quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin

Em função das comemorações pelos 25 anos de lutas e conquistas do Movimento Sem Terra em todo o Brasil, os meios de comunicação passam a analisar as ações desenvolvidas pelo movimento. Antonio Cechin, irmão marista, e Jacques Távora Alfonsin, procurador da República aposentado e professor de Direito, comentam dois artigos a respeito do MST, publicados recentemente em jornais locais. Segundo Cechin e Alfonsin, o MST "pode ter muitos defeitos, como qualquer movimento popular tem, mas existem duas virtudes na luta que ele empreende, difíceis de serem negadas". Uma delas é "a coragem com que enfrenta, no país inteiro, na maior parte das vezes sob a sanção dos Poderes Públicos, o outro poder, aquele cruel, ilegal e injusto do uso da terra pelo latifúndio". A segunda é a de "não confundir, como faz a maior parte da mídia, segurança pública com preservação da injustiça social". Fonte: UNISINOS




Dois artigos circulam atualmente na Internet, ambos relacionados com as atividades políticas atuais dos movimentos populares, especialmente do MST.

O primeiro é de um crítico histórico desse Movimento e da sua liderança. Segundo ele, entre outras coisas, “o MST vive graças aos recursos públicos que recebe do Incra”, embora não poupe queixas do modo como essa autarquia conduz a reforma agrária, “a sua liderança maior é de um marxismo infantil, a reforma agrária está sendo implementada onde não devia”.

O segundo texto é da própria liderança, criticada pelo primeiro articulista. Faz um breve histórico do MST, “nascido das urgências de o povo pobre sem-terra se organizar, lutar por seus direitos, pela reforma agrária, por uma sociedade mais justa, combatendo a pobreza e a desigualdade social”; recorda “o custo em vidas humanas que tais metas sofreram em vinte e cinco anos”, critica “a nova forma de hegemonia do capital financeiro e das transnacionais a exigirem, por sua vez, novas formas de enfrentamento desse tipo de concentração de riqueza e dominação a exigirem mudanças projetadas pelo MST até para alcançar um novo modelo de produção”.

À simples comparação das duas posturas, pode-se antecipar que a primeira crítica - a do histórico, que é professor universitário - está mais preocupada com a forma bastante equivocada, conforme sua visão, com que o MST se conduz, e a segunda crítica com o conteúdo fundamental, legitimante das reivindicações populares.

O lugar social da primeira, salvo melhor juízo, parece mais o da academia, da docência inconformada com o que entende ser um movimento que age em desconformidade com padrões teóricos e ideológicos que seriam mais adequados à ordem jurídica vigente e mais democráticos (sua crítica ao fato de o MST não ter personalidade jurídica testemunha bem isso).

O lugar social da segunda parece mais o da identificação face a face das causas da injustiça social, dos responsáveis por ela, dos trágicos efeitos sociais que elas geram e da urgência de o povo se organizar e agir em sua inadiável defesa.

Agora que o MST está completando 25 anos, convém comparar tais textos, sob a lente do proveito, do que ganham os direitos humanos fundamentais dos sem-terra, secularmente violados em nosso país, como a história comprova; a que e a quem servem, enfim, os dois textos.

Isso pode ser feito à luz de três princípios jurídicos, pelo menos, sempre presentes nas ações judiciais que julgam direitos em conflito, inclusive à luz da Constituição Federal, como ocorre quase sempre com os direitos dos sem-terra.

O primeiro é o da proporcionalidade, um princípio interpretativo dos fatos e da lei, daqueles que menos abstração comporta, quando se comparam direitos. Para o texto crítico negativo do MST “esse movimento popular somente sobrevive graças aos recursos que lhe repassa o INCRA”.

Considerado o fato, todavia, de que o repasse de verbas públicas sofre severa vigilância do Tribunal de Contas da União, tem-se de convir que a crítica aí deduzida agrega proporção mais política do que jurídica. Aliás, a Zero Hora do dia 14 deste mês, segue o mesmo rumo, já que noticia a grande diminuição de recursos públicos repassados a entidades ligadas ao MST, sem considerar que muitos dos processos administrativos abertos no Tribunal de Contas da União ainda estão tramitando.

Respeitado, então, o princípio da proporcionalidade, aqui se sugere às/aos leitores, sejam comparados os recursos públicos utilizados pelas tais pessoas jurídicas direta ou indiretamente ligadas ao MST, (chegaram a milhões segundo a Zero Hora, não para o MST, sublinhe-se, mas sim para ONGs e cooperativas que têm relações diretas e indiretas com ele) com os bilhões (!) de reais que a União está perdendo, seja por anistia, seja por prorrogação de dívidas tributárias históricas dos latifundiários brasileiros. Se a reforma agrária fosse realizada como determina a lei, a proporção dos recursos alcançados por essa renúncia fiscal seria mais do que suficiente para a sua realização e o MST iria para casa, porque a miséria da grande massa dos seus integrantes teria sido curada. Teria caducado a luta por Reforma Agrária por ter sido coisa do passado e já ter sido realizada como diria Frei Betto.

O segundo princípio jurídico de oportuna lembrança para os dois textos é o da função social da propriedade (art. 5º inc. XXIII da Constituição, entre outros). Aqui tem lugar a tentativa de aproveitar ambos os textos como denúncia e base de ação contrária às promessas feitas pelas Constituições do país, reiteradamente traídas na história em desfavor das pessoas pobres sem-terra, violando os seus direitos humanos fundamentais.

Se a injustiça social gerada pela atual estrutura agrária do país for medida pelo número de agricultores sem-terra, religiosas/os e advogados mortas/os por jagunços a soldo de latifundiários, for medida pela desterritorialização progressiva das terras entregues às transnacionais, em crescente concentração da propriedade privada, for medida pelo desmatamento predatório de um lado e pela imposição da monocultura por outro, for medida pela extensão da grilagem iníqua, inclusive aquela praticada contras as/os quilombolas e as/os índias/os, pela substituição do espaço físico indispensável à alimentação do povo em favor do agronegócio exportador, é impossível deixar de reconhecer que o texto da liderança do MST é bem mais significativo do que o do seu crítico. Lanceta causas diretas de tumores antigos que infectam a nossa terra com um tão grande poder de exclusão anti-social que não podem ser atribuídas, apenas, a um marxismo infantil. Ideologia por ideologia, pior efeito contra os direitos humanos fundamentais das/os sem-terra tem aquela que vê o argueiro no olho delas/es (inspiração e forma de agir), sem atentar para a trave que cega os poderes de quantos lhes enganam, lesam e oprimem.

Um terceiro princípio jurídico, esse também previsto no art. 37 da Constituição Federal como vinculante da administração pública, é o da eficiência. O acesso à terra, como efeito da ação do MST e dos seus críticos pode ser, aqui, um bom critério de comparação da eficiência de uma e de outra das opiniões que versam sobre ele. Do texto crítico do MST, um desses efeitos, retirado de várias opiniões anteriores suas ao referido Movimento, já cumpriu toda a sua trágica e deletéria conseqüência, em sentido contrário àquele acesso. Serviu de base doutrinária para a argumentação de dois promotores gaúchos moverem quatro ações civis públicas contra o MST, em quatro comarcas diferentes do Rio Grande do Sul (Carazinho, Canoas, Pedro Osorio e São Gabriel), cujas liminares, deferidas pelas/os juízas/es de imediato, foram cumpridas com extrema violência e abuso de poder pela Brigada Militar do Estado: dissolução de dois acampamentos, com expulsão violenta de crianças e idosas/os, destruição de farmácias caseiras e escolas, identificação criminal das/os ocupantes, descaminhos de seus pobres pertences, barracas demolidas, barragem imposta à aproximação das lideranças do MST dos locais em que as tais execuções se processaram.

Isso obrigou o referido crítico histórico a, numa entrevista posterior, solidarizar-se com o MST, dando a entender que as reservas que ele guarda contra o Movimento são predominantemente relacionadas ao fato de ele não ter personalidade jurídica.

Como se observa dos dois textos, aqui examinados por quem se identifica com o ideário e as ações do MST, pode ter muitos defeitos, como qualquer movimento popular tem, mas existem duas virtudes na luta que ele empreende, difíceis de serem negadas. Uma é a da coragem com que enfrenta, no país inteiro, na maior parte das vezes sob a sanção dos Poderes Públicos, o outro poder, aquele cruel, ilegal e injusto do uso da terra pelo latifúndio que, não raro, despreza ou tem até força superior à da lei; a segunda é a de não confundir, como faz a maior parte da mídia, segurança pública com preservação da injustiça social.

O crime estrutural que essa anônima forma de oprimir e matar as/os pobres, pela fome, pela falta de teto, pelo desprezo da dignidade e da cidadania deles, passa como fatalidade; não há lei capaz de puni-lo, que o comprove a secular impunidade da exclusão social que os vitima. Pobreza e miséria, por mais injustas que sejam, não se considera violação de direito.

Entre tantas lições do querido Betinho, duas são bem oportunas para a celebração dos vinte e cinco anos do MST: "quem tem fome tem pressa"; "o último que nunca saía dos trilhos, o trem pegou...". Pelo jeito e pela história desse Movimento, para pesar dos seus críticos, ele tem sido bem fiel à uma e à outra. É de se esperar que assim prossiga.

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