sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Cassiano Terra Rodrigues

As razões superficiais de Woody Allen
Rodrigues é professor de Filosofia na PUC-SP e não gosta de sentimentalismos de auditório; prefere os mais instintivos.
Fonte:
Correio da Cidadania


Eis que em plena era da ciência, da tecnologia e da objetividade a todo custo aparecem quatro loucos que proclamam (como a voz no deserto): Melhor não confiar na razão, ela nos engana; melhor confiar nos instintos, nos nossos sentimentos, que nos enganam muito menos. Como assim? Quem são esses malucos?

Um deles é Woody Allen. Em "O Escorpião de Jade" (The Curse of the Jade Scorpion, EUA, 2001), além de dirigir, ele também atua como C. W. Briggs, bem-sucedido investigador de uma companhia de seguros que, seguindo seus instintos e conversando com falsos cegos de rua, desvendou muitos mistérios e contraiu muitas dívidas com apostas. Sua vida começa a se complicar quando tem de enfrentar a objetividade científica dos métodos mais modernos de investigação, trazidos à companhia por Betty Ann Fitzgerald (Helen Hunt). Além disso, claro, há um tão hilário quanto mais absolutamente inverossímil enredo de suspense e amor, numa paródia-homenagem aos filmes noir das décadas de 1940 e 1950, com alguns detalhes menos óbvios.

Primeiro: será que a oposição entre razão e sentimento é tão definida quanto nos parece? Ora, a fria objetividade científica de "Fitz" é na verdade uma máscara, por trás da qual há sentimentos vivos, ações contraditórias e nem tão frias – afinal, logo por quem ela foi se apaixonar?! Essa mesma objetividade, quando adotada na investigação dos crimes, mostra-se ineficaz. A ponto de descobrir a verdade, chegar até a porta dela, mas não conseguir vê-la além das aparências.

Segundo: C. W. Briggs devia ser o investigador frio, objetivo e que nunca se envolve sentimentalmente, mas é justamente o contrário disso. Nervoso, instável, desconfiado dos indícios mais plausíveis, apegando-se às pistas mais ilógicas, ele é o oposto do personagem eternizado por Humphrey Bogart (não nos surpreende que, ao subverter a lógica dos filmes noir, certa crítica, junto com boa parte do público, tenha torcido o nariz ao filme nos EUA). Apontando para a cabeça, ele diz: Isto aqui é só massa cinzenta pensando; o coração é vida, é sangue correndo, fluindo!. Ele quer dizer que, mais importante do que pensar, é seguir os instintos - se ficarmos pensando, duvidaremos de tudo e não faremos nada. Aliás, é seguindo os instintos que C. W. consegue provar a insuficiência dos métodos racionais e científicos.

Ah! Há a hipnose, que revela o segundo louco: Sigmund Freud. O leitor poderá agora assistir ao filme e, além de descobrir que esse tal escorpião de Jade não é tão venenoso assim, se perguntar se a razão consegue viver sem os sentimentos e se os sentimentos bastam para nos guiar a conduta – afinal, esses seus mesmos instintos também não o fizeram fracassar nas apostas?!?

Certo, no início do texto está lá escrito: quatro loucos. E os outros dois? O terceiro é Charles Sanders Peirce, mais conhecido pela semiótica e pelo pragmatismo. Nascido em 1839 (mesmo ano de Machado de Assis), falecido em 1914, Peirce também preferia os instintos: "São os instintos, os sentimentos, que fazem a substância da alma. A cognição é somente a superfície, seu local exato de contato com o que lhe é externo". Ou ainda: "Em tópicos de importância vital o raciocínio está deslocado (...) Assim, o conhecimento puramente teorético, ou ciência, nada tem a dizer diretamente com respeito a questões práticas, e não tem nada em absoluto aplicável a crises vitais. A teoria é aplicável a casos práticos menores; mas questões de importância vital devem ser deixadas ao sentimento, isto é, ao instinto".

Peirce é um irracionalista? Não, é um sentimentalista, assim como C.W. Briggs. A razão é a faculdade que desenvolvemos para medir, pesar e adivinhar as coisas – para descobrir. Onde ela se apóia, quais suas bases? Ora, ela só pode se apoiar naquilo que já sabemos e consideramos fora de dúvida, certo e estabelecido – ou seja, naquela experiência que chamamos de instinto. Quem, ao ouvir um grito de socorro, pararia para pensar 'É um grito de socorro que ouço?'? Ou então, num barco em perigo em meio ao mar revolto, em quem confiar: no marinheiro experiente ou no recém-formado engenheiro naval? É claro, podemos estar errados, mas, naquela hora H, agimos ou abrimos um inquérito para saber se estamos errados? Naquela hora H, "agimos por instinto"; depois, se sobrevivermos, pensaremos em como aprender com o erro.

Certos sentimentos que chamamos de instintivos são considerados os mais valiosos: o amor da mãe, a coragem espontânea, a verdadeira modéstia. Você não ouve o homem corajoso jactar-se da própria coragem, ou a mulher modesta gabar-se de sua modéstia, ou os realmente leais emplumarem-se com a própria honestidade. Aquilo de que estão convencidos é sempre algum dote insignificante de beleza ou habilidade. Eis o problema: é muito difícil ouvir o coração e não ser enganado pelo que pensamos ser o certo.

E o quarto louco? Este dizia que a moral é a filosofia do instinto de conservação; escreveu um livro – não uma paródia, mas uma recriação – chamado "O discípulo de Emaús." Ali, imprimiu: "O homem terá de fazer tudo desde o princípio; deverá antes de mais nada redescobrir o sentimento". Chamava-se Murilo Mendes e, em tempos de guerras frias e geladeiras automáticas, preferia escrever versos.

Cordiais saudações.

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