sexta-feira, 1 de maio de 2009

Chiara Saraceno

O consumo responsável em tempos de crise

Podemos ver hoje aonde fomos parar com a austeridade dos anos 70. Passado o medo, seguiu-se a era do consumismo mais exibido, mais arrogante e vulgar. Mudam-se os hábitos, sem necessariamente se reduzir o padrão de vida, mas dando mais atenção à qualidade. Está se afirmando um novo estilo de vida que não demoniza as conquistas, mas observa-as à distância certa. A análise é da socióloga italiana Chiara Saraceno, publicada no jornal La Repubblica, 28-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


Diversos indicadores demonstram que a crise econômica, a que chegou diretamente ou mesmo a que tememos, produziu, nos orçamentos familiares, uma sensível redução dos consumos primários. Isso se refere às famílias e aos indivíduos que têm pouca margem de manobra, porque não foram capazes de economizar e/ou porque não podem contar com fontes de renda alternativas. Para essas pessoas e famílias, mais do que sobriedade, é mais correto falar de restrições e dificuldades.

Sobriedade, de fato, se refere ao estilo, mais do que à quantidade de consumo e, mais geralmente, a um estilo de comportamento. Não é nem automaticamente comparável à austeridade evocada durante a crise petrolífera dos anos 70, quando parecia que as condições de bem-estar para todos haviam sido enfraquecidas, por causa do aumento do custo de uma matéria-prima essencial e do seu possível racionamento por parte dos proprietários, em grande parte externos ao mundo desenvolvido. O convite à austeridade era um convite a reduzir o consumo apenas. E vimos como isso terminou: passado o medo, seguiu-se a era do consumismo mais exibido, mais arrogante, ainda mais vulgar

Hoje, o estímulo à sobriedade vem do espetáculo da redução improvisada, e desigual, das condições de vida de grupos sociais inteiros por obra de mecanismos internos: de um certo tipo de capitalismo e de mercado sem regras, que revelaram seus próprios efeitos desastrosos no plano social, e das desigualdades, também aos olhos dos não especialistas.

Frente ao risco de empobrecimento de grupos sociais inteiros, é o mesmo modelo de enriquecimento que é colocado em discussão, e alguns comportamentos parecem moralmente intoleráveis, além de serem de mau gosto. E mesmo quem se sente protegido pode ser induzido a modificar o próprio estilo de vida, em direção a um consumo menos vistoso, menos ofensivo para quem não se pode permitir, mas também mais consciente, mais atento à relação entre qualidade e preço, para evitar os desperdícios. Sem necessariamente reduzir o próprio padrão de vida e sentindo-se também virtuosos.

Assim, buscamos os lugares em que podemos comprar detergentes na quantidade desejada, em que massas e arroz de boa qualidade são adquiridos a granel, como quando eu era menina – economizando, com benefícios também para o ambiente. Entramos em um grupo de aquisição para ter produtos qualitativamente melhores ao menor preço. E aderimos à palavra de ordem dos produtos "a quilômetro zero" [de produção local], que reduz os custos dos intermediários e valoriza os produtos locais.

Vamos menos ao restaurante, mas fazemos mais convites em casa. Buscamos explicar aos próprios filhos que não é preciso sair sempre com roupas de marca, da cabeça aos pés, e que se não tivermos os último modelo de (horríveis) tênis, sobreviveremos muito bem da mesma forma. E também não é estritamente necessário possuir o dispositivo mais ou menos tecnológico. Aumentam assim, provavelmente – ou mudam de registro –, as negociações intrafamiliares, alargando, potencialmente, mas não se diz, o espaço para reflexões sobre prioridades e valores.

Também, sem hipotetizar maliciosamente que, como para a austeridade, essa atitude durará só durante o tempo da crise, não sedimentando nos comportamentos e modos de ser e fazer mais estáveis, não se podem esconder alguns efeitos paradoxais. Em primeiro lugar, justamente porque a sobriedade no consumo, entendida como não desperdício e atenção à qualidade mais do que à visibilidade, é uma atitude que se refere a quem não é obrigado pela necessidade, ela corre o risco de criar formas novas e mais sutis de divisão social. Há quem pode se contentar só com submarcas e com descontos de qualidade incerta, e quem tem os recursos culturais, de tempo, de informação para procurar o grupo de aquisição mais satisfatório e que pode se permitir poucos utensílios de boa qualidade.

O desperdício vistoso pode ser substituído pelo exagero, que marca uma distinção social ainda mais forte – como sempre houve, além do mais.

Em segundo lugar, a redução do consumo por parte de quem poderia se permitir pode ter um efeito negativo sobre aqueles que, pelo contrário, devem reduzi-lo porque não podem se permitir: reduzindo a demanda de bens e, por isso, também do trabalho de quem produz esses bens. Por isso, diferentemente da época da austeridade, nenhum político e nenhum movimento fez da sobriedade um convite ou uma palavra de ordem.

Talvez, o melhor resultado poderia ser conquistado no plano dos comportamentos públicos: mais sobriedade nas declarações, nas promessas e nas acusações dos políticos, mas também nas expectativas salvíficas com relação aos poderosos de plantão.

Mais sobriedade e também modéstia por parte dos vários especialistas e instituições nacionais e internacionais que não deram uma brilhante prova de previsibilidade e capacidade de controle. Mais sobriedade nos personagens do espetáculo e nos vários reality shows e programas de televisão. Se não me equivoco, foram os terremotos de Áquila que revelaram como foram ofensivos os "sofrimentos" dos protagonistas de não sei qual reality show frente às suas concretíssimas tendas cotidianamente alagadas e à sua vida devastada.

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