaço perdido, sob a direção dos EUA, que mantiveram e mantêm bases militares no país.

Com a crise da expansão do pós-guerra, nos anos 1960, o capital promoveu reestruturação econômica contra os trabalhadores, motivando forte reação, como as grandes mobilizações estudantis de 1968 e operárias de 1969, que prosseguiram até inícios dos anos 1970. Para entrar no governo, já como partido da ordem, a direção do PCI realizou amplas concessões estruturais ao capital – fim do reajuste dos salários pela inflação; reestruturação dos contratos de trabalho, etc.

Nesses anos, o movimento social sofreu fortíssima repressão, com assassinatos, prisões, torturas etc., por parte de governos da democracia-cristã que, para vergar as lutas populares, agindo também nas sombras, empreenderam ações terroristas de Estado – "Estratégia da Tensão" –, apresentadas como obra da esquerda. Giulio Andreotti, sete vezes presidente do conselho, homem do Vaticano, dos EUA, chefe mafioso, processado pelo assassinato do jornalista Carmine Pecorelli, em 1979, é o símbolo sinistro desse período. Hoje, é senador perpétuo...


Florence Carboni: É difícil imaginar a tensão causada pela "Estratégia do Terror". Os mais terríveis massacres foram os da praça Fontana, em Milão, em dezembro de 1969, com dezessete mortos e quase cem feridos; o do trem Italicus, em agosto de 1974, com doze mortos e uns cinqüenta feridos, e o da estação ferroviária de Bologna, em 1980, o mais assassino, com 85 vítimas fatais e duzentos feridos. Os grupos fascistas que promoveram esses atentados foram teleguiados por organizações oficiais dos serviços secretos italianos, da OTAN e da CIA, como Gladio, que teve a existência reconhecida pelo próprio Andreotti, em outubro de 1990, e por representantes do grande capital, organizados em redor da loja maçônica P2 – Propaganda dois -, verdadeiro poder paralelo, da qual fazia parte também o atual primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi. Somente alguns poucos militantes dos grupos fascistas responsáveis por esses crimes conheceram a prisão. Na época, a mídia tendia sempre a atribuir os atos terroristas à esquerda e muitos anarquistas, estudantes, operários, sindicalistas foram presos, torturados e mesmo mortos pela polícia.

Em meados de 1970, sob refluxo relativo do movimento social, setores da esquerda extra-parlamentar empreenderam ataques armados ao Estado, sob a ilusão de combater as agressões direitistas e a ofensiva anti-operária através de ações armadas desligadas do movimento social. Crença muito difundida no mundo, após a vitória da Revolução Cubana, em 1961, e a difusão do foquismo. Na Itália, era fortíssima a tradição da luta partigiana anti-fascista armada. Muitos militantes desses grupos queriam retomar as armas como seus pais e avós!


Mário Maestri: Hoje sabemos que muitos desses grupos armados foram instrumentalizados, direta e indiretamente, não apenas na Itália, pelos serviços secretos. A execução de Moro é exemplo. Todas as portas de negociação com as Brigadas Vermelhas foram fechadas, devido ao interesse na repulsa popular que a execução causaria. O governo negou-se a trocar Aldo Moro até mesmo por prisioneira política com câncer terminal! A demonização dos atos armados isolados servia para criminalizar a idéia de socialismo, de comunismo, de resistência social.

A metamorfose do PCI – hoje Partido Democrático – em partido da ordem, responsável pelas privatizações, perda de conquistas sociais – como a estabilidade no trabalho, aposentadoria etc. –, facilitou a derrota operária e popular nos anos 1980. As condições de vida na Itália despencaram. Hoje, os salários equilibram-se aos das nações mais atrasadas do leste da Europa. Os contratos de trabalho mantêm milhões de italianos, sobretudo jovens, na precariedade e pobreza, enquanto os muito ricos tornam-se ainda mais ricos. Atualmente quase 40% da população já pode ser definida estatisticamente como pobre e a queda continua, sobretudo com a atual crise!


CC: Mas qual o sentido da militância extremada do governo Berlusconi em favor da extradição de Cesare Battisti.

Florence Carboni: Berlusconi retorna pela terceira vez, após a administração desastrosa de centro-esquerda de Romano Prodi, de 2006 a 2008, que lançou na prostração a esquerda, com dois anos de continuação das políticas conservadoras iniciadas por Berlusconi. Por primeira vez desde a II Guerra, não foi eleito um comunista ao parlamento! Parte do eleitorado de esquerda nem votou, sobretudo no Partido Refundação Comunista, para se opor à sua participação no governo Prodi.

O novo bloco berlusconiano, o chamado Povo da Liberdade, formado por neoliberais, separatistas (Liga Nord), neofascistas (AN) etc., almeja a destruição do movimento social e a instauração de governo autoritário, através de medidas de exceção e do confisco de prerrogativas do judiciário e do parlamento. O fato de Berlusconi ser proprietário monopólico da mídia facilita esse projeto, implementado no contexto de medidas populistas e fascistizantes, como a responsabilização dos trabalhadores imigrados, superexplorados pela crise econômica, o desemprego, a violência etc. Mesmo os ciganos com cidadania italiana foram fichados, perseguidos, tiveram seus acampamentos queimados.

Os valores sagrados da família – castidade, casamento indissolúvel, proibição da interrupção da gravidez, escola privada etc. – são agitados e promovidos, também para estreitar a aliança com o Vaticano. A desapiedada demagogia de Berlusconi sobre Eluana Englaro, em uma defesa obscurantista e não-científica de vida biológica acabada há duas décadas, enquanto permite e manda os médicos denunciarem pacientes estrangeiros sem papéis, tem como objetivo último fortalecer a proposta da necessidade de mudança da Constituição, como já assinalado.

O ataque do governo Berlusconi a Cesare Battisti insere-se nessa operação geral de revisão do passado, que apresenta como terrorista toda e qualquer luta anti-fascista e anti-capitalista. A diabolização de Battista – sobretudo nesse momento de crise, em que têm sido freqüentes os protestos dos trabalhadores e dos estudantes – permite manter a criminalização dos movimentos sociais, do socialismo, do comunismo, sobretudo por ser esse pedido de extradição um caso patente de arbitrariedade, devido à clara improcedência das acusações.


CC: Quanto ao processo aberto na Itália contra Battisti, apoiado nas ‘delações premiadas’, juristas divergem sobre a motivação política dos atos imputados. Vocês conhecem o histórico desses processos. Eles ocorreram respeitando o ordenamento jurídico e os direitos do acusado?

Mário Maestri: O julgamento de Battisti é um pasticcio italiano, à salsa Guantanamo, explicável apenas devido à maré neoliberal que varreu a Itália e a Europa em fins dos anos 1980. Battisti foi militante de base de Proletários Armados para o Comunismo - PAC, grupo marginal dos anos 1970. Sobre ele, Pietro Mutti, dirigente daquela organização, quando preso em 1982, despejou, por além do crível, a responsabilidade de todas as ações mortais do grupúsculo. Isso porque, como declarou o próprio Mutti, Battisti se encontrava no exterior. No Brasil, na ditadura, era habitual entregar sob tortura companheiros mortos e no exterior, para não comprometer militantes presos ou no país.

O único ato de sangue perpetrado pelo PAC enquanto Battisti ainda militava no grupo foi o justiçamento, em junho de 1978, do coronel Antonio Santoro, comandante dos agentes penitenciários, crime que foi assumido por Mutti. E foi precisamente esse ato que motivou o abandono de Battisti da organização, devido à ruptura do princípio inicial do PAC de que seus "atentados" não causariam "morte humana".

A "delação premiada" valeu a Mutti a redução da prisão perpétua a poucos anos de cárcere. A seguir, ele desapareceu providencialmente, impossibilitando confirmação de suas afirmações, qualificadas como fantasiosas pelo próprio tribunal de Milão, em março de 1993. Militantes do PAC que se dissociaram dos atos praticados, mas não renegaram seus princípios políticos, confirmaram as declarações de Mutti, também para minorar as próprias penas, sempre porque Battisti estava ao seguro no estrangeiro.


Florence Carboni: Fala-se pouco que Battisti foi condenado à revelia, sem a apresentação de qualquer testemunha ocular dos atos que lhe são imputados, sem uma única prova objetiva, um único indício sólido. A justiça italiana – e a seguir européia – não encontrou irregularidades nessa condenação de um militante de esquerda apoiada apenas em denúncias. Porém, em 2004, inocentou os fascistas pelo massacre de Piazza Fontana porque as provas consistiam apenas em declarações de arrependidos!

Havia meses que Battisti não fazia parte do PAC quando ocorreram os três últimos atos que lhe foram imputados. E dois deles ocorreram no mesmo dia, em 16 de fevereiro de 1979: a morte, em Milão, do joalheiro Pierluigi Torregiani, e a do açougueiro neofascista Lino Sabbadin, em Santa Maria di Sala, no Vêneto, cidade que Battisti teria declarado sequer saber onde ficava, quando, já na França, leu no jornal Le Monde a notícia de que fora considerado responsável pela morte. Como era materialmente impossível a participação em ambas as ações, Mutti, a seguir, modificou a acusação para a participação de Battisti em uma reunião que discutira os atentados.

Quando da quarta execução, do policial torturador Andrea Campagna, em abril de 1979, em Milão, Battisti já não militava mais na organização havia meses. Para a Justiça, essa é a única morte da qual Battisti seria o executor direto. Além de jamais terem sido apresentadas provas positivas, comprovou-se que a carta, em que Battisti aceitou os advogados que o representaram no julgamento à revelia, foi forjada, o que lhe garantiria, segundo a lei, novo julgamento, direito que lhe foi sempre negado.


CC: Qual é a opinião de vocês sobre a concessão de asilo político a Cesare Battisti pelo ministro da Justiça Tarso Genro?

Florence Carboni: Tarso Genro honrou sua função de ministro da Justiça com essa sua sábia e democrática decisão. Concedeu asilo devido aos sucessos políticos terem ocorrido quando os governos italianos agiam na semi-ilegalidade, contra o movimento social e a esquerda. Acredito que a abnormidade patente do processo possa também ter influenciado sua decisão. Tarso seguiu o caminho cidadão do governo Mitterand, que concedeu asilo a Battisti e a outros refugiados italianos, asilos retirados pelo direitista e corrupto Chirac.

É também possível que nessa decisão tenha pesado o fato de que a Justiça penal brasileira se paute pelo princípio da reabilitação, e não pela vingança. Não há no Brasil pena de morte nem prisão perpétua. O máximo da pena é trinta anos, no contexto do princípio de progressão de regime carcerário. As acusações fajutas a Battisti são velhas de trinta anos, quando tinha pouco mais de vinte anos! No Brasil, após trinta anos, há prescrição penal. Nas três últimas décadas, Battisti viveu como cidadão exemplar. Entregá-lo à sanha de um governo fascistizante seria um crime.


CC: O caso será examinado no Supremo, que julgará se o ato de Tarso procede. No entanto, a lei que disciplina a outorga do refúgio diz que a sua concessão impede o exame do pedido de extradição. Como vocês acham que o STF vai decidir, considerando a sua composição? Uma decisão contra a permanência de Battisti repercutiria negativamente em termos de direitos humanos e civis?

Mário Maestri: A grande mídia e parte da magistratura, sempre contrárias aos trabalhadores, servem-se também do caso Battisti para criminalizar a resistência social e a luta socialista no Brasil. As informações que elas fornecem são literalmente caricaturais. Apresentam Battisti como terrorista que assassinou quatro pessoas em país democrático. Não falam de que Battisti é acusado, sem provas críveis, como responsável direto por apenas um ato de sangue, realizado em uma Itália em que o Estado atacava legal e ilegalmente os trabalhadores.

No Brasil, a diabolização de Battisti serve também para defender os terroristas de Estado, responsáveis durante a Ditadura militar [1964-85], por criminosos atos indescritíveis contra prisioneiros indefesos. Criminosos de Estado que gozaram e gozam de absoluta anistia e ampla premiação, social e econômica. Seus atos seriam justificados por terem sido cometidos contra comunistas terroristas como Battisti.

Na vanguarda desse movimento está o senhor Gilmar Mendes, rico empresário do ensino particular, indicado ao STF por FHC, onde se celebrizou pela presteza em liberar o mega-empresário e mega-corrupto Daniel Dantas, ação execrada publicamente por mais de quatrocentos juízes federais! Sua mobilização para que o STF usurpe prerrogativa do ministro da Justiça e do Executivo acompanha o movimento das nossas classes abonadas que, para avançar a operação conservadora, rastejam diante das pressões do governo berlusconiano, fazendo ouvidos de mercador às qualificações grosseiras do Brasil como "país de samba", "republiqueta", "terra de dançarinas", feitas por governantes, deputados, jornalistas etc. italianos.

A defesa de Cesare Battisti é uma questão de princípio. Olga Benário Prestes foi jovem comunista alemã, responsável por ação armada para libertar seu companheiro da prisão alemã, em 1926, durante regime certamente mais democrático que o italiano em 1970. Foi entregue aos nazistas, em 1936, grávida, em plena vigência da ordem democrática no Brasil, sem que o ato ignóbil causasse comoção ou oposição na Justiça, na imprensa e nas elites brasileiras de então. Morreu executada em campo de extermínio. Se estivesse sendo julgada hoje sua extradição, nossa mídia e classe política conservadora certamente estariam berrando para que fosse entregue aos seus carrascos!

A defesa de Battisti deve se transformar para os democratas e homens de bem do Brasil em questão de princípio, como se tornou sua entrega ao governo fascistizante italiano para o mundo conservador brasileiro.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Entrevista - Márcio Pochmann

Haverá desemprego mesmo se a economia crescer 4% ao ano

Por Márcia Junges
Fonte: UNISINOS

É inegável que em 2009 o Brasil conviverá com o aumento do desemprego, analisa o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Márcio Pochmann, na entrevista exclusiva que concedeu por telefone ao site do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Marcio Pochmann é doutor em Economia e professor do Instituto de Economia da Unicamp, autor de "Políticas do trabalho e de garantia de renda – O capitalismo em mudança" (São Paulo: Editora São Paulo); "E-trabalho" (São Paulo: Publisher Brasil, 2002) e "Desenvolvimento, trabalho e solidariedade" (São Paulo: Cortez, 2002).


IHU On-Line - Especialistas preveem um percentual de 9 a 10% de desemprego nos EUA para 2009. Qual é a previsão para o Brasil?

Marcio Pochmann – Nós não temos no momento, pelo menos de parte do IPEA, uma projeção desse dado, tão pouco para o nível de atividade da economia e para o desempenho do mercado de trabalho. Em março nós teremos uma projeção. Justamente em março divulgamos as projeções para diversas variáveis macroeconômicas, inclusive a situação do emprego para o ano em curso. O que o IPEA fez, a partir de um grupo de trabalho que trata da temática da crise, é divulgar um estudo que trata do desemprego e emprego no Brasil a partir de uma simulação das expectativas de crescimento da economia nacional. Nesse estudo se trabalhou com a simulação de três cenários. O primeiro, de comportamento do PIB estimado em 4% ao ano. O segundo em 2,5%. E o terceiro com uma projeção de 1% de expansão da economia. Nesses três cenários, haveria aumento do número de pessoas desempregadas, mesmo se a economia venha a crescer 4% ao ano. Havendo aumento do desemprego, ele não seria em termos absolutos o suficiente para aumentar a taxa de desempregados, que se manteria estabilizada em 2009 no mesmo patamar de 2008. Para uma expansão inferior a 4%, teríamos, sim, um desempenho do mercado de trabalho bem menos acentuado e isso se refletiria no aumento da taxa de desemprego, uma vez que o número de empregos gerados seria insuficiente à quantidade de pessoas que ingressam no mercado de trabalho.

IHU On-Line - Por que razões o desemprego em nosso país está se concentrando mais em alguns setores, como o automotivo?

Marcio Pochmann – Temos que considerar que a economia brasileira no ano de 2008 tem dois movimentos bem distintos. O primeiro podemos considerar até o mês de outubro, quando registrava uma trajetória bastante acelerada de expansão, com forte criação de empregos, praticamente fazendo com que não apenas melhorasse a estrutura do mercado de trabalho, com empregos assalariados, com carteira de trabalho, protegidos, reduzindo a informalidade, e também reduzindo o desemprego. A partir de outubro do ano passado, passamos a ter um outro comportamento da economia, que se refletiu imediatamente no comportamento do mercado de trabalho. Acreditamos que essa inflexão na trajetória da economia brasileira nesse último trimestre está relacionada a três fatores.

O primeiro diz respeito a uma decisão interna brasileira no que tange à elevação das taxas de juros que tiveram curso no ano passado. As taxas de juros foram elevadas na perspectiva de se combater a inflação, pelo menos foi essa a justificativa apresentada. Nós achamos que foi um equívoco essa elevação, mas de qualquer maneira, toda vez que há uma elevação da taxa de juros, seus efeitos não são imediatos no comportamento da economia. Há um lapso de tempo que varia de quatro a sete meses para que seus resultados possam ser sentidos. Portanto, os impactos negativos da elevação da taxa de juros passaram a ser mais pronunciados justamente a partir de outubro do ano passado. Então uma inflexão na trajetória da economia a partir de outubro se deu, em primeiro lugar, por decisão interna, em decorrência da elevação da taxa de juros, que fez com que as iniciativas de ampliação de investimentos e sobretudo de ampliação da atividade econômica fossem contidas pelos juros maiores, pois toda vez que há juros muito elevados, como no caso brasileiro, há preferência pela aplicação financeira, e não na produção.

Esse é o primeiro aspecto que ajuda a entender por que nós tivemos uma inflexão na expansão da economia a partir de outubro e isso foi rapidamente foi identificado no comportamento do mercado de trabalho, especialmente no interior do Brasil, menos nas regiões metropolitanas. Quem melhor captura esse tipo de informação é o Caged (Cadastro Geral de Empregos e Desempregos), do Ministério do Trabalho, que registra tão somente os empregos formais. Os dados mensais referentes às pesquisas de emprego e desemprego feitos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) continuaram apresentando em outubro, novembro e dezembro uma situação mais favorável ao mercado de trabalho, mostrando inclusive a queda do desemprego nessas regiões metropolitanas. Lembremos que, pelo menos até dezembro, estas não tinham sido afetadas como o foram as regiões do interior do país.

Crise internacional

A segunda razão a explicar essa mudança no comportamento da economia e seus impactos no mercado do trabalho estão, sim, associados, à crise internacional. Precisamos considerar os mecanismos de transmissão da crise internacional para o Brasil. E foram três os mecanismos de transmissão. O primeiro decorre do bloqueio da concessão do crédito internacional. As empresas produtoras de bens de consumo durável como automóveis, eletrodomésticos e habitação, no caso da construção civil, e a indústria de bens de capital, são setores que dependem de crédito para vender e financiar seus produtos. Esses setores que dependem de crédito internacional foram rapidamente afetados. Esgotou-se, congelou-se o crédito internacional. Isso se refletiu no Brasil naqueles setores que dependem de crédito para comercializar seus produtos e, sobretudo do crédito do exterior, caso das montadoras. O segundo mecanismo de internalização da crise estrangeira no Brasil se deve a um comportamento do comércio externo. Dessa forma foram afetados setores brasileiros voltados ao mercado externo, como o de mineração, papel celulose, sobretudo o setor primário exportador, tendo em vista a desaceleração do mercado internacional.

A terceira razão de internalização da crise estrangeira se deveu às decisões das corporações transnacionais, das grandes empresas cuja operação no Brasil é feita através de filiais, que refletiram decisões de matrizes, como a indústria automobilística, cujas sedes ficam na Ásia, Europa ou EUA, epicentro da crise. Nesses locais a dificuldade da crise fez com que as empresas tomassem uma série de decisões que, em parte, afetou as filiais. Mesmo que no Brasil o contexto fosse relativamente favorável dado o mercado interno e a situação de exportação, elas tomaram decisões em “solidariedade”, refletindo a realidade de outros países.

Esses três mecanismos de transmissão de crise impactaram o nível de atividade da economia brasileira, e por conseqüência se traduziram mais rapidmente no mercado de trabalho. Se olharmos os dados da Caged, veremos que, basicamente, as regiões mais afetadas foram aquelas com maior peso industrial, caso do Sudeste. Se pegarmos o saldo negativo que houve entre contratados e demitidos pelo emprego formal no último trimestre do ano, veremos que praticamente uma a cada duas pessoas demitidas é do estado de São Paulo. Claro que outras regiões com grande peso industrial também foram afetadas. Regiões com menos peso industrial, caso do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, registraram menor impacto da crise. Em segundo lugar, a crise, pelo menos no último trimestre do ano, não afetou o setor de distribuição: comércio e serviços. Temos uma situação desbalanceada que, neste primeiro trimestre de 2009 tenderá a convergir em situações desfavoráveis não apenas na indústria, mas contaminando outros setores da atividade econômica.

IHU On-Line - Até o momento, quantos brasileiros perderam seu emprego em função da crise econômica mundial?

Marcio Pochmann – Não temos essa informação porque há uma escassez de dados a respeito disso. A melhor informação de abrangência nacional é dada pelo Caged. Esse cadastro mostra apenas empregos criados e destruídos, formais. Os empregos formais no Brasil representam pouco mais de um terço das ocupações. Portanto não temos informação de quantas pessoas entraram no mercado de trabalho, porque devemos relacionar não apenas os empregos criados, mas quantas pessoas entraram e saíram do mercado de trabalho. As outras informações, que são mais abrangentes do ponto de vista do mercado de trabalho, feitas pelo IBGE e Dieese, nos refletem uma realidade de regiões metropolitanas, que representam um quinto da força de trabalho do país. Então, não estamos bem preparados para responder questões como essa, a não ser por meio de simulações que certamente são precárias, pois não conseguem dar uma dimensão tão abrangente como uma pesquisa ou cadastro de dados.

IHU On-Line - É prematuro falarmos em uma crise de desemprego ou ela já é uma realidade?

Marcio Pochmann – Não podemos falar do mercado de trabalho em si. O comportamento do mercado de trabalho é determinado, em geral, pelas condições gerais da economia. Evidentemente que os sinais para o comportamento da economia em 2009 são sinais de que, até o presente momento, o país terá uma expansão da produção, mas certamente num patamar bem aquém do ano de 2008 ou 2007. Então, podemos dizer que o Brasil conviverá, em 2009 com o aumento do desemprego, pois mesmo gerando empregos, essa quantidade não será suficiente para absorver as pessoas que ingressam no mercado de trabalho. Isso fará com que ainda mais pessoas se juntem ao estoque de desempregados existente. Qual é a dimensão disso é temerário apontar agora.

Precisamos considerar que, a despeito das enormes dificuldades do setor privado, especialmente nas empresas do setor industrial, e mesmo nas decisões das famílias, temos um elemento que pode compensar parte dessa decisão desfavorável. Trata-se do setor público. Precisamos considerar que 2009 é um ano no qual governadores e governo federal deverão reforçar seus investimentos e recursos em setores de estrutura e energia. O gasto público será um fator chave no comportamento da economia e, consequentemente, no emprego. No caso dos governos do estado, os dois anos anteriores foram anos de relativo ajuste nas finanças para que pudessem os dois últimos anos do governo serem de realizações. Vários governadores anunciaram uma espécie de PAC estadual. O próprio governo federal tem indicado sua capacidade de ampliar investimentos, a exemplo do PAC, que teve uma ampliação na quantidade de recursos, e o governo reagiu de forma interessante no que diz respeito à ampliação dos recursos para o BNDES. Não está muito claro, na verdade, que temos um quadro para dimensionar o tamanho do desemprego. O primeiro semestre deste ano será muito difícil, mas há uma expectativa que o segundo semestre irá compensar parte dessa situação desfavorável.

Uma crise de outra natureza

Outra informação que denota a dificuldade inclusive para as pessoas que estudam a situação do emprego de fazer um diagnóstico correto é que estamos diante de uma crise internacional de outra natureza. Nós não sabemos, não há informações nem da parte das autoridades governamentais da dimensão da crise, porque como ela resulta de uma economia muito desregulamentada, sem dados e informações (muitas vezes até os balanços das empresas não refletem a real situação), não há detalhes para dizermos se já chegamos ao fundo do poço da crise ou se iremos aprofundar ainda mais. Isso porque não são conhecidos os dados que enunciam a realidade precisa de bancos e empresas.

IHU On-Line - Redução de jornadas de trabalho e de salários, férias coletivas, e a suspensão de contratos de trabalho (layoff) são medidas válidas para mitigar o desemprego? Por quê?

Marcio Pochmann – Acredito que parte do que está sendo conduzido nas relações capital-trabalho, entre sindicatos e empresas, é expressão de uma maturidade, de um país com cerca de três décadas de tradição de negociação coletiva. Até o final dos anos 1970 não tínhamos grandes experiências em negociação coletiva de trabalho. Havia, até então, uma forte interferência da justiça do trabalho. Numa situação de inflexão da economia, da situação das empresas, temos uma realidade de negociação, discussão, o que é bastante importante. Contudo, tenho dúvida se essas medidas tomadas possam, de certa forma, se contrapor à situação mais geral do país. Muitas vezess olho essas medidas com preocupação, porque uma opção por reduzir jornada de trabalho com redução de salários pode, muitas vezes, acirrar o desemprego. Vendo do ponto de vista macroeconômico, uma solução do ponto de vista micro pode ser razoável para uma empresa, mas se generalizado, pode ser uma tragédia.

Um exemplo: um trabalhador que trabalhava 44 horas semanais e ganhava R$ 1 mil, com uma redução de 20% em carga horária e salarial ganharia R$800,00 e trabalharia 36 horas por semana. Para essa empresa isso pode ser razoável, mas para os trabalhadores que ganhavam essa quantia, isso não se aplica. Eles estavam acostumados àquele patamar para atender suas necessidades. Com a redução, os trabalhadores não irão se satisfazer com a situação de diminuição de sua renda e, possívelmente, de seu poder de compra. Esse trabalhador vai procurar um salário adicional através de um novo trabalho, ou um membro da família pode procurar trabalho para compensar essa redução do salário. Assim, haverá mais pessoas disputando as mesmas vagas existentes. Por decorrência, haverá mais pessoas em pressão por uma atividade adicional. É uma relação desfavorável para os trabalhadores, que terão mais disputa. Além disso, há uma diminuição da taxa de salários, e desse modo uma diminuição do poder de compra. Isso resulta em redução da produção, que reduz o tempo de trabalho e salários. Inicia uma círculo vicioso extremamente nocivo ao bem-estar da economia.

IHU On-Line - Que alternativas o senhor apontaria para esse problema em nosso país?

Marcio Pochmann – O foco da problemática do mercado de trabalho não está no mercado de trabalho. Ele reflete uma situação da economia, portando o foco deve ser na economia brasileira. O que pode ser feito para manter, sustentar o nível de produção, e em conseqüência o nível de emprego? Nesse sentido, a saída para essa problemática de ordem econômica, é política. Portanto, num momento singular como esse seria fundamental um grande entendimento nacional, que reunisse governo, trabalhadores e empresários. O que estamos vendo do Brasil é uma certa “descoordenação”. Há setores muito fortes, poderosos, que pressionam o governo, que responde oferecendo isenções, subsídios fiscais, reduzindo crédito, e fazendo ações que são adequadas. Todavia essa é uma decisão que é feita a um setor em dificuldades, mas que não gera um compromisso do setor patronal pelo emprego da mão-de-obra. Nós vemos setores que foram ajudados pelo governo e que continuaram demitindo. Assim, não há uma correspondência.

Sempre faço uma correlação com programas tipo o Bolsa Família. A população beneficiada tem uma série de condicionalidades para receber o recurso. Os setores privados que recebem recursos públicos, que são oriundos de do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e de recursos orçamentários, precisam ter um compromisso com algumas metas, condicionalidades, que são a manutenção do emprego, sua qualidade. Isso tudo poderia ser estabelecido num grande entendimento nacional, quando setores prejudicados apresentariam suas dificuldades, se constituiria um programa de enfrentamento e defesa da produção do emprego. Os trabalhadores também participariam. Então teríamos um grande entendimento nacional, que no meu parecer seria avançar na repactuação federativa. Os problemas que temos hoje não são exclusivamente pertinentes ao governo federal.

É necessário que desburocratizemos legislações para facilitar decisões. É o caso de decisões no ramo da construção civil, como a anunciada pelo governo sobre o adicional para a construção de casas. Até as casas serem construídas de fato, talvez demore de seis a doze meses. Precisamos de ações imediatas, que nesse nesse caso específico não são possíveis em função de uma série de burocracias. Um entendimento do Legislativo, Judiciário e Ministério Público sobre a singularidade que vivemos, poderia facilitar agilidade entre a decisão e a efetiva realização dessa ação na economia brasileira. Esse entendimento que levasse a uma repactuação federativa incluiria o governo federal, Legislativo e Judiciário, bem como governadores e também prefeitos.

Crise como oportunidade

Há uma série de decisões que prefeitos e governadores podem fazer que amenizariam a situação da crise. Vou dar um exemplo. No início do ano todos os que possuem propriedade estão fazendo pagamentos relativos ao IPVA e ao IPTU. No Brasil sabemos que esses dois impostos são fortemente regressivos. Quem paga mais tributos são os mais pobres. Temos dados produzidos pelo próprio IPEA que mostram que quem mora mansões, de modo geral, paga menos impostos do que quem mora em favelas. Há uma série de ações que poderiam ser tomadas para acabar com esse tipo de situação, como a redução de tributos sobre os mais pobres e o aumento de tributos sobre os mais ricos. Isso o prefeito pode fazer, mas depende da Câmara Municipal, portanto estamos chamando atenção para o fato de que no Brasil, diante dessa singularidade, dessa especificidade da crise global do capital, é necessário um entendimento de todas as forças para que o país se fortaleça de uma situação assim, a exemplo de outras situações históricas.

A crise no Brasil nem sempre foi só malefício. As grandes crises pelas quais passamos também nos trouxeram grandes oportunidades que, de certa maneira, foram aproveitadas. É o caso de 1929, uma verdadeira tragédia para o setor primário exportador, quando as grandes lavouras de café foram prejudicadas. Nesse período houve um efeito social negativo inegável, mas que permitiu ao Brasil construir um novo pacto político que conduziu-o a um novo projeto de desenvolvimento, um projeto de industrialização, urbanização, a formação da classe trabalhadora e da classe média brasileira. O Brasil tornou-se outro após a crise.

Em 1973, quando praticamente se desestrutura o sistema monetário internacional construído no pós-guerra, o tratado de Bretton Woods, houve uma elevação no preço do petróleo, dos commodities, uma recessão internacional, o Brasil mesmo sob o regime militar tomou uma série de iniciativas muito importantes na época, caso da constituição do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento. A despeito dos seus problemas, esse Plano foi fundamental para completar parte da industrialização brasileira, construindo grandes setores exportadores de produtos, que são hoje ainda uma marca do Brasil. Foi um momento fundamental para a inovação tecnológica rumo à constituição de uma matriz energética diferente, que se deu através do Proalcool, que tem sua origem aí, e até mesmo uma flexibilização que ocorreu na política de arroxo salarial da época. Lembro, ainda, da introdução de um programa de transferência de renda, o Renda Mensal Vitalícia. Ou seja, o Brasil aproveitou a crise para se fortalecer em termos de mercado interno.

A crise atual é grave. É uma crise sistêmica, estrutural do capitalismo, mas nós podemos aproveitá-la para sairmos melhor dela, se tivermos capacidade de construir um entendimento sobre o que é prioritário para o povo brasileiro.

IHU On-Line - Trabalhadores desempregados em função dos desdobramentos da crise tendem a se colocar em outros setores da economia formal ou haverá um incremento do emprego informal no Brasil?

Marcio Pochmann – Se de fato tivemos uma inflexão no comportamento da economia, possivelmente teremos uma inflexão no comportamento do mercado de trabalho. Nos últimos cinco anos há sinais nítidos de uma estruturação do mercado de trabalho, isto é, fortalecimento do emprego em geral, sobretudo do emprego com carteira assinada, acompanhado da redução do desemprego e da informalidade. Se há uma inflexão na economia a partir de outubro do ano passado, possivelmente teremos uma inflexão no mercado de trabalho, o que significa falarmos em aumento do desemprego, da informalidade e redução da expansão do emprego formal.

IHU On-Line - Como percebe o apoio do BNDES a empresas em fusão, como a Votorantin e a Aracruz? Essa é uma estratégia que, a médio prazo fortalece o capital nacional e assim evita o desemprego?

Marcio Pochmann – A postura do BNDES é, de certa forma, muito diferente durante o governo Lula daquela executada em governos anteriores, sobretudo na gestão FHC. Naquela época o BNDES era um banco que apoiava a privatização. De certa maneira, a privatização no Brasil aumentou a internacionalização, a presença de empresas estrangeiras dominando antigos monopólios estatais, como o setor de telefonia. Na postura atual do BNDES, há uma tentativa de reforço da estrutura brasileira, apoiando grandemente setores como os de logística, como na rede portuária, e a questão energética. O BNDES também vem conduzindo através de uma política de desenvolvimento produtivo para diferentes setores, entre eles as grandes corporações brasileiras, uma reestruturação patrimonial.

Estamos num mundo comandado por praticamente 500 grandes corporações transnacionais que dominam qualquer setor de atividade econômica. Portanto as decisões que ocorrem nos países não são tomadas naquele país. Não são mais os países que tem as empresas, mas as empresas que tem os países. Basta dizer que Petrobras tem um faturamento maior do que o PIB da Argentina. As três maiores corporações transnacionais do mundo tem um faturamento somado que, somado, é maior do que o PIB brasileiro. Portanto a condução do BNDES tem sido de forma estratégica, de ajudar a construir grandes empresas brasileiras de caráter global. Se a Vale do Rio Doce tivesse sido privatizada, suas decisões não seriam consubstancializadas na realidade brasileira, mas sim no comportamento do mundo. O fato de termos a Vale, que parte é formada por capital oriundo de fundos públicos, permite que o presidente da República chame o ministro da Fazenda e o presidente da empresa e questione-os sobre suas decisões de reduzir empregos, sobre qual é o seu real compromisso com o Brasil. A mesma coisa o presidente não pode fazer com uma empresa estrangeira. Essa preocupação com a ajuda a grandes corporações, no caso brasileiro, tem outra finalidade, que não é a geração de empregos imediata. Essa preocupação diz respeito ao papel que o Brasil tem no comportamento da economia mundial. É necessário, contudo, que se olhe com mais cuidado o fato de que o BNDES opera um fundo que é o FAT. Portanto é necessário que os recursos do BNDES estejam, cada vez mais, compromissados com o emprego e a qualidade deste. Isso deve ser uma orientação não apenas da direção da Petrobras, mas também daqueles que fiscalizam o FAT, que diz respeito ao Ministério do Trabalho, às Centrais Sindicais que lá estão, junto aos empregadores.

IHU On-Line - Que aspectos negativos e positivos o plano de Mantega “empréstimo sim, demissão não” traz à conjuntura trabalhista brasileira?

Marcio Pochmann – Acreditamos que, do ponto de vista dos recursos públicos, é necessário que existam condicionalidades. Da mesma forma que se faz condicionalidades para repasse do recurso público para prefeituras, governos estaduais, para os pobres através do Bolsa Família, é necessário que o Brasil tenha condicionalidades em relação aos recursos que vão para o setor privado. Essas condicionalidades precisam ser melhor entendidas, seja do ponto de vista da qualidade do produto, da responsabilidade ambiental, do pagamento de impostos e, evidentemente, do compromisso do emprego, sua qualidade e quantidade. Acredito que é fundamental que exista esse conjunto de condicionalidades, sem o qual estaríamos mantendo um enorme desbalanço entre as condicionalidades exigidas para determinados entes do setor público e segmentos sociais. Numa democracia, é claro que não se justifica a realidade tão desigual como a que temos no direcionamento de recursos públicos.

Poderíamos avançar no sentido da responsabilidade. A Receita Federal, por exemplo, permite uma série de subsídios para famílias das classes média e alta. Todos sabemos que é possível abater do imposto de renda a utilização para recursos da saúde, na previdência privada, e na escola. Essas famílias deveriam ter compromisso, responsabilidade com esse recurso que lhe é beneficiado em forma de subsídio no pagamento do Imposto de Renda, seja na contratação de serviços formalizados, como no caso do emprego doméstico. No Brasil, de cada dez trabalhadores domésticos, sete não são contratados com carteira assinada. Quem contrata essas domésticas com carteira assinada? As famílias de classe média e rica, famílias essas beneficiadas com subsídios para pagamento de educação, previdência e saúde. Eu diria que essa realidade de compromissos em torno do uso do recurso público deveria ser generalizada, e não apenas como é hoje, para determinados segmentos, registrando uma espécie de preconceito.


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Frei Tito memorial on-line

Frei Tito memorial on-line
O Memorial Virtual Frei Tito é um espaço dedicado a um dos maiores símbolos da luta pelos direitos humanos e pela democracia na América Latina e Caribe. Cearense, filho, irmão, frade, ativista, preso político, torturado, exilado, mártir... Conhecer a história de Frei Tito é fundamental para entender as lutas políticas e sociais travadas nos últimos 40 anos contra a tirania de regimes ditatoriais. Neste hotsite colocamos à disposição documentos, fotos, testemunhos, textos e outras informações sobre a vida de Tito de Alencar Lima, frade dominicano que colaborou com a luta armada durante a ditadura militar no Brasil.

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais de diversos Estados do Brasil ocupam mais um latifúndio: o do conhecimento. Dar continuidade às conquistas no campo da educação é o objetivo da Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST, que pretende recolher livros para as bibliotecas dos Centros de Formação. Veja como participar clicando na figura.

Fórum Social Mundial

Fórum Social Mundial
O Fórum Social Mundial (FSM) é um espaço aberto de encontro – plural, diversificado, não-governamental e não-partidário –, que estimula de forma descentralizada o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação entre organizações e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mais solidário, democrático e justo. Em 2009, o Fórum acontecerá entre os dias 27 de janeiro a 1° de fevereiro, em Bélem, Pará. Para saber mais, clicar na figura.

Fórum Mundial de Teologia e Libertação

Fórum Mundial de Teologia e Libertação
É um espaço de encontro para reflexão teológica tendo em vista contribuir para a construção de uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por perspectivas de libertação, paz e justiça. O FMTL se reconhece como resultado do movimento ecumênico e do diálogo das diferentes teologias contemporâneas identificadas com processos de transformação da sociedade. Acontecerá entre os dias 21 a 25 de janeiro em Bélem, Pará, e discutirá o tema "Água - Terra - Teologia para outro Mundo possível". Mais informações, clicar na figura.

IBASE

IBASE
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) foi criado em 1981. O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, é um dos fundadores da Instituição que não possui fins lucrativos e nem vinculação religiosa e partidária. Sua missão é de aprofundar a democracia, seguindo os princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade. Aposta na construção de uma cultura democrática de direitos, no fortalecimento do tecido associativo e no monitoramento e influência sobre políticas públicas. Para entrar no site do Ibase, clicar na figura.

Celso Furtado

Celso Furtado
Foi lançado no circuito comercial o DVD do documentário "O longo amanhecer - cinebiografia de Celso Furtado", de José Mariani. Para saber mais, clicar na figura.

O malabarismo dos camaleões

O malabarismo dos camaleões
Estranha metamorfose: os economistas e jornalistas que defenderam, durante décadas, as supostas qualidades do mercado, agora camuflam suas posições. Ou — pior — viram a casaca e, para não perder terreno, fingem esquecer de tudo o que sempre disseram. Para ler, clicar na figura.

A opção pelo não-mercantil

A opção pelo não-mercantil
A expansão dos serviços públicos gratuitos pode ser uma grande saída, num momento de recessão generalizada e desemprego. Mas para tanto, é preciso vencer preconceitos, rever teorias e demonstrar que a economia não-mercantil não depende da produção capitalista. Para ler, clicar na figura.