domingo, 16 de agosto de 2009

Entrevista - Marcio Pochmann

O fim da miséria no Brasil já está no horizonte, afirma Pochmann


“Em um período de cinco anos, quase quatro milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza no Brasil e entraram para o mercado de consumo. Nas seis regiões metropolitanas que estudamos, a pobreza não cresce desde o último trimestre do ano passado. Em crises anteriores, a pobreza teria crescido. Além de não crescer, tende a cair. Isso é resultado de aumento do salário mínimo e de políticas de inclusão, como o Bolsa Família”. A opinião é de Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em entrevista para a revista IstoÉ Dinheiro, 19-08-2009.
Fonte: UNISINOS


Como avalia a crise mundial e os efeitos dela para o Brasil?

A crise está provocando uma reestruturação profunda no sistema capitalista mundial. Isso provocou uma decadência relativa dos Estados Unidos - estamos transitando de um sistema global de unipolaridade para uma nova realidade de multipolaridade, em que os Estados Unidos seguem importantes, mas ganha importância a União Europeia e se abre espaço para o Brasil na liderança da região sul-americana. O Brasil tem uma oportunidade de ganhar espaço, mas para isso precisamos ter uma política de reinserção.

O que é preciso fazer para ganhar este espaço?

O Brasil já ocupa espaço naturalmente pelo seu tamanho, mercado interno, sua população, estrutura produtiva, suas universidades, seu sistema de inovação. Mas ainda precisamos avançar em três pontos. Um deles é um sistema de defesa, com um grande avanço em desenvolvimento tecnológico para defesa. A segunda condição é ter uma moeda de curso internacional. E em terceiro lugar é preciso avançar no sistema de tecnologia, de inovação. Não são vocações. São condições criadas.

E o Brasil está avançando em alguma dessas áreas?

Para ter capacidade de liderar, uma nação precisa ter um projeto de longo prazo, um planejamento. Infelizmente, nas duas últimas décadas o Brasil abandonou a perspectiva de desenvolvimento, achando que a simples evolução das forças de mercado seria suficiente. O Ipea está trabalhando numa agenda de longo prazo, a Agenda 2022. Nosso esforço todo é para que em 2010 o Brasil tenha uma agenda do desenvolvimento, tratando dos seus nós, das suas dificuldades, e das potencialidades.

Muitos dizem que o principal problema do Brasil é a educação É a sua opinião?

O principal problema do Brasil é a ausência de uma maioria política que lidere um projeto de desenvolvimento. Nas crises, de um modo geral, o Brasil aproveitou as oportunidades. A crise de 1929 representou a depressão, as dificuldades, mas também permitiu a criação de uma maioria política que liderou um projeto de desenvolvimento por quase 50 anos. A crise da dívida externa praticamente rompeu com esta maioria política. A transição da democracia não teve uma maioria política combinada com desenvolvimento. O Brasil precisa ter esta liderança regional, que passa pela visão de uma maioria política que apoie este projeto. O governo do Lula e os outros antes dele são governos de disputa. Não há uma maioria consolidada. Há dificuldade em coordenar as políticas macroeconômicas. De certa forma, a crise está forçando uma maior convergência entre as políticas fiscal e monetária.

A crise ajudou a unificar o discurso e as ações. Mas, agora que a crise está passando, isso continua?

O risco que corremos é justamente achar que este esforço para superar a crise nos levará a uma situação de bem-estar pré-crise. Isso não necessariamente acontecerá. O que permitirá ou não avançarmos em direção a uma maior confluência será o desfecho eleitoral. O desfecho eleitoral poderá garantir mais oito anos, ou pelo menos quatro de continuidade desta combinação, que não é uma tradição no Brasil, de expansão econômica com melhoras sociais. A crise provocou uma inflexão neste movimento. Podemos sair da crise acentuando isso, ou não. A forma como estamos enfrentando a crise é uma forma inovadora. Nas crises anteriores, não adotamos políticas compensatórias como agora, de redução dos tributos, aumento do salário mínimo. Na crise dos anos 80, por exemplo, o BNDES teve um papel mais de hospital. Agora nós vemos um aporte de R$ 100 bilhões para uma reorganização patrimonial. Há um esforço de aproveitar a crise para fortalecer mecanismos que antes não estavam tão fortalecidos.

Mas houve avanços recentes no combate à pobreza, segundo a própria pesquisa do Ipea, não?

Houve, sim. Em um período de cinco anos, quase quatro milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza no Brasil e entraram para o mercado de consumo. Nas seis regiões metropolitanas que estudamos, a pobreza não cresce desde o último trimestre do ano passado. Em crises anteriores, a pobreza teria crescido. Além de não crescer, tende a cair. Isso é resultado de aumento do salário mínimo e de políticas de inclusão, como o Bolsa Família. Mas é algo lento e precisa ter continuidade e estar em sintonia com outras iniciativas, como a redução do desemprego e o fortalecimento das empresas. O fim da miséria no Brasil está no horizonte, o da extrema miséria, mas o combate à pobreza ainda levará mais tempo.

Em relação à crise, aqui no Brasil as medidas estão sendo tomadas no sentido correto?

Acho que foram no sentido correto. Na velocidade nem sempre. A redução dos juros, por exemplo, não teve a velocidade necessária. Primeiro que os juros não deveriam ter subido em 2008 para enfrentar uma inflação que não era de demanda. Em segundo lugar, só fomos reduzir a taxa a partir de janeiro.

A agora eles estão no nível adequado?

Um terceiro erro agora seria interromper a queda dos juros. Embora os juros tenham caído, ainda temos juros reais relativamente altos. Isso tem efeito no câmbio e não é adequado num ambiente de queda do comércio internacional. Quanto mais caírem os juros, não só estimulamos a economia como reduzimos o pagamento dos juros. Mas para aproveitar as oportunidades o Brasil tem que ter medidas mais ousadas. Para isso é preciso mudar o que nos tornou vulneráveis e interrompeu o ciclo de expansão. Nós tivemos uma recessão concentrada no setor industrial. Há três razões, que precisam ser enfrentadas com políticas ousadas. A primeira razão é a nossa dependência do crédito internacional. O Brasil precisa de uma reestruturação bancária e financeira. A segunda é o fortalecimento da política comercial. O Brasil precisa avançar mais rapidamente no comércio sul-sul. E a terceira razão é uma política mais agressiva de criação de empresas multinacionais no Brasil.

Vocês têm um grupo de trabalho sobre isso. Já conseguiram identificar as oportunidades?

O Ipea constituiu 20 grupos de trabalho de vários temas e um deles é sobre a grande empresa. Num mundo que é praticamente governado por 500 grandes corporações, só terá espaço o país que tiver grandes empresas. A China tem um projeto de ter 150 das 500 grandes empresas.

Onde o Brasil teria oportunidades de se destacar?

Por exemplo, em energia. Os grupos brasileiros são muito pequenos. Precisamos de uma grande empresa. Precisaríamos de um grande banco de financiamento comercial. Um Eximbank, que pode ser um banco privado ou um banco público. Nossa estrutura bancária, apesar de concentrada é muito pequena. Outro setor é o álcool-químico. Precisaria de um grande investimento para ampliar o uso. Precisamos de uma profunda reforma do Estado brasileiro. O Estado tem que ajudar a inventar o mercado no Brasil. Nosso mercado está sufocado pelo predomínio de grandes empresas que marginalizam ou excluem milhares de pequenas empresas. Noventa e cinco por cento dos estabelecimentos no Brasil são micro e pequenas empresas, que têm brutal dificuldade de participar deste mercado.

A impressão que a maioria dos brasileiros tem é que o Estado é caro e oferece serviços ruins.

O Estado brasileiro gasta, em relação ao PIB, um pouquinho menos do que gastava em 1980. Em 1980 a carga tributária era de 24,5% do PIB e hoje é de 35,7%. Houve um aumento, claro. Mas quando se tiram as transferências - previdência social, Bolsa Família, subsídios, isenções - e o pagamento dos juros, a receita líquida é de 14,7%, enquanto em 1980 era de 15%. Os 15% ficam para a máquina, para a saúde, para a educação. É pouco. De 1980 para cá, o Brasil cresceu pouco e isso foi combinado ao endividamento. Gastam-se 6%, 7% do PIB com o serviço da dívida e por outro lado gasta-se mais com transferência. E isso é efeito da democracia. A democracia não existiria se não houvesse uma melhora social.

Dá para dizer que o pior da crise já passou e a curva agora é ascendente, ou ainda podemos ter um repique?

Depende do que fizermos agora para enfrentar as coisas que permitiram que a crise chegasse. Se deixarmos essas portas abertas, continuamos vulneráveis. A solução para a crise exige uma mudança no sistema de financiamento em todo o mundo. O Brasil sai da crise mais fortalecido, mas não estaria imune a sofrer, um pouco mais à frente, outro evento derivado da própria crise.

O desemprego, que é o principal indicador da economia real para a maioria dos cidadãos, teve uma alta nos primeiros meses do ano, mas agora começa a recuar. Esta recuperação já é permanente?

Já temos uma trajetória de queda, mas teremos este ano um desemprego maior do que no ano passado. O País não vai crescer o suficiente para gerar emprego para todo mundo. Achamos que a variação do PIB será muito forte no fim deste ano, começo do ano que vem. A eleição sempre alavanca o crescimento, mas em 2010 a economia pode estar crescendo muito bem, como nunca esteve em outras eleições.

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