sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Entrevista - Silvia Lago Martinez

‘A internet serve para questionar muitos dos pilares do capitalismo’


“Eu não creio que haja uma mudança de concepção na utilização das ferramentas. O que mudou radicalmente são as próprias ferramentas. Creio que se multiplicaram muito os recursos e essa é a grande mudança”, afirma Silvia Lago Martinez, socióloga e pesquisadora do Instituto Gino Germani, ligado à Universidade de Buenos Aires. E avalia o potencial dessa nova tecnologia: “Creio que efetivamente é cada vez menos possível controlar os milhões e milhões de conteúdos que circulam pela internet”. A entrevista é de Leonardo Moledo e está publicada no jornal argentino Página/12, 09-09-2009. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS


Conte-me, como se estivéssemos em um café, o que está pesquisando.

Estamos em um café, de modo que vai ser fácil. Agora estou em um grupo no qual estudamos a cultura digital e os processos políticos de apropriação das culturas digitais, para a intervenção política e ativista. Esta atividade tem seus antecedentes em um estudo que fizemos há algum tempo para a utilização da internet por parte de movimentos e organizações sociais. Começamos analisando, fundamentalmente, os chamados movimentos antiglobalização. O eixo é observar, a partir do debate sobre a sociedade pós-industrial, que tipo de transformações se produzem nos sujeitos políticos e nas estruturas de poder com renovadas estratégias graças aos novos elementos tecnológicos.

Vamos ver... eu sou um fanático da internet. Que estratégias estão sendo usadas?

Os autores coincidem em afirmar que na década de 1990 se produziu um novo ciclo de luta. Mas se olharmos a nível local, a luta pelos direitos humanos é um ponto também muito importante no uso das tecnologias digitais para a difusão, a organização das atividades, o desenho gráfico. Hoje, quase todas as organizações sociais têm um grupo dedicado a trabalhar na produção de documentos, imagens, criando uma página na internet, além daquelas que já se dedicam exclusivamente ao ativismo da internet (hackers, etc.). Nós nos focalizamos naquelas organizações que têm um correlato entre a rua e o mundo virtual.

E o que estão encontrando?

Bem, nós trabalhamos com grupos populares (alguns de camponeses, por exemplo) e o que encontramos é que com o tempo áreas de imprensa foram se incorporando aos movimentos sociais. No Fórum Social Mundial se conversou muito sobre este tema, sobre a importância da contra-informação e das possibilidades que a internet oferece para difundir uma mensagem alternativa. Agora estamos mais focalizados no que são os grupos de setores médios. Não é que os setores populares fiquem fora da nova tecnologia: as organizações populares, além dos indivíduos particulares, estão muitíssimo na internet. O fato de que o camponês individual não possa acessar não significa que a organização que o nucleia esteja fora do ciberespaço. Pois bem, nós, como dizia, nos centramos nas organizações compostas por setores médios, cujo acesso à tecnologia é mais fácil.

Mas o que isto tem de particular? Não é que sempre os grupos usam a tecnologia que têm ao seu alcance?

Sim, claro, cedo ou tarde sim. Não sei se é muito diferente. O que se poderia dizer é que há uma incorporação da mensagem audiovisual, graças às possibilidades oferecidas pelas tecnologias atualmente. Como todo o processo de mudança, isso não é imediato. Uma das coisas que produz é uma mudança na noção do espaço e do tempo. A dimensão territorial (muito enraizada em geral nas organizações sociais) está sendo re-significada de maneira mais planetária, de tal maneira que os grupos podem não se sentir isolados, mas saber que há muitos outros que estão fazendo as mesmas coisas em diferentes partes do mundo.

Mas também é verdade que há uma proliferação tão grande que faz com que perca força, não? Porque ao haver milhões de grupos que mandam e mandam coisas, em última instância tudo acaba se convertendo, ou pelo menos parecendo, em spam...

Na realidade, a utilização fundamental é através do correio eletrônico, que é a forma mais simples de difusão. Depois vem a utilização de sítios na internet. Há um aproveitamento, também, das imagens do mundo do mercado, ou seja, utiliza-se em proveito próprio o que vem do mundo da publicidade. O que quero dizer, na verdade, é que depende da gente: é certo que há coisas que vão acabar no spam, mas também o que se espera é que as pessoas se identifiquem com algum desses grupos que mandam coisas e que não lhes pareçam spam. É uma depuração que cada qual vai fazendo com a experiência.

E quem acessa estes sítios?

Bom, há uma seleção natural que tem a ver com a ideologia e a postura que cada um tem. Obviamente, se alguém está nas antípodas de um movimento camponês, ou de um movimento de sem terra, não vai entrar (salvo por curiosidade). O nível de difusão é o mesmo que tem na rua: aqueles que estão interessados nestes temas vão entrar, e o que não, não.

Bom, mas não vejo a diferença com os radicais que se identificavam com a boina branca, ou com o comitê, ou o socialismo com seus ateneus. Sempre houve uma espécie de roseta que identifica os grupos. Qual é a mudança qualitativa proporcionada pelas novas tecnologias?
Eu não creio que haja uma mudança de concepção na utilização das ferramentas. O que mudou radicalmente são as próprias ferramentas. Creio que os recursos se multiplicaram muito e essa é a grande mudança. Além disso, como dizia, há uma grande apropriação de estratégias próprias do mercado.

A internet é uma mercadoria?

Não, não. Me referia neste caso às estratégias da publicidade e do marketing. Muitos grupos, por exemplo, utilizam este tipo de estratégias para desenhar seus cartazes, para produzir um impacto visual. Há uma consciência de que com o texto não se chega aos destinatários e que é preciso incorporar formas simbólicas para transmitir a mensagem, formas que têm a ver mais com a estética, com a imagem, etc.

Eu tenho a sensação de que isso sempre foi um pouco assim. Todos os partidos, por exemplo, tinham um jornal. A internet, em todo o caso, permite uma difusão muitíssimo mais planetária.

Sim, é uma difusão rápida e múltipla. Mas eu, além disso, creio que existe uma mudança. Você está pensando em partidos políticos, mas eu estou falando de movimentos sociais de alcance muito menor, desde associações de camponeses até grupos de setores médios que defendem a democratização do conhecimento (o software livre e todas essas coisas).

...

Este movimento também é cada vez mais importante e coloca em dúvida um dos temas fundamentais do capitalismo: o da propriedade privada intelectual.

Sim, à primeira vista, parece que há algo disso.

Eu creio que as novas tecnologias não estão sendo utilizadas unicamente para a propaganda, mas também para questionar alguns embasamentos fundamentais do capitalismo. Há uma consciência de que existe um poder internacional a ser enfrentado. É verdade que sempre houve bandeiras, identificações, etc. Mas o que eu sinto é que isto é cada vez mais forte e que, além disso, é potencializado pela capacidade de trabalhar em redes. Outra coisa que a internet possibilita é difundir as atividades a um custo muito mais baixo. Além disso, há um forte questionamento da verticalidade nas organizações.

Antes do capitalismo também havia a profissão livre ou pelo menos algo parecido. Um menestrel medieval, por exemplo, não fazia a menor ideia do que era a propriedade intelectual. Em certa medida, estamos retomando algumas coisas da livre circulação medieval.

É um pouco arriscado comparar a internet com o menestrel que ia cantando de povoado em povoado.

Bem, eu sou um ginete, e você sabe, às vezes é preciso arriscar...

Creio que o que acontece é que, definitivamente, a internet serve para colocar em questão muitos dos pilares do capitalismo (com o que, definitivamente, nem todo o mundo discorda, mas apenas um setor da sociedade).

É certo que atualmente pode-se baixar praticamente tudo da internet. Por mais que as coisas tenham propriedade intelectual, se forem postadas por algum particular, é muito difícil penalizá-lo por isso. Em certa medida, se converteu em um crime incapaz de ser controlado, como aconteceu com as fotocópias.

Claro, é proibido fotocopiar livros completos, coisa que se faz todo o tempo.

E esses são processos irreversíveis, não? Onde vão parar?

Creio que efetivamente é cada vez menos possível controlar os milhões e milhões de conteúdos que circulam pela internet. Há um outro problema aduzido por aqueles que ainda têm um pouco de medo da internet, que tem a ver com a diversidade de qualidades da informação que existe. Mas, definitivamente, sempre houve diferentes qualidades de informação e alguém podia acessar uma informação totalmente falsa por outras vias. Está havendo muitos processos, sobretudo da parte da indústria discográfica.

Me parece que a internet é um pouco contraditória. Por um lado, tem essa coisa da apropriação livre. Por outro lado, a oferta é tão grande que a gente se perde, sem saber o que baixar. Creio que em certa medida isso deve acontecer com os movimentos que você estuda. Atualmente, é tão fácil criar um movimento que é muito possível que acabe fazendo movimentos puramente virtuais, que somente têm uma página na internet.

Certamente isso acontece, mas nós trabalhamos com os grupos que têm experiência na rua.

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