sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

José Luis Fiori

Os economistas e a crise

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fonte: Agência Carta Maior


Finalmente, no dia 17 de fevereiro de 2009, o presidente Barack Obama sancionou seu pacote de estímulo à economia americana, no valor de US$ 787 bilhões. Uma semana antes, seu secretário do Tesouro, Timothy Geithner, anunciara um outro pacote de medidas que podem chegar aos US$ 2 trilhões, para reativar o crédito e salvar o sistema financeiro americano. Mas, apesar do volume de recursos envolvidos, não se sabe exatamente quando, onde e como serão gastos, nem tampouco se sabe se a sua utilização produzirá os efeitos desejados.

No meio desta confusão, só existem duas coisas que podem ser ditas com toda certeza: a primeira, é que faça o que faça o governo americano, será absolutamente decisivo para a evolução da crise no resto do mundo; e a segunda, que apesar das incertezas, todos os governos envolvidos estão fazendo a mesma aposta e adotando as mesmas políticas de redução das taxas de juros e adoção de sucessivos pacotes fiscais de ajuda ao sistema financeiro e estímulo à produção e ao emprego, além de defender a re-regulação dos mercados.

Muitos consideram esta convergência uma vitória da "economia keynesiana", mas do nosso ponto de vista ela não tem a ver com nenhum tipo de vitória ou derrota, no campo da teoria econômica. Trata-se de uma reação emergencial e pragmática frente à ameaça de colapso do poder dos Estados e dos bancos e, como consequência, dos sistemas de produção e emprego. Foi uma mudança de rumo inesperada e inevitável que foi imposta pela força dos fatos, independente da ideologia econômica dos governantes que estão aplicando as novas políticas "intervencionistas".

Na verdade, o que se está assistindo é uma versão invertida da famosa frase da Sra. Thatcher: "There is no alternative". Só que agora, depois de setembro de 2008, a nova convergência aconteceu sem maiores discussões teóricas ou ideológicas e sem nenhum entusiasmo político, ao contrário do que ocorreu com a grande onda e hegemonia do pensamento liberal-conservador, dos anos 1980/90, que atravessou os planos da vida política, econômica e intelectual das sociedades capitalistas. A teoria econômica ortodoxa não previu e não sabe explicar a crise atual e, assim, não tem nada para dizer nem propor neste momento. São apenas lamentos e exclamações morais contra os "vícios privados" e os "excessos públicos", por consequência, as teses ortodoxas e a ideologia liberal saíram do primeiro plano, mas não morreram nem desapareceram, pelo contrário, permanecem atuantes em todos as frentes e trincheiras de resistência às políticas estatizantes que estão em curso. Uma resistência que tem crescido a cada hora que passa, dentro e fora dos EUA.

Do outro lado da trincheira, quase todos economistas keynesianos interpretam esta crise mundial seguindo o argumento clássico de Henry Minsky (Minsky, P.H., 1975, "The Modeling of Financial Instability: An Introduction", 1974, Modelling and Simulation; John Maynard Keynes, 1975, e "The Financial Instability Hypothesis: A Restatement", 1978, Thames Papers on Political Economy), sobre a tendência endógena das economias monetárias à "instabilidade financeira", às bolhas especulativas e aos períodos de desorganização e caos provocados pela expansão desregulada do crédito e do endividamento, momentos em que se impõe a intervenção pública e a regulação dos mercados. Apesar de suas divergências internas, a respeito de valores, procedimentos e velocidades, todos os keynesianos acreditam na eficácia, e estão propondo uma intervenção massiva do Estado para salvar o sistema financeiro e reativar o crédito, a produção e a demanda efetiva.

O problema é que a teoria de Minsky explica a origem imediata da crise do mercado imobiliário americano, mas não é suficiente para entender e prever a complexidade do seu desenvolvimento posterior. Por isto, os keynesianos também não sabem o que vem pela frente, nem têm como garantir antecipadamente o sucesso de suas recomendações. Neste ponto, existe um paradoxo que em geral é escondido pela teoria econômica: o fato dos keynesianos compartilharem com os economistas liberais uma espécie de "erro liberal invertido" e complementar: os liberais acreditam na possibilidade e na eficácia da eliminação do poder político e do Estado do mundo dos mercados; enquanto os keynesianos acreditam na possibilidade e na eficácia da intervenção corretiva do estado no mundo econômico.

Mas tanto ortodoxos, quanto keynesianos, trabalham com a mesma idéia de um Estado homogêneo e externo ao mundo econômico, que num caso é capaz de se retirar e ficar na porta do mercado, cuidadoso e atento como um guarda florestal, ou então, no outro caso, é capaz de formular políticas econômicas sábias e eficazes a cada nova crise, como um Papai Noel à espera do próximo Natal, para distribuir seus presentes. Por isto, ortodoxos e keynesianos compartilham a mesma posição e a mesma dificuldade liberal de compreender e incluir nos seus modelos e recomendações as contradições e as lutas políticas próprias do mundo econômico. Não conseguem entender, por exemplo, que na origem financeira da atual crise econômica mundial não houve um erro ou "déficit de atenção" do poder público dos EUA, onde a desregulamentação dos mercados financeiros e as "bolhas" ou "ciclos de ativos" cumpriram - nos anos 80/90 - um papel decisivo na financeirização capitalista e no enriquecimento privado, mas também no fortalecimento do poder fiscal e creditício do Estado e da moeda americanos. Como consequência, agora, os passivos que estão realimentando a própria crise não são uma "massa podre homogênea", pelo contrário, eles têm nome e sobrenome, individual, corporativo, partidário e nacional, e envolvem interesses contraditórios que estão travando uma luta ferrenha em todos os planos e instâncias nacionais e internacionais.

O Estado e o capital financeiro americanos foram sócios no fortalecimento do poder político e econômico americano nos década de 80/90, e agora se defenderão à morte a cada novo passo e a cada nova arbitragem que imponha seu enfraquecimento dentro e fora dos EUA. Por isto, esta crise não tem uma solução técnica e não existe possibilidade de um acordo político à vista entre os grupos de poder americanos e entre as grandes potências. Os economistas e as autoridades governamentais de todo o mundo estão num vôo cego. A crise começou como um tufão, mas deverá se prolongar e aprofundar na forma de uma "epidemia darwinista".

(*) Artigo publicado originalmente no Valor Econômico.

Projeto Excelências


Clique na imagem e leia as crônicas do professor Fonseca Neto no portal Acessepiauí

Este é um espaço para crítica social, destinado a contribuir para a transformação do Estado do Piauí (Brasil).

Livro

Livro
A autora, Grace Olsson, colheu dados e fotos sobre a situação das crianças refugiadas na África. Os recursos obtidos com a venda do livro possibilitará a continuação do trabalho da Grace com crianças africanas. Mais informações pelo e-mail: graceolsson@editoranovitas.com.br

Frei Tito memorial on-line

Frei Tito memorial on-line
O Memorial Virtual Frei Tito é um espaço dedicado a um dos maiores símbolos da luta pelos direitos humanos e pela democracia na América Latina e Caribe. Cearense, filho, irmão, frade, ativista, preso político, torturado, exilado, mártir... Conhecer a história de Frei Tito é fundamental para entender as lutas políticas e sociais travadas nos últimos 40 anos contra a tirania de regimes ditatoriais. Neste hotsite colocamos à disposição documentos, fotos, testemunhos, textos e outras informações sobre a vida de Tito de Alencar Lima, frade dominicano que colaborou com a luta armada durante a ditadura militar no Brasil.

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais de diversos Estados do Brasil ocupam mais um latifúndio: o do conhecimento. Dar continuidade às conquistas no campo da educação é o objetivo da Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST, que pretende recolher livros para as bibliotecas dos Centros de Formação. Veja como participar clicando na figura.

Fórum Social Mundial

Fórum Social Mundial
O Fórum Social Mundial (FSM) é um espaço aberto de encontro – plural, diversificado, não-governamental e não-partidário –, que estimula de forma descentralizada o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação entre organizações e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mais solidário, democrático e justo. Em 2009, o Fórum acontecerá entre os dias 27 de janeiro a 1° de fevereiro, em Bélem, Pará. Para saber mais, clicar na figura.

Fórum Mundial de Teologia e Libertação

Fórum Mundial de Teologia e Libertação
É um espaço de encontro para reflexão teológica tendo em vista contribuir para a construção de uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por perspectivas de libertação, paz e justiça. O FMTL se reconhece como resultado do movimento ecumênico e do diálogo das diferentes teologias contemporâneas identificadas com processos de transformação da sociedade. Acontecerá entre os dias 21 a 25 de janeiro em Bélem, Pará, e discutirá o tema "Água - Terra - Teologia para outro Mundo possível". Mais informações, clicar na figura.

IBASE

IBASE
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) foi criado em 1981. O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, é um dos fundadores da Instituição que não possui fins lucrativos e nem vinculação religiosa e partidária. Sua missão é de aprofundar a democracia, seguindo os princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade. Aposta na construção de uma cultura democrática de direitos, no fortalecimento do tecido associativo e no monitoramento e influência sobre políticas públicas. Para entrar no site do Ibase, clicar na figura.

Celso Furtado

Celso Furtado
Foi lançado no circuito comercial o DVD do documentário "O longo amanhecer - cinebiografia de Celso Furtado", de José Mariani. Para saber mais, clicar na figura.

O malabarismo dos camaleões

O malabarismo dos camaleões
Estranha metamorfose: os economistas e jornalistas que defenderam, durante décadas, as supostas qualidades do mercado, agora camuflam suas posições. Ou — pior — viram a casaca e, para não perder terreno, fingem esquecer de tudo o que sempre disseram. Para ler, clicar na figura.

A opção pelo não-mercantil

A opção pelo não-mercantil
A expansão dos serviços públicos gratuitos pode ser uma grande saída, num momento de recessão generalizada e desemprego. Mas para tanto, é preciso vencer preconceitos, rever teorias e demonstrar que a economia não-mercantil não depende da produção capitalista. Para ler, clicar na figura.