sábado, 5 de setembro de 2009

Marcelo Percia

Não há desejo sem angústia

“O amor, a amizade, a comunidade, quando escapam da loucura dos proprietários, compõem cumplicidades anticapitalistas”, avalia Marcelo Percia, psicanalista argentino, no texto “A angústia como afeição anticapitalista”, do qual foi extraído o fragmento a seguir, publicado no jornal argentino Página/12, 04-09-2009. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS



Enquanto a palavra “angústia” é empregada para expressar diferentes sentimentos infelizes, o termo “capitalismo” é substituído por outras que escondem as relações sociais de exploração e desigualdade. Confunde-se angústia com ansiedade, tristeza, frustração, nostalgia, temor, e se opta por qualificar como sociedade, mercado, sistema, realidade, mundo, o que deveria ser chamado de capitalismo. A angústia, eleita como representante de todas as tristezas, perde seu potencial emancipador, e as pessoas que evitam nomear o capitalismo ocultam a injustiça histórica do presente infeliz.

Freud retoma teorias que pensam o amor como conjuro contra a angústia. Sugere que amamos o outro em quem encontramos o que gostaríamos de ter ou alguém que sentimos que nos ama assim como nos iludimos ser. O amor se apresenta como um ideal protetor, uma habilidade imaginária, um rodeio sutil, através do outro, para recuperar a desejada segurança perdida. Escreve Cesare Pavese em seu diário, em 25 de março de 1950: “Não nos matamos por amor a uma mulher. Nos matamos porque um amor, qualquer amor, nos revela em nossa nudez, miséria, nada”. Pavese pensa que o suicídio por amor é um ato desesperado daqueles que não suportam viver a solidão, sem roupagens.

O amor freudiano é loucura possessiva. Mesmo que não se possa prender o outro, o desejo de tê-lo aprisionado e decifrado é uma obsessão da civilização amorosa. O enunciado que diz que o outro não é apropriável é uma premissa ética, mas também é uma condição do desejo e do erotismo. Ama-se o inatingível, mesmo que o amor delire nos abraços.

O amor deseja a posse impossível do outro. Os amantes querem segurança: a presença do amado para sempre. Quando o amante declara que tem pressa para suprimir essa distância que lhe dói, esquece que essa posse recusada é a própria condição de seu furor. O amor é desejo que se acende mais e mais com a evidência do inalcançável.

Merleau-Ponty chama a atenção para esta ambiguidade do amor: observa que, quando o narrador de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, se pergunta se ama de verdade a Albertine, não pode se decidir: como sente que a deseja quando ela se afasta, infere que não a ama, mas quando ela morre, diante da evidência dessa distância sem retorno, se dá conta de que necessita dela e confirma que a ama. Merleau-Ponty se pergunta: “Se Albertine fosse devolvida a ele, continuaria amando-a?”. Nunca saberemos, responde, se o narrador quer a Albertine ou ama a possibilidade de perdê-la; se ama essa mulher ou enlouquece invejosamente quando sentir que a morte a arrebata dele.

O amor, que costuma afastar uma teia de aranha, pode ser também o vazio em que duas solidões, que se sabem irremediavelmente sozinhas, se aproximam sem esperar completar nada. O amor é felicidade, mas, livre da experiência da angústia, é careta congelada de uma posse sem vida.

O amor, a amizade, a comunidade, quando escapam da loucura dos proprietários, compõem cumplicidades anticapitalistas.

Melancolia

A melancolia é desenfreio de uma posse enlouquecida. Uma imagem freudiana a descreve como movimento em que “a sombra do objeto cai sobre o eu”. Para Freud, é um protesto desaforado diante do qual se vive como um injusto despojo. A melancolia é uma revolta contra a morte, a doença, a velhice e o controle impossível de um semelhante. A sombra do objeto que cai sobre o eu é o obscuro retorno, sobre a primeira pessoa do singular, da própria ilusão projetada. A volta sobre si de um poder murcho.

O amor freudiano é uma transação: adquirimos, através do outro, uma garantia emocional, um valor de nós mesmos. Importa que o escolhido não contradiga o engano ou que simule ser o que necessitamos. Quando se ama, não se sabe o que fazer com esse amor: “Te quero ter, só minha, não me deixes nunca, vamos ficar assim por toda a vida”. À paixão custa imaginar uma declaração não possessiva.

A melancolia é tirania do amor: não quer admitir que a pessoa amada não seja uma marionete obrigada a dar-nos felicidade. A melancolia é persistência dessa ilusão caída e tem resistência a um novo amor porque não quer enfrentar outro desastre.

Sai-se da melancolia através de uma dor, mas dor não quer dizer tristeza raciocinada ou despedida dolorida pelo amor perdido: dor significa onipotência resignada.

A posse sem limites é a secreta aspiração da melancolia. Os corpos angustiados de nossa cultura aprendem a acalmar-se (e não sabem disso) tendo algo: brinquedos, pessoas, dinheiro, objetos, bens, talento, prestígio. A apropriação é praticamente o único remédio oferecido à subjetividade que, assustada, não imagina outras formas de felicidade. O capitalismo fabrica vidas possuídas. Os possuídos, entretanto, não se sentem infectados por esse poder, mas sujeitos livres. Os inúmeros pobres e excluídos, restos sociais que quase não contam, são chamados de despossuídos.

A melancolia é certeza obstinada: acredita ter-se adonado daquilo que nunca teve. A melancolia apresenta um fantasma, confunde a morte inevitável com a traição.

A angústia é o infinitivo da vida humana: é silêncio e solidão. Não há desejo sem a invenção desse vazio. O desejo não busca a posse, mas o buscar. O desejo é uma forma impessoal sem compromissos com uma meta antecipada. O desejo também não se possui, se dá ou se aloja, provisoriamente, em sua passagem para o outro. O desejo é inconformidade.

Projeto Excelências


Clique na imagem e leia as crônicas do professor Fonseca Neto no portal Acessepiauí

Este é um espaço para crítica social, destinado a contribuir para a transformação do Estado do Piauí (Brasil).

Livro

Livro
A autora, Grace Olsson, colheu dados e fotos sobre a situação das crianças refugiadas na África. Os recursos obtidos com a venda do livro possibilitará a continuação do trabalho da Grace com crianças africanas. Mais informações pelo e-mail: graceolsson@editoranovitas.com.br

Frei Tito memorial on-line

Frei Tito memorial on-line
O Memorial Virtual Frei Tito é um espaço dedicado a um dos maiores símbolos da luta pelos direitos humanos e pela democracia na América Latina e Caribe. Cearense, filho, irmão, frade, ativista, preso político, torturado, exilado, mártir... Conhecer a história de Frei Tito é fundamental para entender as lutas políticas e sociais travadas nos últimos 40 anos contra a tirania de regimes ditatoriais. Neste hotsite colocamos à disposição documentos, fotos, testemunhos, textos e outras informações sobre a vida de Tito de Alencar Lima, frade dominicano que colaborou com a luta armada durante a ditadura militar no Brasil.

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST

Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais de diversos Estados do Brasil ocupam mais um latifúndio: o do conhecimento. Dar continuidade às conquistas no campo da educação é o objetivo da Campanha Nacional de Solidariedade às Bibliotecas do MST, que pretende recolher livros para as bibliotecas dos Centros de Formação. Veja como participar clicando na figura.

Fórum Social Mundial

Fórum Social Mundial
O Fórum Social Mundial (FSM) é um espaço aberto de encontro – plural, diversificado, não-governamental e não-partidário –, que estimula de forma descentralizada o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação entre organizações e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mais solidário, democrático e justo. Em 2009, o Fórum acontecerá entre os dias 27 de janeiro a 1° de fevereiro, em Bélem, Pará. Para saber mais, clicar na figura.

Fórum Mundial de Teologia e Libertação

Fórum Mundial de Teologia e Libertação
É um espaço de encontro para reflexão teológica tendo em vista contribuir para a construção de uma rede mundial de teologias contextuais marcadas por perspectivas de libertação, paz e justiça. O FMTL se reconhece como resultado do movimento ecumênico e do diálogo das diferentes teologias contemporâneas identificadas com processos de transformação da sociedade. Acontecerá entre os dias 21 a 25 de janeiro em Bélem, Pará, e discutirá o tema "Água - Terra - Teologia para outro Mundo possível". Mais informações, clicar na figura.

IBASE

IBASE
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) foi criado em 1981. O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, é um dos fundadores da Instituição que não possui fins lucrativos e nem vinculação religiosa e partidária. Sua missão é de aprofundar a democracia, seguindo os princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade. Aposta na construção de uma cultura democrática de direitos, no fortalecimento do tecido associativo e no monitoramento e influência sobre políticas públicas. Para entrar no site do Ibase, clicar na figura.

Celso Furtado

Celso Furtado
Foi lançado no circuito comercial o DVD do documentário "O longo amanhecer - cinebiografia de Celso Furtado", de José Mariani. Para saber mais, clicar na figura.

O malabarismo dos camaleões

O malabarismo dos camaleões
Estranha metamorfose: os economistas e jornalistas que defenderam, durante décadas, as supostas qualidades do mercado, agora camuflam suas posições. Ou — pior — viram a casaca e, para não perder terreno, fingem esquecer de tudo o que sempre disseram. Para ler, clicar na figura.

A opção pelo não-mercantil

A opção pelo não-mercantil
A expansão dos serviços públicos gratuitos pode ser uma grande saída, num momento de recessão generalizada e desemprego. Mas para tanto, é preciso vencer preconceitos, rever teorias e demonstrar que a economia não-mercantil não depende da produção capitalista. Para ler, clicar na figura.