sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Olgária Mattos

O Leitor

Olgária Mattos é filósofa, professora titular da Universidade de São Paulo
Fonte: Agência Carta Maior




“O Leitor” é um filme sobre o amor em tempos sombrios. Na Alemanha dos anos 1950, Michael, um adolescente, vive um encontro com Hanna, uma mulher mais velha, e passa a ler para ela os livros que estuda na escola. De Homero a Tchekov, de Chardelos de Laclos às aventuras de Tintin, o amor nasce misturado à ficção. Essa “mentira que diz a verdade” é, em “O Leitor”, transmitida, na alternância das gerações, pelo ensino da literatura e seu cânone.

Diversamente da simples convenção, sua exemplaridade preserva, como um dom, “grandes obras”, aquelas capazes de comover e ensinar. Pois “que saberíamos do amor e do ódio, dos sentimentos éticos e, em geral, de tudo o que chamamos de si mesmo”, pergunta Paul Ricoeur, “se isso tudo não tivesse passado à linguagem, articulado pela literatura?”

Grandes obras e grandes autores são aqueles sem os quais o mundo seria incompleto.

Sem despedir-se, Hanna subitamente abandona a cidade; mais tarde, Michael, agora estudante de direito, iria acompanhar os processos dos crimes de guerra, quando a revê, responsabilizada pela morte de prisioneiras judias durante um bombardeio. Aos poucos vão-se esclarecendo as razões da partida e os motivos pelos quais renuncia à defesa. Na época em que os campos de extermínio sucederam aos de concentração, Hanna desiste da fábrica em que trabalha, de onde, por seu desempenho, fôra promovida ao setor de escritório. Como analfabeta e no ímpeto de escondê-lo, resta-lhe o trabalho de carceragem em um Lager de então.

Hanna sente vergonha por não ler. Mas não por temor do desdém ou da humilhação pública. Não sendo externa, essa vergonha decorre do desejo íntimo do mundo mágico do qual está excluída, das fantasias que eternizam as experiências dos homens, resistem ao esquecimento e caminham em sentido contrário ao da morte. Como na obra primeira escrita no Ocidente: a Ilíada e Homero ressuscitaram Tróia da qual até mesmo as ruínas haviam desaparecido.

O amor de Michael permaneceu incólume à passagem do tempo. Seu casamento durou pouco; e a melancolia da perda de Hanna se confronta, agora, com a culpabilidade alemã e o genocídio. Pedida a prisão perpétua, a pena é agravada quando a protagonista aceita a acusação de ter assinado o documento que a incrimina, mas de que não poderia ser autora. Michael não intervém, mesmo quando descobre seu segredo. Nada diz aos acusadores sobre o que poderia diminuir a pena. Na prisão, Hanna é visitada por Micahel, que não deixou de amá-la, mas não consegue aceitar seu comprometimento no campo, no conflito entre o sentimento e a lógica da punição.

Em diálogo com G.Grecco - e no âmbito de uma dificuldade semelhante -Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz, diversamente do personagem, se esquiva em imputar a todos os que viveram esses anos: “sempre me recusei a formular um juízo geral sobre o homem. Mesmo sobre os nazistas. Para mim, o único processo que se pode instruir, e com todas as precauções necessárias, é o dos indivíduos.” De resto era o preconizado pelo professor com quem Michael freqüenta o tribunal.

Hanna não libertou as prisioneiras. Também escolhera, no campo, algumas que teriam a morte adiada, tempo durante o qual liam romances para ela. Sua resposta evocava a “lei do dever”. Como Eichamnn. Este afirmava cumprir ordens e se orientar pelo imperativo categórico kantiano. Considerava-se “culpado diante de Deus, mas não “responsável diante dos homens”; também Hanna diz não ter podido agir de outro modo. Devolvendo,porém, a questão aos juízes pergunta sobre o que eles próprios fariam se estivessem em seu lugar. Michael, ao visitá-la, espera uma retratação que não vem. Indaga se ela nada aprendera com a prisão, a que se segue : “aprendi a ler”.

Nada se aprende em situações de trauma. Choque paralisador da vida, o trauma bloqueia o pensamento. Michael pressupõe a autonomia moral no interior do Lager. Hanna testemunha, ao contrário, que, no campo, a vida se encontra em estado de exceção. Assim, Primo Levi narra ter furtado o chapéu de um outro prisioneiro, quando o seu desaparecera – o que acarretava a pena de morte, sentindo horror por si mesmo. Também os “muçulmanos” dos campos se encarregam do extermínio de outros judeus ao conduzi-los às câmaras de gás. Primo Levi e Hanna revelam que, em Auschwitz, carrasco e vítima confundidos, a violência é nua. No universo concentracionário não há dignidade nem liberdade .

Sem ser compreendida por Michael, tampouco aceita, desfaz-se, para ela, o laço tênue de amor aos livros e à vida. Seu suicídio atesta que, no pós-guerra, as ruínas não são materiais, mas morais e existenciais. Os amantes, fatalizados pelo nazismo, viveram um tempo condenado em que foi “meia-noite na História”.

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