sábado, 21 de maio de 2011

Riccardo Stagliano

A Rede não esquece nenhuma informação. E preserva a nossa identidade

Análise do jornalista italiano Riccardo Stagliano, publicada no jornal La Repubblica, 19-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


Em traição, o Expedia me pergunta se eu quero sair de férias com minha ex-namorada. Ele não diz exatamente isso, mas me sugere o seu nome para o segundo bilhete de avião. O impertinente site de viagens se lembra disso a partir de uma antiga compra. A Amazon faz o mesmo para a entrega dos livros. Se você pede que seja enviado a um endereço que não é mais o seu, ele insiste. Até mesmo o site das contravenções do município de Roma tenta pregar-lhe ao passado. Vou verificar uma multa e, ao lado do documento, agora colocam a foto da infração. Em preto e branco, granulada, mas inevitável: sou justamente eu no assento. Com a companheira daquela época.

Deus perdoa, a Internet não. Sobretudo não se esquece de nada. Ela nos conhece melhor do que uma mãe, do que um amigo, do que um psicanalista. E é capaz de reunir tantas peças daquele mosaico caótico que é a vida, reconstruindo-o em um nível de detalhe impensável na era pré-web. Por isso, eu pedi que a rede escrevesse a minha biografia, e quem a prepara é um algoritmo. Utilizando fontes abertas, informações à disposição de todos. Se eu tivesse pedido ao Serviço Secreto, teria recebido um retrato menos vívido. Prove para acreditar.

Se você é jornalista, teoricamente, está mais exposto do que um empregado do cartório. Mas isso não é óbvio, porque o empregado poderia ter uma dupla vida pirotécnica telemática: compartilha tudo no Facebook, comenta os blogs dos outros, confia ao Twitter em tempo real as suas próprias opiniões sobre o universo mundo. Em suma, coisas que eu não faço. Porque, no final, os pixels com os quais a rede irá compôr o nosso retrato digital, em alta ou baixa resolução, nós é que vamos fornecer. Às vezes, de maneira ativa, preenchendo questionários, assinando abaixo-assinados e assim por diante. Mais frequentemente, de modo passivo, simplesmente navegando, comprando ou sendo marcados em fotos de outras pessoas.

Para começar, portanto, existe o Google. O nível zero é o egosurfing, ou seja, controlar o que se diz sobre nós na rede, digitando "nome e sobrenome". No meu caso, surgem 102 mil resultados, mas os números mudam com o passar dos dias. Nos primeiros lugares, um verbete da Wikipédia em inglês que, há algum tempo, defendia erroneamente que eu era o chefe do Repubblica.it (aproveito para me desculpar com o titular do posto). Perto do final, surge ao contrário uma mensagem que eu enviei no dia 27 de maio de 1996 a um grupo de discussão sobre a publicidade online. Pelo que eu sabia na época, era como anexar um anúncio em um mural da universidade. O que eu aprendi depois é que ninguém jamais o removeria, ou melhor, seria embalsamado para a memória futura. Se eu tivesse pedido instruções para confeccionar uma bomba seria o mesmo.

Se, depois, assim como eu e outros 170 milhões de pessoas do mundo, você usa o e-mail do Gmail, as coisas se complicam. No sentido de que tudo o que você escreve poderá ser usado, publicitariamente falando, contra você, porque o sistema analisa os textos para acasalar publicidades pertinentes. Então, se você conta a um amigo que seria bom passar um fim de semana em Palermo, espere, por exemplo, anúncios sobre uma suíte com desconto no hotel Delle Palme.

Para ver como você foi rotulado, existe o Google Ads Preferences. De mim, o software entendeu que sou um homem e, entre os interesses derivados do meu comportamento online, há cinema, partituras musicais, jornalismo. E, na TV, me agradariam "crime stories and legal show" (nego a acusação).

Mas o Google é quase um mundo. Coloca à disposição um programa para escrever, um calendário, um sistema de notificações personalizadas e muito mais. Grátis, ou melhor, pagando na moeda da privacidade. Ele lhe oferece um serviço, você lhe confia a sua vida digital. O que você escreve, aonde vai e quando, aquilo que lhe interessa saber. Assim, mesmo que anonimamente, o cber-leviatã reutilizará esse conjunto de dados para lhe fornecer o anúncio certo.

Fui verificar no Dashboard, a "caixa preta" de todas as minhas relações com o motor de busca. E é como olhar a alma no espelho. Desde o momento em que eu ativei a cronologia, ou seja, o registro histórico de cada pesquisas feita, eles sabem exatamente o que eu vi nos últimos anos. A prestação de contas começa às 18h16 do dia 22 de maio de 2007, e as palavras-chave, acreditem ou não, são "nietzsche memória muito boa" (talvez eu me deixei influenciar e queria sancionar com uma citação do filósofo o fato de ter ativado essa espécie de panóptico voluntário). Cada query singular foi posto em ata.

Há também todos os endereços que eu busquei no Maps. O vídeo que eu assisti, desde o clipe de The Ballad of John and Yoko ao último álbum disco dos Virginiana Miller. Sem falar dos que eu subi ao YouTube. Assim como as fotos que, há muito tempo, eu compartilhei nos álbuns digitais do Picasa. E os títulos que eu baixei no Books. Já há o suficiente para reconstruir a minha existência, tendo muito tempo para perder, minuto a minuto.

Detetives digitais

Para acessar a sancta sanctorum, porém, é preciso possuir a palavra-chave. É preciso um bom hacker ou, banalmente, tê-la deixado memorizada no seu PC. No entanto, mesmo limitando-se às informações abertas, os resultados são surpreendentes. Se você não tem familiaridade com a sintaxe dos motores de busca, existem empresas especializadas em web listening. Geralmente, são as empresas que fazem isso, para entender que "reputação" uma marca ou um certo produto tem.

Eu as desafiei a liberar os seus softwares especializados para que revelassem os dados mais suculentos sobre a minha conta. Depois de menos de um dia, a emiliana TheDotCompany me entregou um relatório que parecia ter sido escrito à mão por um funcionário da Digos. Ele contém: lugar e data de nascimento, números de telefone de trabalho e de casa, qualificação profissional exata, o nome do meu pai e a anotação de que "Os pais e os sobrinhos vivem em Viareggio". Uma impecável biografia de trabalho e depois: "O sistema de correção de palavras-chave e conteúdos sugere orientação política Partido Democrático/Rifondazione Comunista e fortes laços com o mundo sindical", creio que deduzidos do fato de eu ter escrito um livro sobre os imigrantes e tê-lo apresentado em vários festivais da Unidade.

Em paralelo, o Expert System de Modena, especialista na tecnologia semântica para a compreensão e a análise das informações, também estava no meu rastro. Em uma dezena de slides resume as organizações, as pessoas (vence o meu amigo Raffaele Oriani, com 319 ocorrências), as localidades, os argumentos com os quais eu tenho mais a ver (Internet 206, imigração 150, editoria 137 etc.) e uma enoteca que eu frequento.

Os detetives milaneses da FreedataLabs extraem até perfis psicológicos das palavras que eu uso. Dizem que só 6% pertencem a categorias emocionais e me retratam como um sujeito muito "inclinado ao objetivo", "curioso", mas também "introvertido", com veios de "tristeza". Assim falou o psiquiatra automaticamente.

Joel Stein, um colega da Time que fez a mesma experiência, se saiu melhor ao encontrar rastros econômicos sobre ele mesmo. A Alliance Data, empresa de marketing digital, sabe que ele é um judeu de 39 anos, formado, com um salário de mais 125 mil dólares. Que gasta em média 25 dólares para cada compra online, mas, no dia 10 de outubro de 2010, desembolsou 180 em roupas íntimas. "São dados que, na Itália, seria impossível ter sem a ordem de um magistrado", me tranquiliza Andrea Santagata, número dois da Banzai, uma das maiores empresas de web nacionais, "porque temos uma lei sobre a privacidade muito mais severa. Em todo caso, não interessa à publicidade saber como você se chama, mas sim conhecer o seu perfil para mirar as mensagens".

Tudo verdade, algo a ser mantido na mente para não acabar inscrito no já lotado partido das teorias da conspiração. Mas o que foi dito até aqui também o é. Ou melhor, não houve nem tempo para se falar da Last.fm, que sabe que música eu escuto (se você gosta dos Wilco, você também vai gostar dos Golden Smog e de The Autumn Defense). Ou da IBS que, sabendo quais livros eu compro, me aconselha outros, por propriedade transitiva: se David Foster Wallace, então George Saunders. Ou de infinitos outros destinos online, que, pelo simples fato de ter interagido com eles, criam dossiês a partir do qual podem inferir a minha personalidade.

É uma tragédia? Nem sonhando. A Internet é a invenção mais incrível e benemérita do último século. Basta se consciente e comportar-se em conformidade.

No que diz respeito, enfim, à insistência inconveniente do Expedia, eu limpei os cookies, o pequeno pedaço de código que lembrava ao site as minhas viagens anteriores. E agora o computador não se intromete mais em coisas que não lhe dizem respeito.

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