sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Entrevista - Márcio Pochmann

Haverá desemprego mesmo se a economia crescer 4% ao ano

Por Márcia Junges
Fonte: UNISINOS

É inegável que em 2009 o Brasil conviverá com o aumento do desemprego, analisa o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Márcio Pochmann, na entrevista exclusiva que concedeu por telefone ao site do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Marcio Pochmann é doutor em Economia e professor do Instituto de Economia da Unicamp, autor de "Políticas do trabalho e de garantia de renda – O capitalismo em mudança" (São Paulo: Editora São Paulo); "E-trabalho" (São Paulo: Publisher Brasil, 2002) e "Desenvolvimento, trabalho e solidariedade" (São Paulo: Cortez, 2002).


IHU On-Line - Especialistas preveem um percentual de 9 a 10% de desemprego nos EUA para 2009. Qual é a previsão para o Brasil?

Marcio Pochmann – Nós não temos no momento, pelo menos de parte do IPEA, uma projeção desse dado, tão pouco para o nível de atividade da economia e para o desempenho do mercado de trabalho. Em março nós teremos uma projeção. Justamente em março divulgamos as projeções para diversas variáveis macroeconômicas, inclusive a situação do emprego para o ano em curso. O que o IPEA fez, a partir de um grupo de trabalho que trata da temática da crise, é divulgar um estudo que trata do desemprego e emprego no Brasil a partir de uma simulação das expectativas de crescimento da economia nacional. Nesse estudo se trabalhou com a simulação de três cenários. O primeiro, de comportamento do PIB estimado em 4% ao ano. O segundo em 2,5%. E o terceiro com uma projeção de 1% de expansão da economia. Nesses três cenários, haveria aumento do número de pessoas desempregadas, mesmo se a economia venha a crescer 4% ao ano. Havendo aumento do desemprego, ele não seria em termos absolutos o suficiente para aumentar a taxa de desempregados, que se manteria estabilizada em 2009 no mesmo patamar de 2008. Para uma expansão inferior a 4%, teríamos, sim, um desempenho do mercado de trabalho bem menos acentuado e isso se refletiria no aumento da taxa de desemprego, uma vez que o número de empregos gerados seria insuficiente à quantidade de pessoas que ingressam no mercado de trabalho.

IHU On-Line - Por que razões o desemprego em nosso país está se concentrando mais em alguns setores, como o automotivo?

Marcio Pochmann – Temos que considerar que a economia brasileira no ano de 2008 tem dois movimentos bem distintos. O primeiro podemos considerar até o mês de outubro, quando registrava uma trajetória bastante acelerada de expansão, com forte criação de empregos, praticamente fazendo com que não apenas melhorasse a estrutura do mercado de trabalho, com empregos assalariados, com carteira de trabalho, protegidos, reduzindo a informalidade, e também reduzindo o desemprego. A partir de outubro do ano passado, passamos a ter um outro comportamento da economia, que se refletiu imediatamente no comportamento do mercado de trabalho. Acreditamos que essa inflexão na trajetória da economia brasileira nesse último trimestre está relacionada a três fatores.

O primeiro diz respeito a uma decisão interna brasileira no que tange à elevação das taxas de juros que tiveram curso no ano passado. As taxas de juros foram elevadas na perspectiva de se combater a inflação, pelo menos foi essa a justificativa apresentada. Nós achamos que foi um equívoco essa elevação, mas de qualquer maneira, toda vez que há uma elevação da taxa de juros, seus efeitos não são imediatos no comportamento da economia. Há um lapso de tempo que varia de quatro a sete meses para que seus resultados possam ser sentidos. Portanto, os impactos negativos da elevação da taxa de juros passaram a ser mais pronunciados justamente a partir de outubro do ano passado. Então uma inflexão na trajetória da economia a partir de outubro se deu, em primeiro lugar, por decisão interna, em decorrência da elevação da taxa de juros, que fez com que as iniciativas de ampliação de investimentos e sobretudo de ampliação da atividade econômica fossem contidas pelos juros maiores, pois toda vez que há juros muito elevados, como no caso brasileiro, há preferência pela aplicação financeira, e não na produção.

Esse é o primeiro aspecto que ajuda a entender por que nós tivemos uma inflexão na expansão da economia a partir de outubro e isso foi rapidamente foi identificado no comportamento do mercado de trabalho, especialmente no interior do Brasil, menos nas regiões metropolitanas. Quem melhor captura esse tipo de informação é o Caged (Cadastro Geral de Empregos e Desempregos), do Ministério do Trabalho, que registra tão somente os empregos formais. Os dados mensais referentes às pesquisas de emprego e desemprego feitos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) continuaram apresentando em outubro, novembro e dezembro uma situação mais favorável ao mercado de trabalho, mostrando inclusive a queda do desemprego nessas regiões metropolitanas. Lembremos que, pelo menos até dezembro, estas não tinham sido afetadas como o foram as regiões do interior do país.

Crise internacional

A segunda razão a explicar essa mudança no comportamento da economia e seus impactos no mercado do trabalho estão, sim, associados, à crise internacional. Precisamos considerar os mecanismos de transmissão da crise internacional para o Brasil. E foram três os mecanismos de transmissão. O primeiro decorre do bloqueio da concessão do crédito internacional. As empresas produtoras de bens de consumo durável como automóveis, eletrodomésticos e habitação, no caso da construção civil, e a indústria de bens de capital, são setores que dependem de crédito para vender e financiar seus produtos. Esses setores que dependem de crédito internacional foram rapidamente afetados. Esgotou-se, congelou-se o crédito internacional. Isso se refletiu no Brasil naqueles setores que dependem de crédito para comercializar seus produtos e, sobretudo do crédito do exterior, caso das montadoras. O segundo mecanismo de internalização da crise estrangeira no Brasil se deve a um comportamento do comércio externo. Dessa forma foram afetados setores brasileiros voltados ao mercado externo, como o de mineração, papel celulose, sobretudo o setor primário exportador, tendo em vista a desaceleração do mercado internacional.

A terceira razão de internalização da crise estrangeira se deveu às decisões das corporações transnacionais, das grandes empresas cuja operação no Brasil é feita através de filiais, que refletiram decisões de matrizes, como a indústria automobilística, cujas sedes ficam na Ásia, Europa ou EUA, epicentro da crise. Nesses locais a dificuldade da crise fez com que as empresas tomassem uma série de decisões que, em parte, afetou as filiais. Mesmo que no Brasil o contexto fosse relativamente favorável dado o mercado interno e a situação de exportação, elas tomaram decisões em “solidariedade”, refletindo a realidade de outros países.

Esses três mecanismos de transmissão de crise impactaram o nível de atividade da economia brasileira, e por conseqüência se traduziram mais rapidmente no mercado de trabalho. Se olharmos os dados da Caged, veremos que, basicamente, as regiões mais afetadas foram aquelas com maior peso industrial, caso do Sudeste. Se pegarmos o saldo negativo que houve entre contratados e demitidos pelo emprego formal no último trimestre do ano, veremos que praticamente uma a cada duas pessoas demitidas é do estado de São Paulo. Claro que outras regiões com grande peso industrial também foram afetadas. Regiões com menos peso industrial, caso do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, registraram menor impacto da crise. Em segundo lugar, a crise, pelo menos no último trimestre do ano, não afetou o setor de distribuição: comércio e serviços. Temos uma situação desbalanceada que, neste primeiro trimestre de 2009 tenderá a convergir em situações desfavoráveis não apenas na indústria, mas contaminando outros setores da atividade econômica.

IHU On-Line - Até o momento, quantos brasileiros perderam seu emprego em função da crise econômica mundial?

Marcio Pochmann – Não temos essa informação porque há uma escassez de dados a respeito disso. A melhor informação de abrangência nacional é dada pelo Caged. Esse cadastro mostra apenas empregos criados e destruídos, formais. Os empregos formais no Brasil representam pouco mais de um terço das ocupações. Portanto não temos informação de quantas pessoas entraram no mercado de trabalho, porque devemos relacionar não apenas os empregos criados, mas quantas pessoas entraram e saíram do mercado de trabalho. As outras informações, que são mais abrangentes do ponto de vista do mercado de trabalho, feitas pelo IBGE e Dieese, nos refletem uma realidade de regiões metropolitanas, que representam um quinto da força de trabalho do país. Então, não estamos bem preparados para responder questões como essa, a não ser por meio de simulações que certamente são precárias, pois não conseguem dar uma dimensão tão abrangente como uma pesquisa ou cadastro de dados.

IHU On-Line - É prematuro falarmos em uma crise de desemprego ou ela já é uma realidade?

Marcio Pochmann – Não podemos falar do mercado de trabalho em si. O comportamento do mercado de trabalho é determinado, em geral, pelas condições gerais da economia. Evidentemente que os sinais para o comportamento da economia em 2009 são sinais de que, até o presente momento, o país terá uma expansão da produção, mas certamente num patamar bem aquém do ano de 2008 ou 2007. Então, podemos dizer que o Brasil conviverá, em 2009 com o aumento do desemprego, pois mesmo gerando empregos, essa quantidade não será suficiente para absorver as pessoas que ingressam no mercado de trabalho. Isso fará com que ainda mais pessoas se juntem ao estoque de desempregados existente. Qual é a dimensão disso é temerário apontar agora.

Precisamos considerar que, a despeito das enormes dificuldades do setor privado, especialmente nas empresas do setor industrial, e mesmo nas decisões das famílias, temos um elemento que pode compensar parte dessa decisão desfavorável. Trata-se do setor público. Precisamos considerar que 2009 é um ano no qual governadores e governo federal deverão reforçar seus investimentos e recursos em setores de estrutura e energia. O gasto público será um fator chave no comportamento da economia e, consequentemente, no emprego. No caso dos governos do estado, os dois anos anteriores foram anos de relativo ajuste nas finanças para que pudessem os dois últimos anos do governo serem de realizações. Vários governadores anunciaram uma espécie de PAC estadual. O próprio governo federal tem indicado sua capacidade de ampliar investimentos, a exemplo do PAC, que teve uma ampliação na quantidade de recursos, e o governo reagiu de forma interessante no que diz respeito à ampliação dos recursos para o BNDES. Não está muito claro, na verdade, que temos um quadro para dimensionar o tamanho do desemprego. O primeiro semestre deste ano será muito difícil, mas há uma expectativa que o segundo semestre irá compensar parte dessa situação desfavorável.

Uma crise de outra natureza

Outra informação que denota a dificuldade inclusive para as pessoas que estudam a situação do emprego de fazer um diagnóstico correto é que estamos diante de uma crise internacional de outra natureza. Nós não sabemos, não há informações nem da parte das autoridades governamentais da dimensão da crise, porque como ela resulta de uma economia muito desregulamentada, sem dados e informações (muitas vezes até os balanços das empresas não refletem a real situação), não há detalhes para dizermos se já chegamos ao fundo do poço da crise ou se iremos aprofundar ainda mais. Isso porque não são conhecidos os dados que enunciam a realidade precisa de bancos e empresas.

IHU On-Line - Redução de jornadas de trabalho e de salários, férias coletivas, e a suspensão de contratos de trabalho (layoff) são medidas válidas para mitigar o desemprego? Por quê?

Marcio Pochmann – Acredito que parte do que está sendo conduzido nas relações capital-trabalho, entre sindicatos e empresas, é expressão de uma maturidade, de um país com cerca de três décadas de tradição de negociação coletiva. Até o final dos anos 1970 não tínhamos grandes experiências em negociação coletiva de trabalho. Havia, até então, uma forte interferência da justiça do trabalho. Numa situação de inflexão da economia, da situação das empresas, temos uma realidade de negociação, discussão, o que é bastante importante. Contudo, tenho dúvida se essas medidas tomadas possam, de certa forma, se contrapor à situação mais geral do país. Muitas vezess olho essas medidas com preocupação, porque uma opção por reduzir jornada de trabalho com redução de salários pode, muitas vezes, acirrar o desemprego. Vendo do ponto de vista macroeconômico, uma solução do ponto de vista micro pode ser razoável para uma empresa, mas se generalizado, pode ser uma tragédia.

Um exemplo: um trabalhador que trabalhava 44 horas semanais e ganhava R$ 1 mil, com uma redução de 20% em carga horária e salarial ganharia R$800,00 e trabalharia 36 horas por semana. Para essa empresa isso pode ser razoável, mas para os trabalhadores que ganhavam essa quantia, isso não se aplica. Eles estavam acostumados àquele patamar para atender suas necessidades. Com a redução, os trabalhadores não irão se satisfazer com a situação de diminuição de sua renda e, possívelmente, de seu poder de compra. Esse trabalhador vai procurar um salário adicional através de um novo trabalho, ou um membro da família pode procurar trabalho para compensar essa redução do salário. Assim, haverá mais pessoas disputando as mesmas vagas existentes. Por decorrência, haverá mais pessoas em pressão por uma atividade adicional. É uma relação desfavorável para os trabalhadores, que terão mais disputa. Além disso, há uma diminuição da taxa de salários, e desse modo uma diminuição do poder de compra. Isso resulta em redução da produção, que reduz o tempo de trabalho e salários. Inicia uma círculo vicioso extremamente nocivo ao bem-estar da economia.

IHU On-Line - Que alternativas o senhor apontaria para esse problema em nosso país?

Marcio Pochmann – O foco da problemática do mercado de trabalho não está no mercado de trabalho. Ele reflete uma situação da economia, portando o foco deve ser na economia brasileira. O que pode ser feito para manter, sustentar o nível de produção, e em conseqüência o nível de emprego? Nesse sentido, a saída para essa problemática de ordem econômica, é política. Portanto, num momento singular como esse seria fundamental um grande entendimento nacional, que reunisse governo, trabalhadores e empresários. O que estamos vendo do Brasil é uma certa “descoordenação”. Há setores muito fortes, poderosos, que pressionam o governo, que responde oferecendo isenções, subsídios fiscais, reduzindo crédito, e fazendo ações que são adequadas. Todavia essa é uma decisão que é feita a um setor em dificuldades, mas que não gera um compromisso do setor patronal pelo emprego da mão-de-obra. Nós vemos setores que foram ajudados pelo governo e que continuaram demitindo. Assim, não há uma correspondência.

Sempre faço uma correlação com programas tipo o Bolsa Família. A população beneficiada tem uma série de condicionalidades para receber o recurso. Os setores privados que recebem recursos públicos, que são oriundos de do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e de recursos orçamentários, precisam ter um compromisso com algumas metas, condicionalidades, que são a manutenção do emprego, sua qualidade. Isso tudo poderia ser estabelecido num grande entendimento nacional, quando setores prejudicados apresentariam suas dificuldades, se constituiria um programa de enfrentamento e defesa da produção do emprego. Os trabalhadores também participariam. Então teríamos um grande entendimento nacional, que no meu parecer seria avançar na repactuação federativa. Os problemas que temos hoje não são exclusivamente pertinentes ao governo federal.

É necessário que desburocratizemos legislações para facilitar decisões. É o caso de decisões no ramo da construção civil, como a anunciada pelo governo sobre o adicional para a construção de casas. Até as casas serem construídas de fato, talvez demore de seis a doze meses. Precisamos de ações imediatas, que nesse nesse caso específico não são possíveis em função de uma série de burocracias. Um entendimento do Legislativo, Judiciário e Ministério Público sobre a singularidade que vivemos, poderia facilitar agilidade entre a decisão e a efetiva realização dessa ação na economia brasileira. Esse entendimento que levasse a uma repactuação federativa incluiria o governo federal, Legislativo e Judiciário, bem como governadores e também prefeitos.

Crise como oportunidade

Há uma série de decisões que prefeitos e governadores podem fazer que amenizariam a situação da crise. Vou dar um exemplo. No início do ano todos os que possuem propriedade estão fazendo pagamentos relativos ao IPVA e ao IPTU. No Brasil sabemos que esses dois impostos são fortemente regressivos. Quem paga mais tributos são os mais pobres. Temos dados produzidos pelo próprio IPEA que mostram que quem mora mansões, de modo geral, paga menos impostos do que quem mora em favelas. Há uma série de ações que poderiam ser tomadas para acabar com esse tipo de situação, como a redução de tributos sobre os mais pobres e o aumento de tributos sobre os mais ricos. Isso o prefeito pode fazer, mas depende da Câmara Municipal, portanto estamos chamando atenção para o fato de que no Brasil, diante dessa singularidade, dessa especificidade da crise global do capital, é necessário um entendimento de todas as forças para que o país se fortaleça de uma situação assim, a exemplo de outras situações históricas.

A crise no Brasil nem sempre foi só malefício. As grandes crises pelas quais passamos também nos trouxeram grandes oportunidades que, de certa maneira, foram aproveitadas. É o caso de 1929, uma verdadeira tragédia para o setor primário exportador, quando as grandes lavouras de café foram prejudicadas. Nesse período houve um efeito social negativo inegável, mas que permitiu ao Brasil construir um novo pacto político que conduziu-o a um novo projeto de desenvolvimento, um projeto de industrialização, urbanização, a formação da classe trabalhadora e da classe média brasileira. O Brasil tornou-se outro após a crise.

Em 1973, quando praticamente se desestrutura o sistema monetário internacional construído no pós-guerra, o tratado de Bretton Woods, houve uma elevação no preço do petróleo, dos commodities, uma recessão internacional, o Brasil mesmo sob o regime militar tomou uma série de iniciativas muito importantes na época, caso da constituição do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento. A despeito dos seus problemas, esse Plano foi fundamental para completar parte da industrialização brasileira, construindo grandes setores exportadores de produtos, que são hoje ainda uma marca do Brasil. Foi um momento fundamental para a inovação tecnológica rumo à constituição de uma matriz energética diferente, que se deu através do Proalcool, que tem sua origem aí, e até mesmo uma flexibilização que ocorreu na política de arroxo salarial da época. Lembro, ainda, da introdução de um programa de transferência de renda, o Renda Mensal Vitalícia. Ou seja, o Brasil aproveitou a crise para se fortalecer em termos de mercado interno.

A crise atual é grave. É uma crise sistêmica, estrutural do capitalismo, mas nós podemos aproveitá-la para sairmos melhor dela, se tivermos capacidade de construir um entendimento sobre o que é prioritário para o povo brasileiro.

IHU On-Line - Trabalhadores desempregados em função dos desdobramentos da crise tendem a se colocar em outros setores da economia formal ou haverá um incremento do emprego informal no Brasil?

Marcio Pochmann – Se de fato tivemos uma inflexão no comportamento da economia, possivelmente teremos uma inflexão no comportamento do mercado de trabalho. Nos últimos cinco anos há sinais nítidos de uma estruturação do mercado de trabalho, isto é, fortalecimento do emprego em geral, sobretudo do emprego com carteira assinada, acompanhado da redução do desemprego e da informalidade. Se há uma inflexão na economia a partir de outubro do ano passado, possivelmente teremos uma inflexão no mercado de trabalho, o que significa falarmos em aumento do desemprego, da informalidade e redução da expansão do emprego formal.

IHU On-Line - Como percebe o apoio do BNDES a empresas em fusão, como a Votorantin e a Aracruz? Essa é uma estratégia que, a médio prazo fortalece o capital nacional e assim evita o desemprego?

Marcio Pochmann – A postura do BNDES é, de certa forma, muito diferente durante o governo Lula daquela executada em governos anteriores, sobretudo na gestão FHC. Naquela época o BNDES era um banco que apoiava a privatização. De certa maneira, a privatização no Brasil aumentou a internacionalização, a presença de empresas estrangeiras dominando antigos monopólios estatais, como o setor de telefonia. Na postura atual do BNDES, há uma tentativa de reforço da estrutura brasileira, apoiando grandemente setores como os de logística, como na rede portuária, e a questão energética. O BNDES também vem conduzindo através de uma política de desenvolvimento produtivo para diferentes setores, entre eles as grandes corporações brasileiras, uma reestruturação patrimonial.

Estamos num mundo comandado por praticamente 500 grandes corporações transnacionais que dominam qualquer setor de atividade econômica. Portanto as decisões que ocorrem nos países não são tomadas naquele país. Não são mais os países que tem as empresas, mas as empresas que tem os países. Basta dizer que Petrobras tem um faturamento maior do que o PIB da Argentina. As três maiores corporações transnacionais do mundo tem um faturamento somado que, somado, é maior do que o PIB brasileiro. Portanto a condução do BNDES tem sido de forma estratégica, de ajudar a construir grandes empresas brasileiras de caráter global. Se a Vale do Rio Doce tivesse sido privatizada, suas decisões não seriam consubstancializadas na realidade brasileira, mas sim no comportamento do mundo. O fato de termos a Vale, que parte é formada por capital oriundo de fundos públicos, permite que o presidente da República chame o ministro da Fazenda e o presidente da empresa e questione-os sobre suas decisões de reduzir empregos, sobre qual é o seu real compromisso com o Brasil. A mesma coisa o presidente não pode fazer com uma empresa estrangeira. Essa preocupação com a ajuda a grandes corporações, no caso brasileiro, tem outra finalidade, que não é a geração de empregos imediata. Essa preocupação diz respeito ao papel que o Brasil tem no comportamento da economia mundial. É necessário, contudo, que se olhe com mais cuidado o fato de que o BNDES opera um fundo que é o FAT. Portanto é necessário que os recursos do BNDES estejam, cada vez mais, compromissados com o emprego e a qualidade deste. Isso deve ser uma orientação não apenas da direção da Petrobras, mas também daqueles que fiscalizam o FAT, que diz respeito ao Ministério do Trabalho, às Centrais Sindicais que lá estão, junto aos empregadores.

IHU On-Line - Que aspectos negativos e positivos o plano de Mantega “empréstimo sim, demissão não” traz à conjuntura trabalhista brasileira?

Marcio Pochmann – Acreditamos que, do ponto de vista dos recursos públicos, é necessário que existam condicionalidades. Da mesma forma que se faz condicionalidades para repasse do recurso público para prefeituras, governos estaduais, para os pobres através do Bolsa Família, é necessário que o Brasil tenha condicionalidades em relação aos recursos que vão para o setor privado. Essas condicionalidades precisam ser melhor entendidas, seja do ponto de vista da qualidade do produto, da responsabilidade ambiental, do pagamento de impostos e, evidentemente, do compromisso do emprego, sua qualidade e quantidade. Acredito que é fundamental que exista esse conjunto de condicionalidades, sem o qual estaríamos mantendo um enorme desbalanço entre as condicionalidades exigidas para determinados entes do setor público e segmentos sociais. Numa democracia, é claro que não se justifica a realidade tão desigual como a que temos no direcionamento de recursos públicos.

Poderíamos avançar no sentido da responsabilidade. A Receita Federal, por exemplo, permite uma série de subsídios para famílias das classes média e alta. Todos sabemos que é possível abater do imposto de renda a utilização para recursos da saúde, na previdência privada, e na escola. Essas famílias deveriam ter compromisso, responsabilidade com esse recurso que lhe é beneficiado em forma de subsídio no pagamento do Imposto de Renda, seja na contratação de serviços formalizados, como no caso do emprego doméstico. No Brasil, de cada dez trabalhadores domésticos, sete não são contratados com carteira assinada. Quem contrata essas domésticas com carteira assinada? As famílias de classe média e rica, famílias essas beneficiadas com subsídios para pagamento de educação, previdência e saúde. Eu diria que essa realidade de compromissos em torno do uso do recurso público deveria ser generalizada, e não apenas como é hoje, para determinados segmentos, registrando uma espécie de preconceito.


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