sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Francesco Antonelli


Tecno-niilistas: na prisão do princípio do prazer

Uma liberdade que tem o sabor agridoce da coação ao consumo. Um longo e comprometido ensaio de Mauro Magatti (foto) repropõe a secular e às vezes conflituosa relação entre a técnica e a formação das subjetividades coletivas à luz de um capitalismo que elevou a comunicação a "medium" das relações sociais A reportagem é de Francesco Antonelli, publicada no jornal Il Manifesto, 29-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS



Uma das perguntas mais frequentes que nos colocamos sobre o celular ou sobre o computador conectado à Internet é se a contínua acessibilidade que permitem não transformou a vida em uma contínua obsessão. Da mesma forma, a todos nós, ao final de uma longa jornada de trabalho, ocorrerá que nos sentiremos engrenagens de um grande mecanismo que não somos capazes de controlar e que condiciona irremediavelmente a nossa vida.

"Técnica" e "Sujeito": toda a vez que nos encontramos em situações semelhantes às descritas, ressurge a secular questão das relações entre essas dimensões constitutivas da modernidade. Além de toda banalização exemplificativa, a questão é verdadeiramente central. Para esclarecer, enquanto do lado da "Técnica" encontramos a ciência experimental, a tecnologia e a racionalidade instrumental da qual a burocracia, por exemplo, é filho, do lado do "Sujeito" traçamos a liberdade, a igualdade e a racionalidade substancial da qual derivam, de 1789 em diante, as grandes lutas pela emancipação de homens e mulheres.

O positivismo, ideologia oficial do Ocidente, retraçou no desenvolvimento da técnica o melhor modo para promover a emancipação, enquanto Marx, Nietzsche e Freud ("os três mestres da suspeita") contribuíram para difundir a ideia de uma inconciliação crescente entre "Técnica" e afirmação do "Sujeito". O trágico da modernidade e da pós-modernidade reside na convivência dessas posições dentro de uma mesma cultura e de uma mesma sociedade que é incapaz de controlar e conciliar as forças desencadeadas pela "Técnica" e pela emancipação subjetiva.

A luta contra o sistema

O longo e inteligente texto de Mauro Magatti "Libertà immaginaria. Le illusioni del capitalismo tecno-nichilista" (Ed. Feltrinelli, 432 páginas) se insere no interior dessa controvérsia de vocação "universalista" que investe tanto sobre a nossa vida cotidiana ("o celular melhora a minha vida?"), quanto a "grande história" (o movimento operário contra a reificação da fábrica, do escritório e, hoje, do call center). Na realidade, o livro de Magatti parte de duas releituras complementares da relação Técnica/Sujeito: a primeira opõe a utilização massificante da tecnologia própria do capitalismo social (fordismo) ao uso microfísico, personalizado e hermético da Técnica, próprio do atual modelo de desenvolvimento.

A homologação dos gostos é substituída pelas obsessões e pelas mutações antropológicas geradas por tecnologias personalizáveis e por sistemas organizativos, institucionais, científicos e culturais que funcionam por inércia, sem aspirar a uma meta ideal mais alta a não ser o próprio desenvolvimento e a apropriação total da vida humana (biopolítica). A segunda, mais original, baseia-se na leitura dos movimentos sociais dos anos 60 feita por Berman, Luc Boltanski, Manuel Castells e Pekka Himannen: especialmente nos Estados Unidos, as instâncias libertárias contribuíram para demolir a sociedade massificada própria do fordismo, relançando a centralidade da autodeterminação individual.

Individualismo e massificação

Da luta contra o autoritarismo, surgiu assim um sujeito que imagina a sua própria liberdade como gozo total e libertação dos laços mais fortes, um imaginário difundido que, desde o fim dos anos 70, o neoliberalismo soube formalizar politicamente, e o capitalismo, subsumir, relançando sobre novos fundamentos o seu próprio desenvolvimento (flexibilidade do trabalho e das organizações, pós-fordismo, consumos personalizados, valorização do imaterial).

O capitalismo tecno-niilista, etiqueta com a qual Magatti designa o modelo atual, baseia-se justamente na insensatez de uma técnica onipotente que encontra uma multidão de subjetividades hiperestimuladas no seu hedonismo. "Vontade de poder" e "desejo" são as duas faces desse niilismo que o sistema capitalista global produz para se alimentar: a crítica se transforma em mecanismo de reproposição; a libertação sexual e dos costumes, em consumismo personalizado; as instituições, em sistemas voltados a tornar as pessoas eficientes e eficazes; a ética da estética ("farei de minha vida uma obra de arte") substitiu a ética do dever.

Na análise de Magatti, a mudança cultural, sob forma de crítica, precedeu a mudança material e institucional. Se, por meio de um gigantesco efeito imprevisto, também o favoreceu, se até reforçou aquele capitalismo objeto da crítica do 68, isso se deveu à capacidade do sistema de dominar as instâncias de liberdade que haviam surgido precedentemente, por meio de um poderoso desenvolvimento da técnica (particularmente da comunicação).

Esse mundo, que como uma massa gosmenta parece quase absorver e abranger tudo, é só aparentemente um hegeliano "fim da História": não tanto porque os modelos de subjetividade presente são um simulacro vazio que não permite a humanidade das pessoas. Mas sim porque o niilismo do capitalismo contemporâneo, com a sua centralidade exasperada do "princípio do prazer", não consegue se desfazer completamente do "princípio de realidade" em três frentes fundamentais da experiência humana: o sofrimento, a importância dos laços sociais, o desejo de reencontrar um sentido mais profundo por trás da vida das pessoas e o desenvolvimento das sociedades. Sobre esses três tópicos indomáveis do poder do sistema, é possível e obrigatório agir para reconstruir uma coletividade mais humanizada e com maiores oportunidades de emancipação.

Mostrando um extraordinário realismo que o aproxima da sensibilidade expressada por Alain Touraine nos seus últimos trabalhos, Mauro Magatti reconhece que o imaginário da liberdade, os percursos de autodeterminação como fundamento da subjetividade contemporânea e, portanto, a ruptura definitiva da ideia do século XVIII de "Sociedade" ordenada não são processos reversíveis. É preciso redefini-los, valorizando os elementos positivos que eles contêm: a partir dessa nova mudança cultural, será possível promover também uma mudança do sistema econômico e institucional, favorecendo assim novos percursos de autêntica emancipação subjetiva que reinvestem o sentido da técnica.

A fé na liberdade

Trata-se, portanto, de uma chave de leitura e de uma intervenção sobre a realidade "culturalista", coerente com a análise desenvolvida, que encontra as suas condições de aplicabilidade neste momento de crise, mas que, porém, não parece plenamente compartilhável: a centralidade do conflito e dos movimentos, a recíproca influência entre eles e a ação das classes dirigentes, dos partidos, é deixada totalmente de lado. Para Magatti, de fato, intelectual de primeira linha daquela cultura católica mais atenta às instâncias de justiça social, os atores da mudança não podem ser mais os habitantes da "sociedade político-partidária", com a sua dureza, rigidez e incorporação no sistema. São, pelo contrário, os pertencentes à "sociedade civil instituinte", isto é, "todos os sujeitos que pensam a sua própria liberdade em relação a outros".

A partir dessa dimensão, é possível esclarecer aquela que Magatti define como a "ação deponente", novo percurso de reproposta e redefinição de uma subjetividade centrada na liberdade. A ação deponente é, de fato, testemunho e momento de mudança ao mesmo tempo, gradual nos modos de construção e radical nos conteúdos. Essa modalidade de ação, coletiva e individual ao mesmo tempo, deve mostrar como uma liberdade mais humanizante é possível por meio de uma relançamento da responsabilidade, da generatividade, da socialidade e de um sentido mais profundo a ser atribuído às próprias ações, por meio do fato de ter fé.

O empenho na construção de um mundo que não religue a segunda modernidade à epifania de uma técnica desumanizante se torna, portanto, o campo sobre o qual, defende Mauro Magatti, podem se encontrar, tanto hoje quando ontem, todas as culturas, laicas, católicas e socialistas, que colocam no seu centro a emancipação (global) das subjetividades sociais. Motivo suficiente para meditar longamente sobre o trabalho do estudioso de Milão.

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