quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Renato Balbim e Rafael Pereira

O princípio do ‘não transporte’

O "não transporte" não se restringe a uma bandeira de luta pela redução e racionalização do uso dos meios de transporte motorizados, mas, sobretudo, constitui tese ligada ao esforço de se refundar a ideia de cidade, reforçar sua escala humana na ótica do pedestre. A opinião é de Renato Balbim, coordenador do Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais do Ministério das Cidades (2005 a 2009) e atualmente é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea e Rafael Pereira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea em artigo na revista Desafios/Agosto 2009.
Fonte: UNISINOS






O princípio do "não transporte", além de propor o uso racional do solo urbano, visa combater a degradação das cidades e das relações sociais em função da priorização e do uso indiscriminado do transporte motorizado. No Brasil, organizações como a ANTP, alguns acadêmicos e formuladores de políticas são defensores deste princípio. Ademais, a sanção da Lei 10.048/2000 e do decreto 5.296/2004 constituem importantes avanços do marco legal da mobilidade urbana ao abordarem a questão da acessibilidade universal, incluindo a perspectiva das pessoas com dificuldades de locomoção e dos pedestres, valorizando modos não motorizados de mobilidade.

O uso indiscriminado do transporte motorizado individual gera graves impactos ambientais (poluições diversas, distorção na adaptação do uso do solo ao modo de transporte e não ao ser humano transportado), econômicos (deseconomias ligadas ao trânsito e aos congestionamentos) e sociais (individualismo, estresse, violência no trânsito, etc).

Nesse sentido, o "não transporte" não se restringe a uma bandeira de luta pela redução e racionalização do uso dos meios de transporte motorizados, mas, sobretudo, constitui tese ligada ao esforço de se refundar a ideia de cidade, reforçar sua escala humana na ótica do pedestre, dos deslocamentos possíveis de serem realizados por meio de caminhadas e das interações humanas no cotidiano.

Nos anos recentes, houve um aumento significativo do número de automóveis particulares que, em 10 anos passou de 24 milhões para 56 milhões de veículos (Denatran). Isso é resultado, dentre outros fatores, do aquecimento da economia, do aumento da taxa de empregos, do acesso ao crédito, de incentivos fiscais ao setor automobilístico, da precarização do transporte público, do crescente medo da violência urbana e de investimentos públicos prioritários no sistema viário.

A conjunção desses fatores reforça o colapso vivenciado nos sistemas de transporte e, por conseguinte, das próprias condições de habitabilidade das cidades brasileiras, situação demonstrada, pela pesquisa sobre as deseconomias do transporte urbano, realizada pelo Ipea, em parceria com a ANTP.

Pouco se diz, entretanto, dos custos relativos a cada modo de deslocamento e seus impactos na configuração das cidades, na organização do espaço, nas possibilidades ou restrições das interações sociais, na segregação socioespacial ou na fragmentação do território. Qual a efetiva repercussão da opção pelo transporte motorizado individual no território das cidades e em seu cotidiano? O percentual de área destinado ao sistema viário pode ser um exemplo de como se prioriza o meio de transporte e não seu usuário. Em São Paulo, esse valor pode ultrapassar os 40%.

As cidades têm nas centralidades urbanas o seu lócus privilegiado da mobilidade e do contato humano. Devido ao uso misto, que diferencia as áreas centrais dos bairros funcionais em seu entorno, bem como em decorrência de aspectos históricos e de identidade, os centros de cidades reúnem fluxos de diversas ordens, pessoas de todos os cantos da cidade, com diversas rendas etc.

Ao modelo de ocupação de áreas periféricas, condomínios fechados, loteamento irregulares, todos possibilitados pelo automóvel, soma-se o abandono das centralidades e de seus padrões de consumo e sociabilização ligados à lógica do espaço público, da rua, das calçadas, do pedestre.

Nesse contexto, o "não transporte" deve ser entendido também como política que busca o cumprimento da função social da propriedade e da cidade, especificamente o uso de imóveis vazios em áreas centrais. Segundo dados do Ministério das Cidades, no ano de 2007 existiam no Brasil 7 milhões de domicílios vagos em condições de uso, sendo 1,8 milhão localizados em áreas metropolitanas, números similares ao déficit habitacional total e ao déficit metropolitano. Na média 10% dos domicílios metropolitanos estão vazios, número que pode ultrapassar os 30% no centro do Rio de Janeiro e Recife.

A tese do "não transporte" colabora para repensar, portanto, o padrão de ocupação e aproveitamento do solo urbano. Segundo estudo de Luiz Kohara (USP), 50% dos moradores de cortiços no centro de São Paulo vão ao trabalho a pé. Do total de trabalhadores moradores de cortiços, 80% gastam menos de 30 minutos no deslocamento, não importando o modo utilizado. A moradia em cortiços constitui estratégia individual de sobrevivência e expressa a lógica de proximidade subjacente ao "não-transporte".

Ainda que políticas públicas em transporte e trânsito sejam essenciais, a adoção exclusiva desse tipo de medida não consegue ser suficiente para promover um padrão de mobilidade mais justo e eficiente. Torna-se necessário conjugar esforços, repensar o padrão de ocupação e aproveitamento do solo urbano por meio de incentivos fiscais e restrições urbanas que viabilizem e tornem rentáveis a reabilitação e destinação de imóveis vazios, que otimize o uso das infraestruturas já existentes e promova o adensamento, repovoando os centros e destinando a cidade para todos.


Os autores deveriam defender também o retorno das redes ferroviárias que penso ser um sistema de transporte público eficiente, rápido e de baixo custo!
Enoisa


Projeto Excelências


Clique na imagem e leia as crônicas do professor Fonseca Neto no portal Acessepiauí

Este é um espaço para crítica social, destinado a contribuir para a transformação do Estado do Piauí (Brasil).

Livro

Livro
A autora, Grace Olsson, colheu dados e fotos sobre a situação das crianças refugiadas na África. Os recursos obtidos com a venda do livro possibilitará a continuação do trabalho da Grace com crianças africanas. Mais informações pelo e-mail: graceolsson@editoranovitas.com.br

Frei Tito memorial on-line

Frei Tito memorial on-line
O Memorial Virtual Frei Tito é um espaço dedicado a um dos maiores símbolos da luta pelos direitos humanos e pela democracia na América Latina e Caribe. Cearense, filho, irmão, frade, ativista, preso político, torturado, exilado, mártir... Conhecer a história de Frei Tito é fundamental para entender as lutas políticas e sociais travadas nos últimos 40 anos contra a tirania de regimes ditatoriais. Neste hotsite colocamos à disposição documentos, fotos, testemunhos, textos e outras informações sobre a vida de Tito de Alencar Lima, frade dominicano que colaborou com a luta armada durante a ditadura militar no Brasil.

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais de diversos Estados do Brasil ocupam mais um latifúndio: o do conhecimento. Dar continuidade às conquistas no campo da educação é o objetivo da Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST, que pretende recolher livros para as bibliotecas dos Centros de Formação. Veja como participar clicando na figura.

Fórum Social Mundial

Fórum Social Mundial
O Fórum Social Mundial (FSM) é um espaço aberto de encontro – plural, diversificado, não-governamental e não-partidário –, que estimula de forma descentralizada o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação entre organizações e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mais solidário, democrático e justo. Em 2009, o Fórum acontecerá entre os dias 27 de janeiro a 1° de fevereiro, em Bélem, Pará. Para saber mais, clicar na figura.

Fórum Mundial de Teologia e Libertação

Fórum Mundial de Teologia e Libertação
É um espaço de encontro para reflexão teológica tendo em vista contribuir para a construção de uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por perspectivas de libertação, paz e justiça. O FMTL se reconhece como resultado do movimento ecumênico e do diálogo das diferentes teologias contemporâneas identificadas com processos de transformação da sociedade. Acontecerá entre os dias 21 a 25 de janeiro em Bélem, Pará, e discutirá o tema "Água - Terra - Teologia para outro Mundo possível". Mais informações, clicar na figura.

IBASE

IBASE
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) foi criado em 1981. O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, é um dos fundadores da Instituição que não possui fins lucrativos e nem vinculação religiosa e partidária. Sua missão é de aprofundar a democracia, seguindo os princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade. Aposta na construção de uma cultura democrática de direitos, no fortalecimento do tecido associativo e no monitoramento e influência sobre políticas públicas. Para entrar no site do Ibase, clicar na figura.

Celso Furtado

Celso Furtado
Foi lançado no circuito comercial o DVD do documentário "O longo amanhecer - cinebiografia de Celso Furtado", de José Mariani. Para saber mais, clicar na figura.

O malabarismo dos camaleões

O malabarismo dos camaleões
Estranha metamorfose: os economistas e jornalistas que defenderam, durante décadas, as supostas qualidades do mercado, agora camuflam suas posições. Ou — pior — viram a casaca e, para não perder terreno, fingem esquecer de tudo o que sempre disseram. Para ler, clicar na figura.

A opção pelo não-mercantil

A opção pelo não-mercantil
A expansão dos serviços públicos gratuitos pode ser uma grande saída, num momento de recessão generalizada e desemprego. Mas para tanto, é preciso vencer preconceitos, rever teorias e demonstrar que a economia não-mercantil não depende da produção capitalista. Para ler, clicar na figura.