domingo, 16 de maio de 2010

Antônio Flávio Pierucci

Deus quer você rico. Neopentecostais prometem a prosperidade, mas recomendam que fiéis cobrem de Deus

Deus quer ver você rico, carros na garagem, negócios prosperando, dívidas quitadas, a família unida, todos com saúde. De quebra, você leva a garantia de uma relação mística com o Espírito Santo. E ainda ganha o céu. Basta que você acredite, abra a carteira e ofereça a seu Deus tudo o que puder. Seja generoso, sincero, nada de desvios ou caixa dois, pois Deus vê tudo. A fórmula mágica, irresistível, foi desenvolvida pela igreja neopentecostal Universal do Reino de Deus e vem sendo exportada para os EUA, Portugal, América Latina e África. No Brasil, onde nasceu, o número de fiéis da Universal cresceu 681,5% entre 1991 e 2000, segundo os números do IBGE. É o maior salto dado por uma igreja no País, possivelmente no mundo. Significa 278 vezes mais do que cresceram os católicos nesse período, e quase três vezes mais que os fiéis da Assembléia de Deus, a mais numerosa das igrejas evangélicas desde o início do século passado. Se estiver mantendo o mesmo ritmo de crescimento, a Universal terá hoje mais de 8 milhões de seguidores, “colando” na Assembléia de Deus que em 2000 tinha 8,4 milhões de fiéis. A Renascer, do casal de bispo Hernandes, reunia oficialmente menos de 300 mil fiéis em 2000, hoje já fala em 2 milhões. O Brasil é hoje, de longe, o maior país pentecostal do mundo, 24 milhões de seguidores contra 5,8 milhões do segundo lugar, os EUA. O sociólogo e professor da USP Antônio Flávio Pierucci, 62 anos, especialista em religião, decifrou os números dos últimos censos e chegou a uma constatação ainda mais significativa: a maior taxa de crescimento vem se dando com as igrejas que pregam a teologia da prosperidade, como a Universal, e aquelas que pregam o milagre da cura, como a Deus é Amor - que cresceu 357,6%. Para Pierucci, “religiões vivem de promessa e se nutrem da sua autopromoção. Não adiantam nada quendo eu preciso de emprego. Não interferem nas grandes decisões que tocam nossas vidas, como as mudanças econômicas”. Abaixo, trechos do depoimento que o professor Pierucci deu ao jornal O Estado de S. Paulo, 11-02-2007.
Fonte: UNISINOS





TEMPO DAS CATEDRAIS

O pentecostalismo cresce principalmente na América Católica. No México, já há etnias indígenas inteiras convertidas. É provável que a vinda do papa ao Brasil e sua participação no Celam, a conferência latino-americana dos bispos, tenha a ver com o avanço do pentecostalismo, quem sabe uma conclamação para que os católicos sejam mais agressivos com relação aos pentecostais, especialmente os neopentecostais. Mas não acredito que sua vinda mudará a tendência de crescimento dessas igrejas. O arcebispo da Paraíba (dom Aldo Pagotto) alertou os católicos de que estariam sendo enganados pela teologia da prosperidade. O arcebispo se assustou com o ritmo e a grandiosidade do templo da Universal do Reino de Deus em João Pessoa, quando a basílica de Aparecida, por exemplo, vem sendo construída há 50 anos. Quando o Edir Macedo inaugurou o grande templo da Universal no Rio, moderníssimo, disse que sua igreja estava entrando no tempo das catedrais, assim como o catolicismo já teve o seu tempo. Ele está dizendo que sua igreja está bastante consolidada para sair das capelas e que agora construirá catedrais.

A TERCEIRA ONDA

Os neopentecostais são certamente a corrente que mais preocupa os católicos. Eles fazem parte do que se chama a terceira onda evangélica, representada principalmente por Edir Macedo, da Universal do Reino de Deus, e pelo casal Hernandez, da Renascer. Pregam a teologia da prosperidade. As primeiras evangélicas são chamadas de ‘históricas’, a Luterana, a Batista, Adventista, Metodista. Em 1901 nasce nos EUA o pentecostalismo, que chega ao Brasil em 1910 com a Assembléia de Deus e a Congregação Cristã do Brasil. É a primeira onda pentecostal, bastante conservadora. Os fiéis não se envolviam em política, eram proibidos de participar dos sindicatos, as mulheres usavam roupas longas, os homens, terninhos. A segunda onda surge nos anos 1950, com a Evangelho Quadrangular e a Cruzada de Evangelização Nacional, que passam a usar o rádio e ações públicas para se propagar de forma mais visível nas grandes cidades. Mas a grande novidade da segunda onda foi a cura, o milagre, ‘Jesus cura a doença de seu corpo, não apenas salva sua alma’. A partir daí o ritmo de crescimento do pentecostalismo no Brasil e na América Latina se acelera loucamente. David Miranda, à frente da Deus é Amor, é o principal representante dessa corrente. A terceira onda vem nos anos 70, com a teologia da prosperidade pregada por Edir Macedo, à frente da Universal, e pelos bispos Sonia e Estevam Hernandes, da Renascer. Com esses neopentecostais, há uma valorização positiva do dinheiro, e isso é uma grande novidade no mundo religioso cristão. Todas as denominações evangélicas oferecem os dons do Espírito Santo, uma experiência mística na qual o fiel mergulha numa esfera sagrada, rompendo parcialmente o seu estado de consciência. Oferecem também uma vida eterna depois da morte. A segunda onda, além da experiência mística e da vida eterna, oferece também a cura das doenças. E a terceira, mais do que o misticismo, o céu e a cura, também garante a prosperidade. É a corrente pentecostal que vem crescendo mais rapidamente. O protestantismo do século 17 dizia que Deus iria coroar de sucesso o fiel que trabalhasse. O trabalho era recompensado. Já o neopentecostalismo valoriza o dinheiro. Você dá dinheiro para a igreja e quanto maior a tua generosidade, maior a tua recompensa. Isso nunca houve. É como se fosse uma aplicação, você investe na igreja e aguarda um retorno de Deus. Isso é uma invenção dos neopentecostais, uma grande mina de ouro. Eles descobriram uma maneira de fazer as coisas de uma forma que dificulta dizer que as pessoas estão sendo enganadas. Porque vão dizer que estão dando o dinheiro porque querem, o advogado vai dizer, ‘as pessoas estão dando livremente o dinheiro, ninguém está sendo coagido fisicamente, as pessoas abrem sua carteira porque querem’. Há muitas ações na Justiça, mas quando se trata de religião, fica difícil provar que as pessoas estão sendo enganadas.

COMO UMA EMPRESA

A teologia da prosperidade é americana, mas foi processada aqui e hoje é exportada. O Brasil inovou pregando em grandes espaços, ocupando a mídia e criando uma igreja-empresa. A Renascer partiu para a imagem de mídia social, tentando ganhar a classe média, os jovens, o bispo Estevam é dono da marca gospel. A Universal do Reino de Deus tem um líder extremamente carismático, que é o Edir Macedo. Tudo ali é programado como uma empresa, de cima para baixo, o soldado raso não manda nada. É bem o oposto, por exemplo, da democracia de uma igreja Batista, pequena, local, autônoma, onde os pastores e os fiéis decidem até os hinos que vão cantar. Isso é impensável na Universal, onde todos os dias o pastor presta contas online do movimento de sua igreja. Se não cumpre as metas, é mandado para uma igreja menor, se vai bem, é promovido. É todo um esquema de prêmio, promoções. David Miranda, da Deus é Amor, partiu para o espetáculo do milagre. Reúne multidões em estádios para dizer que todos ali que tiverem câncer na perna, que dêem um passo à frente, pois serão curados. E as pessoas acreditam.

COBRANDO DE DEUS

Além dos ‘desafios’, que são as ofertas em dinheiro quando você precisa de uma ajuda especial, uma cura, um negócio que vai mal, as igrejas cobram o dízimo, exatos 10% do que você declara que ganha. Como Deus vê tudo, você vai ficar morrendo de medo de estar mentindo. Esse é outro trunfo das religiões, você pode mentir para a receita, mas quem crê não mente para Deus. Na Deus é Amor do David Miranda, o dízimo é cobrado com um carnê de 12 prestações. Antes de participar da santa ceia (que é a comunhão, para os católicos), um obreiro confere se você está quites com o dízimo. Se não estiver, você não recebe a comunhão. Mas quando você dá, seja o dízimo, sejam as ofertas, você explicita a sua cobrança. Essa é outra diferença do neopentecostalismo, o fiel é levado a ser exigente com Deus, a cobrar de Deus. ‘Eu dei para você tudo que eu tinha no banco, você é fiel, você não vai me abandonar, você vai fazer isso que estou pedindo’. É um jeito de orar cobrando, nada parecido com as orações tradicionais, que pedem com humildade. E os pastores fazem essas cobranças em voz alta, para que os fiéis aprendam como se dirigir a Deus de uma forma mais reivindicante, mais altiva. E eles sempre vão cobrar de Deus, não dos pastores. Nem que você veja seu dinheiro transformado em uma mansão em Miami, isso não vai tirar de você o direito de cobrar de Deus. Também não levará você a culpar seus pastores, pois o sucesso reforça a idéia de que Deus de fato recompensa aqueles que oram, e que o dinheiro é uma coisa positiva, desejável. Por outro lado, os neopentecostais exploram a crença de que são uma minoria perseguida por uma igreja majoritária, que são discriminados pela sociedade, que a universidade brasileira tem preconceito contra eles. E quando acontecia de o Edir Macedo, por exemplo, ser acusado de lavagem de dinheiro ou sonegação de impostos, ou era mostrado atrás das grades, se dizia que era perseguição, como Cristo foi perseguido. Com isso conseguem a solidariedade daquelas igrejas evangélicas menos críticas. Os neopentecostais aprenderam a transformar doações dos fiéis em riqueza pessoal. Não se sabe ainda como isso será explicado para a receita. A Igreja Católica também tem muitos bens e as congregações têm propriedades, mas aqui se faz uma distinção entre o que é da pessoa jurídica e o que é da pessoa física. A Cúria Metropolitana, as congregações, podem ter muitos bens e imóveis, mas o arcebispo e os monges são pobres .

AVANÇO PREDADOR

O neopentecostalismo é muito mais pelo indivíduo do que pelo grupo. É assim que são feitas as conversões, por ‘contaminação’. Se um taxista de um ponto é convertido, dentro de algum tempo outros motoristas serão convertidos. A idéia é retirar o indivíduo do grupo onde ele se encontra e oferecer a ele um outro grupo, onde se sentirá inserido e valorizado, passará a acreditar e se empenhará em converter outros. O neopentecostalismo não respeita tradições nem culturas. É impiedoso com as religiões menores, como as afro-brasileiras, age como se estivesse numa guerra, disputando fiéis. Isso explica seu rápido crescimento, especialmente na periferia das grandes cidades e nas regiões onde o catolicismo não avançou. Seus pastores seguem os novos espaços onde a floresta vem sendo derrubada e novas fronteiras sendo abertas. Eles não avançam para conter, avançam porque a abertura de novas fronteiras rompe as tradições, e onde as tradições se rompem é sempre mais fácil prometer ‘nada do passado e tudo do futuro’ A idéia de preservação não combina com esse tipo de empreendedorismo evangélico. Eles são predadores, não são preservacionsitas, são uma igreja capitalista.

SEM LIDERANÇAS

É uma religião que optou por colar nos mais pobres, não como uma opção pelos excluídos, como fez a Igreja Católica, mas para convertê-los.Talvez por conta desse foco no indivíduo, não no grupo, os pentecostais e os neopentecostais não têm lideranças na sociedade civil, como a Igreja Católica tem d. Evaristo Arns. Os judeus são pouco mais de cem mil (segundo o censo de 2000) e o rabino Henry Sobel é uma estrela; a monja Cohen (os budistas são cerca de 250 mil no país) dá um grande peso aos movimentos que participa. Os pentecostais não têm isso. Há pastores evangélicos intelectuais, engajados, mas nada que venha no sentido de uma simpatia para o socialismo, uma idéia coletiva de que você tem quer solidário com as populações mais pobres.

Entre os anos de 1991 e 2000, os neopentecostais da igreja Universal tiveram um crescimento de 681,5%. As várias igrejas ou denominações evangélicas, juntas, cresceram 98,5%. Nesse período, os católicos aumentaram 2,5%, bem abaixo da taxa de crescimento da população brasileira, que foi de 15,7%. Em 2000, segundo o censo daquele ano, os católicos eram 124,9 milhões e os evangélicos, 26,2 milhões.

Se as tendências de crescimento permanecerem, o Brasil será um país com uma cara cada vez mais pentecostal. Essa sociedade será mais conservadora nas questões de moral sexual. Nas relações entre o casal, o homem ficará mais respeitoso com a mulher, como acontece em todo as igrejas protestantes. Mas esse respeito não será um respeito erotizado, portanto, viveremos em um país mais conservador.

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