sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Entrevista - Irène Théry

A paridade não é um ideal de igualdade


Feminista desde 1968, mas sem ser doutrinária. É dessa forma que Irène Théry, socióloga do direito, da família e da vida privada, gosta de ser apresentada. Ela é autora do célebre livro Le démariage (Odile Jacob, 1993), e mais recentemente de La distinction de sexe, une approche de l’égalité (Odile Jacob, 2007). Avessa às categorizações simplistas entre homens machos e mulheres vítimas, ela prefere ver como são representadas e unidas as relações entre os dois sexos, depois que saímos da sociedade hierárquica. Seu credo: a igualdade homens-mulheres não se reduzirá a uma política de aprovação de cotas com vistas a equilibrar os lugares e os papéis entre os dois sexos. Isso deverá passar também por uma refundação global de nosso sistema de relações sociais. Para ela, nós estamos apenas no começo desta revolução. Casal, família, parentalidades, filiação, ela nos dá aqui a sua visão das possíveis reconfigurações da nossa sociedade. Suas tomadas de posição podem desconcertar. Entretanto, as suas análises e argumentos trazem uma certa serenidade aos debates que, frequentemente, carecem disso. A entrevista é de Armelle Breton e está publicada na revista francesa La Vie, 30-07-2009, p. 9-11. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS


Um relatório preconiza que, dentro de seis anos, 40% dos chefes de empresas francesas serão mulheres. Depois da lei sobre a paridade, o caminho rumo à igualdade com os homens está pavimentado?

Entre as questões que suscitam mais esperança, há legitimamente esta de imaginar sociedades construídas sobre o valor da igualdade de sexo. Mas é preciso notar que esta ideia, tida hoje como o valor cardeal de nossas democracias, é muito nova. Ela remonta aos anos 1970. Antes, na França, e apesar de a Revolução ter proclamado a igualdade dos indivíduos, a nossa sociedade admitia uma hierarquia dos sexos na vida pública ou familiar. O voto das mulheres é de 1945 e o abandono da autoridade marital e paternal, de 1970. De fato, nós não sabemos o que é uma sociedade fundada sobre o princípio da igualdade dos sexos. Em todo o caso, me parece ingênuo pensar que pelo fato de não fazermos mais diferença entre um homem e uma mulher ou termos colocado 50% de mulheres numa assembleia, teremos atingido a igualdade. A paridade não pode ser apresentada como um ideal de igualdade. Para mim, ela trancafia as mulheres numa metade da humanidade, empurrá-las a “rivalizar” entre elas.

Mas, assim mesmo, é por isso que devemos passar?

A paridade – ou as cotas – é um mal necessário que deve ser temporário. No fundo, penso que com essas medidas auto-restritivas fingimos ter solucionado o problema. Porque não tocamos nas causas desta situação: as dificuldades da conciliação vida familiar-vida profissional, coisas que explicam porque as mulheres estão ausentes nesses lugares. Se realmente quisermos avançar rumo à igualdade dos sexos, será preciso parar de considerar essas dificuldades como da ordem privada. Uma vez que nós não queremos mais uma divisão entre um mundo masculino e um mundo feminino, mas um mundo misto, onde teremos ao mesmo tempo a felicidade da vida privada e a glória do sucesso – profissional, social, ou político –, o futuro passa pela socialização das relações com as crianças, os doentes, as pessoas idosas... Eu não acho que seja inconveniente exigir das empresas que elas se preocupem com isso. A questão das creches, da organização do trabalho noturno (na Europa do Norte, os executivos param às 18 horas) e da gravidez, deve sair do domínio privado.

O caminho corre o risco de ainda ser longo?

Isso evolui nas empresas, especialmente, que compreenderam que desenvolver programas de igualdade dos sexos é bom para a sua imagem. E que favorecer as carreiras das mulheres não se opõe aos seus interesses. Mas é verdade, isso evolui melhor nos grandes grupos que nas pequenas empresas; melhor nos escritórios do que nos supermercados, e melhor no terciário do que no setor agroalimentar. Dito isto, não podemos mais nos contentar com um discurso estereotipado que prevaleceu nos últimos 35 anos, que traz uma visão de igualdade como uma elevação para o patamar 50-50. Não, a igualdade é a recusa de uma sociedade organizada sobre um modo hierárquico em que a mulher é englobada pelo homem. Nós saímos disso, mas de agora em diante precisamos enfrentar a grandeza e a miséria da igualdade. Como disse o filósofo Cornelius Castoriadis: “A igualdade não é uma resposta, é uma nova maneira de colocar as questões”.

Que questões já se colocam e que prefiguram o nosso futuro?

Quando entramos na democracia, há dois séculos, não tínhamos mais os problemas da sociedade monárquica, mas começamos a descobrir os da democracia. Hoje, devemos atacar aqueles produzidos pela igualdade dos sexos, e ver como a emancipação das mulheres redefine a filiação, a parentela, as normas sexuais e, evidentemente, o casal. Em tempos idos, era 1 + 1 = 1. O homem representava a si mesmo e o casal. Dizia-se, por exemplo, a senhora Jacques Gauthier. Hoje, é 1 + 1 = 2. O que passa a ser central são duas pessoas que têm cada uma seu voto, sua opinião, seu ponto de vista, seus valores. Estamos no par, como na música ou na dança, onde os dois parceiros devem poder desempenhar a sua divisão. A tal ponto que, quando o par não funciona mais, temos o sentimento de que o casal se esvaziou de sua substância.

O divórcio será uma regra geral?

As gerações futuras vão se confrontar com um novo desafio: como tornar duradoura uma relação que se tornou mais contratual, onde se permanece junto aconteça o que acontecer. Mas, não podemos nos contentar em dizer que o divórcio será banalizado. Porque todos os estudos mostram isso: o sonho de uma vida partilhada em comum, de um amor que seja duradouro sempre permanece extremamente forte. Não passamos totalmente à ideia de que a vida é uma poligamia terrena. Ora, se quisermos imaginar o futuro, é preciso tomar os valores das pessoas como ponto de partida. E não me parece que, do ponto de vista afetivo, vai se reivindicar o CDD (contrato por tempo determinado)! Ninguém deseja envelhecer sozinho, ainda vai se procurar ter relações de longo prazo.

Que soluções podemos encontrar para essas novas questões?

Uma das soluções que se vislumbra consiste em distinguir entre o casal no sentido da relação afetiva e sexual (meu companheiro, minha companheira) e o casal no sentido da “vida comum compartilhada”, com um projeto de vida e de filhos. É um fenômeno novo: as pessoas fazem uma diferenciação entre esses dois tipos de relação, que são, por outro lado, socialmente aceitos. Dos 17 aos 30 anos ou mais, a sociedade aceita um período em que os jovens adultos vivam as relações que não são da ordem da vida comum. E as famílias compreenderam isso. Elas sabem que não devem “familiarizar” exageradamente as relações dos amiguinhos de seus filhos, para permitir que uma separação seja possível sem ser um drama. Ao organizar uma vida na qual as relações que não são de conjugalidade sejam admitidas e possíveis durante muito tempo, a nossa sociedade dá uma resposta parcial à questão do risco do divórcio. Ainda haverá divórcios, mas talvez um e não dois ao longo de uma vida.

Que recomposições familiares podemos esperar?

É difícil fazer prognósticos. Nós estamos numa sociedade que experimenta e elabora suas normas. Mas já há uma em marcha: a adesão à parentalidade dos homossexuais. Quanto mais nos afastamos de uma concepção naturalista de partilha dos papéis feminino e masculino em proveito de uma aproximação cultural, mais pensamos que dois homens ou duas mulheres podem muito bem ser um casal. Hoje, a concepção de homossexualidade mudou. Já não é mais uma patologia nem uma sexualidade inferior, e aqueles que gostam de pessoas do mesmo sexo querem viver abertamente com elas, amá-las, ter um lugar familiar e, eventualmente, não renunciar a ter filhos.

Como vamos apreender o que se poderia qualificar como ruptura antropológica?

Há muitas diferenças entre o que nós estamos em vias de viver e a maneira como delas falamos. Nós já estamos em uma sociedade que aceita que haja mais de um homem e uma mulher na concepção de uma criança, quer seja com a adoção ou as procriações médico-assistidas (MPA). Mas nós continuamos, apesar de tudo, a querer reduzir a parentalidade a um pai e a uma mãe, nem um a mais nem um a menos. Os doadores (as crianças têm o direito de saber quem é seu genitor) são simplesmente apagados. Fizemos a mesma coisa antes com a adoção ao silenciar suas origens à criança. As questões sobre o engendramento, a filiação... a homoparentalidade nos obrigam a enfrentá-las. É um paradoxo. Mas a nossa sociedade, que organiza muitos tipos de parentalidades – mais de dois no engendramento (com as inseminações artificiais) ou na história biográfica (com a adoção), mais de dois na educação no dia-a-dia (com as recomposições familiares) –, e admitindo apenas um único pai e uma única mãe, nega o real. No dia em que assumirmos essa realidade, poderemos debater mais serenamente a homoparentalidade.

Com a igualdade dos sexos, o indivíduo ganha muito mais importância. Como evitar a armadilha de uma sociedade que reivindica sempre mais direitos particulares?

Se quisermos pensar o futuro, é preciso abordar as novas questões colocadas às nossas sociedades, sem renunciar a nos interrogar sobre o que nos mantêm juntos. Da fato, a igualdade dos sexos vem acompanhada de um aprofundamento do individualismo, no sentido positivo da palavra, isto é, onde o indivíduo encarna a humanidade inteira. Isso não tem nada a ver com uma certa ideologia individualista que nega a nossa dimensão relacional social. Uma sociedade concebida como uma coleção de indivíduos, não funciona. Precisamos reinventar uma antropologia da igualdade que entrelace o feminino e o masculino, para fazer sociedade juntos.

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