sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Zygmunt Bauman

Os vícios de um sistema parasitário

O artigo, publicado no jornal La Repubblica, 30-09-2009, é um trecho do novo livro do autor publicado na Itália, intitulado "Capitalismo parassitario" [Capitalismo parasitário] (Ed. Laterza, 66 páginas). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS

Assim como o recente "tsunami financeiro" demonstrou aos milhões de indivíduos, "além de toda razoável dúvida", que a miragem da "prosperidade agora e para sempre" havia iludido na convicção de que os mercados e os bancos do capitalismo eram os métodos garantidos para a resolução dos problemas, o capitalismo oferece o melhor de si não ao resolver os problemas, mas ao criá-los.

O capitalismo, justamente como os sistemas de números naturais dos famosos teoremas de Kurt Gödel (mesmo se por razões diversas...), não pode ser simultaneamente coerente e completo. Se é coerente aos seus princípios, surgem problemas que ele não é capaz de enfrentar (quero lembrar que a aventura dos "empréstimos subprime", mostrada à opinião pública como o caminho para dar um fim ao problema dos sem-teto, aquela praga que o capitalismo, como se sabe, produz sistematicamente, multiplicou, pelo contrário, o número dos sem-teto por meio da epidemia das expropriações...). E, se procurar resolvê-los, não o conseguirá sem cair na incoerência com os próprios pressupostos de fundo.

Muito antes que Gödel escrevesse o seu teorema, Rosa Luxemburgo havia escrito o seu estudo sobre a "acumulação do capital", no qual defendia que o capitalismo não pode sobreviver sem as economias "não capitalistas": ele é capaz de progredir, seguindo seus próprios princípios, até que haja "terras virgens" abertas à expansão e à exploração. Mas não só as conquista para poder explorá-las, mas também as priva da sua virgindade pré-capitalista e, fazendo isso, seca as fontes de sua própria nutrição.

O capitalismo, dizendo-o de forma crua, é, substancialmente, um sistema parasitário. Como todos os parasitas, ele pode prosperar por um certo período quando encontra um organismo ainda não explorado do qual se nutre. Mas não pode fazer isso sem danificar o hospedeiro, destruindo, portanto, antes ou depois, as condições da sua prosperidade ou até da sua sobrevivência. Escrevendo na era do imperialismo crescente e da conquista territorial, Rosa Luxemburgo não previa e não podia imaginar que os territórios pré-modernos de continentes exóticos não eram os únicos potenciais "hospedeiros" dos quais o capitalismo podia se nutrir para prolongar a sua existência e iniciar uma série de períodos de prosperidade.

Em tempos recentes, assistimos a uma outra demonstração concreta da "lei de Rosa", ou seja, o famigerado caso dos "empréstimos subprime", na origem da atual depressão: a ideia de curto fôlego, deliberadamente míope, de transformar em devedores indivíduos sem os requisitos necessários para a concessão de um empréstimo, salvo pela esperança (astuta, mas em última análise vã) de que o aumento dos preços das casas, estimulado por uma demanda aumentada propositalmente, pudesse garantir, como um cerco que se fecha, que esses "novos compradores" pagariam os interesses regularmente (pelo menos um pouco)...

Hoje, à distância de quase um século desde quando Rosa Luxemburgo tornou pública a sua intuição, sabemos que a força do capitalismo está na extraordinária engenhosidade com a qual ele busca e descobre novas espécies hospedeiras toda vez que as espécies exploradas anteriormente diminuem de número ou se extinguem e no oportunismo e na velocidade, semelhante aos de um vírus, com as quais ele se readequa às idiossincrasias das suas novas pastagens. No número do dia 04 de dezembro de 2008 da New York Review of Books, em um artigo intitulado "The Crisis & What to Do About It", George Soros, brilhante analista econômico e praticante das artes do marketing, apresentava o percurso das aventuras capitalistas como uma sucessão de "bolhas" que regularmente se expandem para além da sua própria capacidade de conteúdo e estouram logo que atingem o limite da resistência.

A atual crise do crédito não é o sinal do fim do capitalismo, só da exaustão de uma outra pastagem... A procura por uma nova pastagem começará o quanto antes, alimentada, exatamente como no passado, pelo Estado capitalista por meio da mobilização forçada de recursos públicos (usando os impostos em vez do poder de sedução, deficitário e temporariamente não operativo, do mercado). Serão buscadas novas "terras virgens" e se tentará, de um modo ou de outro, torná-las exploráveis, até quando a sua capacidade de engordar novamente os lucros dos acionistas e as gratificações dos dirigentes também seja espremida até o fim. E como sempre - aprendemos no século XX de uma longa série de descobertas matemáticas, de Henri Poincaré a Edward Lorenz - um mínimo descarte lateral pode conduzir ao precipício e fazer com que a aventura acabe em uma catástrofe. Até minúsculos passos em frente podem desencadear uma inundação e concluir com um dilúvio... O anúncio de uma outra "descoberta", de uma ilha que ainda não estava marcada no mapa, atrai frotas de aventureiros muito mais numerosos com relação às dimensões e à capacidade do território virgem: frotas que, em um piscar de olhos, deverão retornar aos seus navios para fugir do desastre iminente, esperando contra toda esperança que os navios ainda estejam intactos, seguros no porto...

A grande questão é quando acabará o elenco das terras assujeitáveis à "virginização secundária" e quando as explorações, frenéticas e engenhosas, não garantirão mais um suspiro temporário. Quase certamente não serão os mercados, dominados como são pela "mentalidade do caçador" líquido-moderno que assumiu o lugar das duas atitudes anteriores - o pré-moderno do guarda-florestal e o sólido-moderno do jardineiro - que colocarão essa pergunta, eles que vivem passando de uma partida de caça de sorte à outra, até que consigam descobrir uma outra ocasião para adiar o momento da verdade, não importa se por um tempo breve e não importa a qual custo.

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