'A banalidade do amor'. Hannah Arendt e Martin Heidegger
Fonte: UNISINOS
O amor entre Hannah Arendt e Martin Heidegger, entre a pensadora judia obrigada, em 1933, a deixar a Alemanha, e o filósofo que, ao contrário, no mesmo ano, abraçava o nacional-socialismo e se tornava reitor da universidade da qual caçou os professores judeus e chamou os estudantes a fazer direção espiritual com o nazismo, é uma paixão que Hannah Arendt nunca renegou. Mesmo depois do Holocausto.
Desde os anos 50, ela procurou o mestre com o qual, aos 18 anos, em 1925, havia iniciado um longo relacionamento, e continuou indo ao seu encontro e pronunciou até uma intervenção absolutória com relação a ele por ocasião do 80º aniversário. Um sentimento que nos deixa perturbados, junto com milhares de perguntas e uma sensação incômoda, doentia. Um mistério.
Pois bem, a intriga foi posta em cena por Savyon Liebrecht (foto), uma israelense que até agora escreveu principalmente belos romances íntimos (premiados três vezes na Itália), muitas vezes centrados nas vidas cotidianas dos sobreviventes ou dos seus filhos, sobre os seus costumes, sobre os desvios, a saudade da Europa, a força de seguir em frente.
O título da peça teatral, "La banalità dell´amore" [A banalidade do amor] (nas livrarias italianas a partir do dia 4 de agosto), que retoma o famoso "A banalidade do mal. Eichmann em Jerusalém", escrito por Arendt como enviada da revista New Yorker ao processo contra o hierarca nazista sequestrado em Buenos Aires pelo Mossad e colocado atrás das grades por Israel em 1961-1962 e depois justiciado, nos revela o outro tema sensível do drama: por que essa reportagem, cheia de acentos críticos e desprezíveis para com a liderança judaica durante e depois do Holocausto, foi banida pelos países dos judeus. Até um amigo e um pensador liberal como Gershom Scholem criticou Hannah por sua falta de amor pelo seu povo.
Como foi que a senhora, desta vez, escolheu um assunto tão público e controverso?
Há alguns anos, li "A banalidade do mal". Não entendia por que foi proibida sua publicação em Israel: achei-o fiel aos fatos, embora havia um pouco de anotações em excesso sobre a sujeira do tribunal ou sobre as feições de árabes dos policiais. Ela dizia, acima de tudo, que era um processo espetáculo, e era.
Foi um instrumento para romper o silêncio e o sentimento de derrota criados pelo Holocausto.
Sim, mas Hannah tinha razão em dizer que era mais um processo símbolo do que um processo contra o homem. E tinha razão também para levantar o problema dos Judenrat, os conselhos judeus dos guetos, destacando como foram facilitadas as tarefas aos nazistas, por exemplo entregando a eles as listas dos nomes. No entanto, era muito cedo para pôr esses temas, como Scholem lhe escreveu. Israel era um país jovem e frágil. E certamente o tom de Arendt foi arrogante, insuportável. Mas as suas afirmações eram justas, e isso me tocou. E depois havia o seu amor por Heidegger, a despeito do nazismo. Eu li o seu epistolário. Ela lhe era totalmente devota: e o coração, como muitas vezes acontece com as mulheres, podia muito mais do que a sua refinada inteligência. Eu vi essas linhas paralelas que se cruzavam: podia nascer daí um bom drama teatral.
Além dos dois protagonistas, está em cena Michael, um jovem israelense que faz muitas perguntas incômodas para Arendt. Ele lhe diz, por exemplo, que a persistência do seu amor por Heidegger dependia daquela sujeição que os judeus alemães sempre mantiveram à cultura germânica.
Sim, conheço bem os judeus que provinham de Bonn ou de Berlim, o meu sobrenome é alemão, e sou filha de sobreviventes. Essas pessoas, por décadas, continuaram falando mal do judeu, reunindo-se para se dedicar à única cultura que consideravam perfeita, dizendo que Hitler era austríaco e que a verdadeira Alemanha eram eles.
Uma espécie de síndrome de Estocolmo.
Em um certo sentido. Quando li o discurso que Heidegger proferiu na Universidade de Friburgo em 1933, o seu nazismo vulgar, não conseguia me convencer de que Hannah tenha podido procurá-lo, em uma relação verdadeiramente assimétrica com o outro, porque ele sempre a considerou um relacionamento dentre outros.
A senhora se identifica com Hannah ou com o jovem israelense?
Sob alguns aspectos, sou ele; sob outros, ela. Sou ambígua, uma posição que ajuda sempre à literatura. Aceito as posições de Arendt sobre Israel e Eichmann, mas me causa horror o seu amor por Heidegger.
A senhora não acredita que as duas coisas estejam relacionadas, que, olhando para Eichmann, Arendt tenha falado de "banalidade do mal" também porque, vendo-o só como uma engrenagem da máquina nazista e não como um "diligente carnífice", absolvia em parte o povo alemão e o primado da sua cultura?
Não, não acredito nisso. Nas minhas páginas, Hannah sabe se defender dessas acusações. E não acho que Israel não estivesse em seu coração. Criticava-o. Mesmo que seja verdade, não era o momento: o processo foi uma terapia importante para a sociedade israelense.
Que acolhida a peça teve?
Estreou primeiro na Alemanha do que em Israel. O filho de Heidegger também foi vê-la. Agora, é idoso, mas, quando jovem, sob o Terceiro Reich, foi militar. Fomos apresentados.
E como a senhora se sentiu?
Estranha. Pensei: é a primeira vez que aperto a mão de alguém que combateu do lado dos nazistas.