quarta-feira, 1 de abril de 2009

Entrevista - Marilena Chaui

A paciência do pensamento

Marilena Chaui, a filósofa mais importante do país, discute a crise financeira, a popularidade do governo Lula, e afirma a centralidade do ensino da história da filosofia nas escolas

por Juvenal Savian Filho e Eduardo Socha
Fonte: Revista CULT



Refrear, neste caso, uma declaração talvez mais entusiasmada seria um gesto insensato: Marilena Chaui é, sob vários aspectos, uma das personalidades mais admiráveis do país. Pois não basta dizer que sua trajetória como educadora se confunde com a própria difusão da filosofia universitária no Brasil. Essa constatação, evidente quando se observa a formação de nossos departamentos de filosofia, deriva de apenas uma das linhas de atuação da pensadora. Sua ativa participação nas discussões sobre os rumos da educação brasileira atestam a continuidade do engajamento, que vai além dos muros universitários da FFLCH-USP, onde leciona há 40 anos. Comprovando que também é possível romper com a elitização do ensino de filosofia sem abandonar o rigor que caracteriza a verdadeira atitude filosófica, seu livro Convite à filosofia tornou-se uma introdução surpreendente ao filosofar e referência praticamente obrigatória para o ensino médio.

Em razão de sua militância no campo político-partidário - outra linha de atuação -, seu nome hoje integra o panteão dos intelectuais que forneceram as coordenadas teóricas para a consolidação da democracia em nossa história política recente. Membro fundador do PT, teve experiência no Poder Executivo como secretária de Cultura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina; experiência esta que, segundo a própria filósofa, requisitava um jogo de cintura incompatível com o princípio de autonomia da atividade intelectual, esta sim sua vocação declarada. Distante do Executivo, não deixou porém de atuar como conselheira e porta-voz dos ideais emancipatórios e democráticos dos diversos movimentos de esquerda.

Como se não bastasse, sua pesquisa acadêmica, voltada à filosofia de Espinosa e de Merleau-Ponty, marcada pela interpretação austera dos textos, pelo respeito filológico ao "espírito de letra" dos pensadores, conquistou o reconhecimento nacional e internacional. Distinções como a Ordre des Palmes Académiques, conferida pela Presidência da República francesa (1992), e os dois títulos de doutorado honoris causa, um pela Universidade de Paris 8 (2003), outro pela Universidade de Córdoba (2004), são exemplos que por si testemunham o alcance notável de sua produção.

Sim, claro, existem os críticos de seu trabalho. Mas, infelizmente, poucos merecem ser ouvidos ou lidos. Dizemos infelizmente, porque o primitivismo e a esterilidade de grande parte dessa crítica confirmam a precariedade intelectual de nossos debates, de nosso atual estado de coisas. A tais críticas, que tão logo expoem suas fissuras de raciocínio, caberia apenas o riso da indulgência não fosse o espaço midiático que ocupam, não fosse a agressividade de suas manifestações, o preconceito, o ressentimento e o desvirtuamento rasteiro; as atitudes lamentáveis que afinal determinam o modus operandi de uma parcela da direita brasileira.

Na entrega do honoris causa pela Universidade de Paris, disseram: "Para alguns, a filosofia é uma carreira universitária. Para outros, mais raros, ela é um combate. Era, certamente, o caso de Espinosa. E é também, sem dúvida, o de Marilena Chaui". Talvez isso explique a resistência e a polivalência da pensadora em um país com tantas adversidades. Talvez isso justifique também o espírito enérgico pelo qual manifesta suas convicções na educação, na política, em sua pesquisa acadêmica. Mas o segredo maior parece ser o apreço pelo tempo necessário à reflexão. Na mesma cerimônia, Claude Lefort lembrou que a eloquência e a rapidez de sua inteligência não ocultam paradoxalmente o traço que melhor caracteriza a filósofa: a paciência do pensamento.

Marilena prepara atualmente o segundo volume de A nervura do real, continuação de sua obra sobre política em Espinosa. Nesta entrevista, concedida à CULT, a filósofa fala sobre a atual crise financeira, a popularidade do governo Lula, a inclusão da filosofia no ensino médio e também sobre sua trajetória de vida.

CULT - Diante da crise, a senhora acredita que estamos vivendo um momento histórico privilegiado para a reorganização da esquerda, para a reavaliação de seu conteúdo programático, para novas formas de mobilização popular? Ou a oportunidade será absorvida pelo redemoinho ideológico do liberalismo, agora em versão "light", de caráter mais keynesiano?

Marilena Chaui - Penso que as duas possibilidades estão dadas. Considero este um momento privilegiado, pois o fim do neoliberalismo (e não do capitalismo, claro!) abre um campo de reflexões novas para a esquerda e, uma vez que as atenções da economia e das políticas governamentais se voltam novamente para a esfera da produção e do trabalho (aquilo que significativamente os economistas agora chamam de "economia real"), também se abre um campo para práticas de classe por parte dos trabalhadores, assim como se torna possível o reaparecimento de movimentos sociais dirigidos aos direitos econômicos, sociais e políticos.

Pois está colocada em questão a operação própria do neoliberalismo, qual seja, a de dirigir todos os recursos públicos para os interesses do capital, levando à privatização dos direitos sociais, ao transformá-los em serviços privados a serem adquiridos no mercado. O pensamento e a práxis se abrem porque a percepção da irracionalidade do mercado desmantela a crença em sua suposta racionalidade autônoma, crença que durante 30 anos assegurou a hegemonia ideológica do chamado "pensamento único".

Ou seja, quando se fala em "economia real" para se referir à esfera da produção, o que se anuncia é a retomada da discussão do núcleo do modo de produção capitalista, isto é, o valor produzido pelo trabalho, e havia sido justamente isso que o monetarismo neoliberal julgara ter liquidado para sempre ao supor que poderia tratar o capital como moeda e não como resultado do processo de trabalho.

Sem dúvida, a abertura do tempo histórico será um processo longo e difícil e por isso mesmo, a curto prazo, irá prevalecer a tentativa de um neoliberalismo moderado, temperado com idéias keynesianas. Porém, o simples fato de vermos os governos e partidos de direita propondo medidas de cunho social-democrata já indica os limites da tentativa de manter o capital financeiro na direção da economia. Além disso, observa-se que as medidas econômicas e políticas colocam novamente na cena a figura do Estado nacional, que o "pensamento único" e a chamada globalização haviam decretado extinto.

Em outras palavras, não é tanto a figura do Estado nacional que importa aqui e sim o fato de que com ele reaparece a figura da sociedade civil, na qual se dá a luta de classes, que o neoliberalismo também considerava extinta. Não se trata de um retorno à situação anterior ao neoliberalismo - essa é a crença da direita, ao tentar dar um jeito numa política neoliberal com pitadas social-democratas - e sim de algo novo que, como tal, suscitará um pensamento novo e uma práxis nova. Em suma, o neoliberalismo, dirigindo os fundos públicos exclusivamente para o capital, se caracterizou pelo encolhimento do espaço público republicano e democrático e pelo alargamento do espaço privado dos interesses de mercado; seu fim, portanto, pode significar a reabertura do espaço público e o encolhimento do espaço privado.

CULT - A senhora disse que o governo atual "não é o governo dos nossos sonhos, não é exatamente da esquerda", que não teria o perfil de esquerda. Considerando, portanto, essa ambiguidade ideológica que se reflete na própria agenda do governo, a senhora acredita que políticas assistencialistas, além do carisma e da identificação popular do presidente, são suficientes para explicar sua boa avaliação?

MC - Sim e não. Sim, porque num país em que o corte de classe sempre definiu os governos, isto é, em que as políticas voltadas para os direitos sociais, políticos e culturais de todos os cidadãos nunca foram desenvolvidas ou, quando o foram, nunca foram prioritárias, em que as carências da maioria da sociedade sempre foram ignoradas em nome dos privilégios da minoria, as ações deste governo instituem práticas de inclusão sem precedentes na história do Brasil e, em grande parte, são responsáveis pela avaliação positiva do governo.

Não, porque a avaliação positiva do governo perpassa todas as classes sociais, indicando que há aprovação de outras ações governamentais, além daquelas voltadas para a transferência de renda e inclusão social; há aprovação da política externa, marcada pela independência, do PAC, da maneira como o Brasil sofrerá menos que outros os efeitos da crise financeira etc.

Penso também que é preciso dar um basta à tentativa de caracterizar o governo e o presidente da República como populistas. O populismo (tal como concebido pela sociologia brasileira, já que o conceito não é homogêneo para todas as sociedades) é a política da classe dominante para exercer o controle sobre as classes populares e/ou sobre a classe média tanto por meio de concessão de benefícios pontuais quanto por meio da figura do governante como salvador e protetor.

Ora, todos esses traços estão ausentes no governo Lula: o atual presidente da República não pertence à classe dominante, não concede benefícios pontuais e sim assegura a instituição de direitos com os quais se institui uma democracia, consequentemente, a figura do governante não tem a marca da transcendência, necessária à dimensão salvífica e protetora do dirigente não democrático.

Aliás, um dos pontos mais caros à mídia, que serve como ponta de lança nos ataques dirigidos ao presidente, é exatamente sua condição de classe: um operário sem diploma universitário, que não fala várias línguas, que comete gafes em situações de etiqueta e cerimonial etc. Ou seja, a mídia entra em contradição consigo mesma quando junta populismo e presidente operário sem diploma universitário.

A íntegra da entrevista se encontra na edição de Março da Revista Cult

Projeto Excelências


Clique na imagem e leia as crônicas do professor Fonseca Neto no portal Acessepiauí

Este é um espaço para crítica social, destinado a contribuir para a transformação do Estado do Piauí (Brasil).

Livro

Livro
A autora, Grace Olsson, colheu dados e fotos sobre a situação das crianças refugiadas na África. Os recursos obtidos com a venda do livro possibilitará a continuação do trabalho da Grace com crianças africanas. Mais informações pelo e-mail: graceolsson@editoranovitas.com.br

Frei Tito memorial on-line

Frei Tito memorial on-line
O Memorial Virtual Frei Tito é um espaço dedicado a um dos maiores símbolos da luta pelos direitos humanos e pela democracia na América Latina e Caribe. Cearense, filho, irmão, frade, ativista, preso político, torturado, exilado, mártir... Conhecer a história de Frei Tito é fundamental para entender as lutas políticas e sociais travadas nos últimos 40 anos contra a tirania de regimes ditatoriais. Neste hotsite colocamos à disposição documentos, fotos, testemunhos, textos e outras informações sobre a vida de Tito de Alencar Lima, frade dominicano que colaborou com a luta armada durante a ditadura militar no Brasil.

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais de diversos Estados do Brasil ocupam mais um latifúndio: o do conhecimento. Dar continuidade às conquistas no campo da educação é o objetivo da Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST, que pretende recolher livros para as bibliotecas dos Centros de Formação. Veja como participar clicando na figura.

Fórum Social Mundial

Fórum Social Mundial
O Fórum Social Mundial (FSM) é um espaço aberto de encontro – plural, diversificado, não-governamental e não-partidário –, que estimula de forma descentralizada o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação entre organizações e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mais solidário, democrático e justo. Em 2009, o Fórum acontecerá entre os dias 27 de janeiro a 1° de fevereiro, em Bélem, Pará. Para saber mais, clicar na figura.

Fórum Mundial de Teologia e Libertação

Fórum Mundial de Teologia e Libertação
É um espaço de encontro para reflexão teológica tendo em vista contribuir para a construção de uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por perspectivas de libertação, paz e justiça. O FMTL se reconhece como resultado do movimento ecumênico e do diálogo das diferentes teologias contemporâneas identificadas com processos de transformação da sociedade. Acontecerá entre os dias 21 a 25 de janeiro em Bélem, Pará, e discutirá o tema "Água - Terra - Teologia para outro Mundo possível". Mais informações, clicar na figura.

IBASE

IBASE
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) foi criado em 1981. O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, é um dos fundadores da Instituição que não possui fins lucrativos e nem vinculação religiosa e partidária. Sua missão é de aprofundar a democracia, seguindo os princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade. Aposta na construção de uma cultura democrática de direitos, no fortalecimento do tecido associativo e no monitoramento e influência sobre políticas públicas. Para entrar no site do Ibase, clicar na figura.

Celso Furtado

Celso Furtado
Foi lançado no circuito comercial o DVD do documentário "O longo amanhecer - cinebiografia de Celso Furtado", de José Mariani. Para saber mais, clicar na figura.

O malabarismo dos camaleões

O malabarismo dos camaleões
Estranha metamorfose: os economistas e jornalistas que defenderam, durante décadas, as supostas qualidades do mercado, agora camuflam suas posições. Ou — pior — viram a casaca e, para não perder terreno, fingem esquecer de tudo o que sempre disseram. Para ler, clicar na figura.

A opção pelo não-mercantil

A opção pelo não-mercantil
A expansão dos serviços públicos gratuitos pode ser uma grande saída, num momento de recessão generalizada e desemprego. Mas para tanto, é preciso vencer preconceitos, rever teorias e demonstrar que a economia não-mercantil não depende da produção capitalista. Para ler, clicar na figura.