sábado, 21 de agosto de 2010

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo.

Infraestrutura, educação e política cultural Superar o velho desenvolvimentismo e perguntar: que sociedade desejamos?

Por Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo.
Fonte: Revista CULT



Em 2002, as eleições presidenciais foram realizadas sob um clima de terror especulativo. Os mercados e seus porta-vozes projetaram cenários apavorantes para os quatro anos de governo Lula; o risco Brasil foi a 2.400 pontos-base, descolando da pontuação dos outros emergentes.

A transição, para surpresa de muitos e decepção de outros, foi feita com habilidade e prudência e não foram poucas as ocasiões em que o presidente Lula se esquivou do rótulo “esquerdista”. Tratou de escapar da dicotomia direita-esquerda para se abrigar na rubrica de líder sindical, perseguindo a imagem do líder popular negociador, disposto ao compromisso e à mediação.

Lula poderia protagonizar um personagem ausente no livro de Slavoj ŽiŽek sobre a atualidade do Manifesto Comunista. Esse livro trata dos enganos, desenganos, projetos e miopias da esquerda na era do capitalismo neoliberal “financeirizado” e globalizado. Um dos capítulos aborda as ambiguidades e desencontros da luta política dos subalternos, ao interpretar o enredo do filme inglês Os Virtuoses. O diretor levou à tela a narrativa da luta desesperada e inglória de um punhado de mineiros contra o fechamento da mina em que trabalhavam. O grupo de militantes participava também de uma banda, comandada por um maestro-mineiro que, no limiar da derrota política, proclamava: “Só a música importa”. A consigna era vista pelos mais duros como uma forma simbólica, mas ilusória e alienante, de reafirmar a solidariedade de classe.

A mina tinha perdido a sua função econômica, foi fechada. Nada mais restava para os companheiros desempregados senão a irrealidade da banda, na qual tentavam colocar em prática valores que tinham perdido a “autenticidade”, isto é, as condições de vida e de trabalho que lhe davam sentido. No epílogo da triste jornada, um dos personagens reafirma sua pertinência fundamental ao grupo perdedor, seja qual for a forma assumida pelas condições de vida: “Se já não há mais esperança, resta tão somente seguir os princípios”.

A banda econômica do governo Lula preferiu apostar no equilíbrio entre a esperança e os princípios, ainda que isso tenha lhe custado a increpação de praticar a Realpolitik, tentando se equilibrar – de forma incoerente para os principistas – entre as ações que buscavam a elevação dos padrões de vida dos mais pobres e as decisões de política econômica que propiciavam os ganhos parrudos aos senhores das finanças e seus acólitos. Essa façanha, dizem os críticos, foi executada em um ambiente internacional excepcionalmente favorável. Maquiavel, no entanto, já advertia que a virtù do príncipe só poderia frutificar se amparada pela fortuna.

Seja como for, acuado no início do primeiro mandato pelo terrorismo dos mercados, o metalúrgico tratou de não violar a partitura que registrava os acordes da prudência, sem abandonar o projeto de ampliação das políticas sociais. Intuitivo, Lula, o sindicalista, construiu uma visão pragmática do desenvolvimento nas sociedades modernas. Para ele, a política é, sobretudo, mediação entre dois sistemas: as necessidades e aspirações dos cidadãos e os interesses monetários que se realizam por meio do mercado. Lula parece supor que esse jogo crucial da modernidade deve reconhecer a legitimidade das ações egoístas, observados os limites impostos pelas políticas do Estado destinados a proteger os mais frágeis e dependentes.

O Estado e os direitos do cidadão

A democracia moderna – a dos direitos sociais e econômicos – nasceu e se desenvolveu contra as ilusões de harmonia nas relações econômicas impostas pelo mercado. Desde o século 19, as lutas sociais e políticas dos subalternos cuidaram de restringir os efeitos da acumulação privada da riqueza sobre a massa de não proprietários e dependentes. O sufrágio universal foi conseguido com muita briga entre o fim do século 19 e o começo do século 20. Os direitos econômicos e sociais são produtos da luta que transcorre entre o fim dos anos 1930 e o fim da Segunda Guerra Mundial.

O Estado promotor da inclusão social é uma construção jurídica e institucional erigida a ferro e fogo pelos subalternos. Depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo na Europa, mas também de forma atenuada nos Estados Unidos, as forças antifascistas impuseram o reconhecimento dos direitos do cidadão, desde o seu nascimento até a sua morte. Sacralizaram os direitos individuais para expurgar da vida social qualquer resquício de totalitarismo, e afirmaram os direitos econômicos e sociais para evitar que o desamparo das massas se transfigurasse na busca de soluções salvacionistas e decisionistas.

Na periferia do capitalismo, o desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960 imaginou que o crescimento econômico resolveria naturalmente os desequilíbrios sociais e econômicos herdados da sociedade agrário-exportadora e semicolonial. Engano. O desenvolvimentismo, a despeito do razoável sucesso da industrialização, não conseguiu reduzir as desigualdades. Na esteira de um processo de urbanização acelerada, o desenvolvimentismo transportou as iniquidades do campo para as cidades, onde, até hoje, as mazelas da desigualdade e da violência sobrevivem expostas nas periferias e nos morros.

Não é de espantar que nos países em desenvolvimento tais tendências tenham levado à corrosão das convicções democráticas e republicanas do povaréu. As políticas sociais das últimas décadas – tambem aquelas iniciadas pelo goveno Fernando Henrique – ainda não superaram, mas apenas bloquearam, a reprodução desimpedida da velha prática das camadas dominantes: a reiterada violação dos direitos sociais, ainda mal conquistados na letra da Constituição de 1988. Na sociedade brasileira, ainda é agudo o conflito entre as aspirações dos cidadãos a uma vida decente, segura, economicamente amparada, e as condições reais da existência material e moral da grande maioria.

Desenvolvimento: infraestrutura, educação e política cultural

Alguém me perguntou outro dia o que o Brasil pretende do seu desenvolvimento. Vou falar em primeiro lugar da infraestrutura. Estamos diante do binômio transporte/energia, que não utiliza racionalmente nossa constelação de recursos, e a distribuição espacial das atividades, cada vez mais descentralizada. O modelo da “automobilização” não tem futuro – nem mesmo com o carro elétrico – porque sua reprodução tornará ainda mais dolorosa a vida urbana, sobretudo nas megametrópoles. O modelo também é inviável para o transporte de longa distância.

Mais importante do que a infraestrutura é definir o destino que pretendemos dar ao sistema educacional brasileiro. Não se trata apenas de abastecer adequadamente o mercado de trabalho. É importante, sim, formar mais técnicos e engenheiros, carreiras desestimuladas pelo baixo crescimento das últimas décadas. Mas, antes de tudo, trata-se de conter a degradação que está ocorrendo em todos os níveis da educação no Brasil: a especialização precoce, em detrimento da formação cultural mais ampla e mais sólida, capaz de permitir a autonomia e a fruição da liberdade pelo cidadão brasileiro. Pois não se forma um bom engenheiro se o profissional não tem noção do país em que vive, do mundo em que sobrevive. Na verdade está-se produzindo hoje uma geração de idiots savants [sábios idiotas], especializados no seu ramo de atividade, mas sem a menor noção do mundo onde vivem. Basta acompanhar o que se lê na internet. É assustador. Isso demanda maior empenho, sobretudo das camadas “esclarecidas” da sociedade civil, na construção de uma política cultural compatível com a democracia de massas.

Assim, a infraestrutura, a educação formal e a política cultural são as três questões fundamentais. Temos de superar o velho desenvolvimentismo que admitia o avanço social e cultural como consequência natural do desenvolvimento econômico e nos perguntar: que sociedade desejamos? Os grandes autores brasileiros, intérpretes do Brasil, perscrutaram a história para responder à questão de quem somos nós, os brasileiros. É hora de perguntar: que sociedade queremos?

Quando me refiro a uma política cultural, estou falando de uma integração do indivíduo e dos grupos sociais ao mundo contemporâneo; saber, afinal de contas, quais são os valores que nós queremos preservar. Imagino que sejam os mesmos que a modernidade colocou como um desafio para a nossa ação política: a liberdade, a igualdade e a compreensão.O que vemos hoje, desgraçadamente, no mundo inteiro e no Brasil em particular, é um processo de obscurecimento, e nesse aspecto tem enorme importância o que nós queremos dos meios de comunicação de massa. Hoje em dia há um grande debate em torno da liberdade de expressão. A grande mídia, sob a consigna da liberdade de expressão, trata de impedir que se desenvolva o verdadeiro debate sobre o Brasil ou sobre os temas que afligem a humanidade. Contra esse controle, temos de lutar pela diversidade. Promover a diversidade é uma obrigação das políticas públicas: não deixar que o poder da informação, concentrado em poucas empresas, se transforme em censura da opinião alheia. A internet ainda é uma caixa de ressonância da grande imprensa: os blogs e quejandos, em sua maioria, reproduzem o que a grande imprensa diz, na forma e no conteúdo, porque estão com a consciência crítica danificada.

O projeto da liberdade não pode, como dizia Adorno, se separar da questão da compreensão, do entendimento, da crítica e da capacidade de formular projetos. E isso está bloqueado hoje, no Brasil, por causa da banalização da vida e da celebração das celebridades. Tudo está sendo feito para que a sociedade se transforme numa massa amorfa que não tem papel nenhum a desempenhar na projeção de seu próprio destino.

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