domingo, 21 de março de 2010

Luís Carlos Lopes

Moral, política e humanidade

Vivemos em um mundo que tenta padronizar a todos, transformados em algo próximo às mercadorias que estão disponíveis na modernidade. Urge que estes objetos sejam usados a favor da espécie e não como armas de autodestruição coletiva. Artigo de Luís Carlos Lopes,  professor e autor do livro "Tv, poder e substância: a espiral da intriga", dentre outros.
Fonte: Carta Maior



Todo o ser humano é único e original. Não há ninguém que seja, com exceção dos embustes que induzem ao erro, uma cópia exata de outra pessoa. Os gêmeos univitelinos são muito parecidos, entretanto, são pessoas únicas, por vezes muito diferentes entre si, apesar de fisicamente bastante semelhantes. Mesmo que a ciência, nos limites de hoje, permita a clonagem dos genes de uma pessoa e consiga teoricamente fazer uma cópia exata de alguém, não é possível copiar as memórias e o caráter de cada um. Se no futuro, como se vê na ficção, torna-se viável enxertar as memórias retiradas de outros, transferir o caráter de alguém seria uma operação de difícil realização.

O cerne do caráter de cada indivíduo está na moral, isto é, naquilo que ele acredita como certo ou errado e no modo que ele utiliza o que sabe. Muitos conhecem as mesmas coisas, mas tiram conclusões diferentes, por vezes, opostas. Não há como imaginar a clonagem da capacidade humana de decidir, de interpretar e de escolher o seu próprio caminho, dentro dos limites disponíveis para tal. A unicidade e originalidade de cada um são reafirmadas na multiplicidade de caminhos escolhidos nos mesmos contextos ou em situações diferentes.

É verdade que as pessoas podem deixar para outros a prerrogativa de tomar decisões. É comum que existam seres humanos que se achem incapazes de decidir suas próprias vidas. A moral convencional ensina que os soberanos, os pais, os mestres e os deuses são mais aptos. Entretanto, não há como evitar que alguns se rebelem contra qualquer tipo de autoridade que lhes oprima e que busquem trilhar seus próprios caminhos na vida. Os regimes tirânicos e as democracias formais do tempo presente estão longe de dar a todos a mais completa liberdade de decisão. O voto pode ser comprado e a guerra decidida em gabinetes fechados. A opinião comum é uma mercadoria especial comercializada livremente na modernidade. Trata-se do principal artigo vendido nas mídias contemporâneas. Nem sempre os vendedores conseguem sucesso total. Mas, tentam diariamente vender ou revender.

A unicidade e a originalidade das pessoas são fatos de grande impacto social. Estabelecem diferenças e modulam o caráter complementar de cada indivíduo no tecido social. Nem todos conseguem aprender a tocar instrumentos, cantar de modo virtuoso ou se rebelar contra a ordem. Existem, felizmente, os mais corajosos e os mais inteligentes. Há quem tenha mais força e proteja os mais fracos, bem como, estão sempre presentes os mais empáticos, isto é, os capazes de sentir o mesmo que os outros sentem. Apenas, alguns são individualistas, irascíveis e antipáticos. A grande maioria prefere viver junto aos seus, tal como seus antepassados, ou buscar um novo espaço onde sejam mais bem acolhidos. O gregarismo é uma das qualidades da espécie. Este traço permitiu que ela chegasse ao tempo presente, depois de mais um milhão de anos de evolução.

Este mesmo traço gregário levou que na França do século XVIII se entendesse que todos os homens eram iguais em essência. Ninguém seria melhor do que os outros por descender de uma família aristocrática, por ter “sangue azul”. A igualdade entre os homens, a partir da Revolução de 1789, foi compreendida de vários modos. Os liberais a viram como a igualdade frente à lei e o novo tipo de Estado eleito pelo povo. Outros estenderam o conceito à idéia de igualdade social que viria a desabrochar no século seguinte, nos ideais socialistas. Muito rapidamente, os liberais e outros assemelhados tornaram-se tão cínicos quanto os velhos aristocratas, aceitando o princípio de se usar artifícios da lei para protegerem os seus pares. Alguns privilégios aristocráticos foram transferidos sem qualquer pudor para as novas classes burguesas e proprietárias. Nos países onde jamais houve uma revolução, é comum que eles se achem parte de uma nova espécie de nobreza, obviamente, de araque.

A unicidade e a originalidade dos seres humanos existem para o bem e para o mal. Adorno falou em um de seus textos que os nazifascistas mais disciplinados não eram pessoas comuns. Portavam certas características que permitiam a assunção desta ideologia. Não é qualquer pessoa que pode ser um torturador ou alguém especializado em mentir sistematicamente através de um meio de comunicação qualquer. As pessoas são recrutadas para certas funções por terem características que as tornam aptas para desenvolver as tarefas requeridas. A flexibilidade moral permite que algumas pessoas façam coisas repugnantes aos olhos dos demais seres humanos. Existem os ainda piores que decidem e mandam outros executar o que sujaria suas mãos de sangue.

A não ser nos casos em que a loucura se instala de modo devastador, as pessoas sabem o fundamental do que é certo e do que é errado. A humanidade produziu padrões histórico-culturais que ensinam a todos que não se deve matar ninguém, sem que exista um motivo muito forte para tal. O roubo e o furto só são humanísticamente aceitáveis, quando se vinculam a atos de justiça social ou relacionados à manutenção da sobrevivência. A apropriação de coisas dos outros da mesma comunidade, tal como fazem os corruptos, é algo moralmente insustentável. A intriga e a cizânia são repudiadas há muito tempo, infelizmente, continuam sendo fortemente usadas pelas mídias e por algumas pessoas como recurso de manipulação.

A pilhagem dos inimigos sempre foi justificada como ato de guerra, como uma forma de castigar duplamente e duramente os derrotados. Mas, foi comum a ambigüidade no assunto, quanto mais os inimigos eram próximos de seus antagonistas. Foi preciso que fosse inventado o racismo, isto é, o ódio étnico e a idéia de povos superiores e inferiores para justificar a barbárie em suas múltiplas variações antigas e atuais. As ditaduras latino-americanas esconderam as torturas que praticavam e os que executaram – os desaparecidos – por não poderem assumir publicamente os seus crimes, temendo a condenação política e moral de seus atos. Sabiam que não poderiam, no mundo do pós-guerra, sustentar publicamente a barbaridade praticada. Mesmo no nazifascismo, bem menos “cuidadoso”, nem tudo era de amplo conhecimento público. A verdade dos campos de concentração era conhecida por uma grande quantidade de pessoas que viviam nos países invasores e ocupados, entretanto, o mundo só veio saber detalhes quando a guerra acabou, em 1945.

Quebrar o gregarismo humano consiste em romper com a própria natureza humana, na essência cooperativa e capaz de enormes sacrifícios para ajudar o outro. Viu-se, no episódio do Haiti, como antigos ódios étnicos podem ficar em suspenso, mesmo que por um átimo, quando o cerne da sobrevivência humana é afetado. Há alguma hipocrisia nisto tudo? Sim, ela existe. Por outro lado, as tragédias dos outros acabam por comover e criar a compaixão em corações embrutecidos pela propaganda e pelas crenças nas superioridades de alguns povos sobre outros.

A esperança que mora no fundo da caixa de Pandora é que a unicidade e a originalidade de cada ser produzam os que contribuam para melhorar o destino da humanidade. Sabe-se que é comum acontecer o contrário. Há um esforço da tradição e da conservação de impedir que as novas gerações levantem a bandeira da mudança. Vive-se em um mundo que tenta padronizar a todos, transformados, na lógica do espelho, em algo próximo às mercadorias que estão disponíveis na modernidade. Elas não são simples artefatos agregados às pessoas. São muito mais do que isso. Estes objetos representam o trabalho humano concentrado em uma coisa, bem como, a palavra materializada em minerais e compostos de origem orgânica. Urge que sejam usados a favor da espécie e não como armas de autodestruição coletiva. Recuperar uma moral de interesse coletivo significa também problematizar o mundo atual.

[grifos do blog]

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