quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Luís Carlos Lopes

Nobreza de araque e ladrões engravatados


Luís Carlos Lopes é professor e autor do livro "Tv, poder e substância: a espiral da intriga", dentre outros
Fonte: Carta Maior


Há quem ache estranho a dificuldade brasileira de se tratar pessoas que ocupam cargos públicos mais elevados ou dispõem de grandes recursos financeiros como se fossem cidadãos comuns. Estes últimos, isto é, a maioria, quando cometem crimes são processados, presos e tem que responder pelos seus atos. Se forem mais pobres ou mais negros são logo enviados para presídios e outros depósitos de gente, sob as penas da lei. Não raro, são executados nas ruas, antes de viverem seus infernos judiciais e prisionais. Os valores e as propriedades das elites, bem como a cor da pele e o pertencimento a famílias ou grupos políticos e sociais influentes garantem maior impunidade.

O mesmo crime tem respostas estatais diversas. Um dos artifícios de proteção dos mais ricos e influentes é o de chamar furtos, apropriações indébitas e coerções de crimes de ‘colarinho branco’, isto é, os que são cometidos pelas autoridades de Estado e pelos burgueses engravatados. Diferenciando-os por meio de um nome pomposo, tem-se pronta uma estratégia para encobri-los. Os mecanismos reais existentes, usados pela velha máquina de Estado, estão muito distantes do edifício das leis e normas processuais. Vários procuradores e juízes democratas e defensores da virtual cidadania brasileira fazem sua parte. Tentam conseguir que a lei seja cumprida com equidade e que as elites sejam punidas. Há, felizmente, juízes que decidem respeitando a lei e o consenso crítico da população. Outros agem em sentido contrário, derrubando decisões, usando as tecnicalidades jurídicas para ofender o senso básico da racionalidade e da moralidade etc. Em suma, ajustando-se as situações encontradas aos interesses políticos e sociais que se escondem nas sombras do mesmo Estado.

Quando ocorre o recolhimento à prisão de um banqueiro que roubou milhões e a condenação de autoridades que participavam na mesma quadrilha, isto ganha as manchetes da grande imprensa. O espanto é porque tal fato consiste em algo inusual no Brasil. Os pequenos progressos dos direitos de cidadania são comemorados pelos democratas do país e odiados pelas elites. Estas gostariam de jamais serem condenadas por nada. Afinal, prisão é para pobre, preto e para quem mora longe. Por isso, eles usam dos seus privilégios para não irem para cadeia, mesmo condenados ou pegos em fragrante delito. Quando isto ocorre, a explicação está, por exemplo, na existência de um confronto entre o Estado e o criminoso ou um clamor social latente que chega de algum modo às grandes e pequenas mídias, pressionando nesta direção.

Na letra da lei, todos são iguais. Na prática da mesma, alguns são menos iguais do que outros. Nada disto é novo. Repete-se melancolicamente há muito tempo, remontando às origens do Estado e da Sociedade no Brasil. Todos sabem que é assim e muitos acreditam que assim sempre será. Isto se relaciona ao fato de que os compromissos assumidos nas mudanças históricas do país jamais foram rasgados. Mudar sem que as estruturas de poder sejam alteradas em profundidade é um mandamento do devir brasileiro. A impunidade das elites é coisa antiga que vem se renovando e se readaptando às novas circunstâncias que se colocam em cada contexto.

Ainda existem traços nobiliárquicos na formação social brasileira. A ocupação de altos postos de Estado é entendida como uma bruta ascensão social, política e ideológica. Estar neles por ter sido eleito ou por pertencer a uma das complexas clientelas do poder é compreendido por alguns como um salvo-conduto. Isto inclui fazer o que se bem entende, inclusive furtar o erário público ou intermediar a ação de empresários ladrões, lucrando por fora. Essas pessoas acham que a lei é para os outros e não se aplica ao comportamento daqueles que são um simulacro de nobreza togada. Esses pseudonobres, mesmo que sejam simples ladrões, contam com a pompa e a circunstância de seus cargos, suas relações de influência e os privilégios dados a eles pela própria legislação. São nobres de araque. Todavia, eles têm poder de fato e incontáveis meios de se proteger.

O Império e a ordem nobiliárquica da época foram derrubados, em 1889. O governo de Pedro II, apesar de esforços dos seus entusiastas, jamais poderá ser apartado do passado escravista brasileiro. Mesmo tendo mandado sua filha assinar o decreto da Abolição, a velha monarquia não poderá apagar sua forte ligação com a velha instituição escravista, em crise no mundo da época, muito antes de chegar ao fim no Brasil, em 1888. O golpe de Estado militar que inauguraria a república viria um ano e meio após. Os velhos barões imperiais transformaram-se na classe de proprietários de terra, agora sem escravos no velho sentido. Contudo o poder da terra conferiu a eles algo similar ao antigo poder nobiliárquico. As coisas mudaram, mas não muito. A terra não foi repartida e dada aos escravos, bem como lhes foi negada a instrução básica.

Foi no governo de Pedro II que as bases do Estado brasileiro foram assentadas, bem como alguns aspectos da vida social, política e cultural do Brasil, de alguma forma ainda presentes. A partir daí, todas as reformas que ocorreram nos últimos cento e cinqüenta anos se desenvolveram nos limites deste quadro, nunca inteiramente superado. Por aqui, como em toda parte, o passado dá um jeito de se manter no presente e influir no modo que a história segue seu curso. A luta pelos direitos coletivos e individuais de cidadania continua, como nunca, bastante atual.

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