sábado, 9 de maio de 2009

Emir Sader

O indissolúvel nexo entre teoria e prática no marxismo

No segundo texto da série "Marxismo e Século XXI", Emir Sader trata das relações entre teoria e prática no contexto da obra e do legado de Marx.
Fonte: Agência Carta Maior







“Não se pode separar mecanicamente as questões políticas das questões de organização”.

(Lênin, Discurso de encerramento do 11° Congresso do Partido Comunista da Rússia, citado por Lukacs no encabeçamento do seu ensaio “Notas metodológicas sobre as questões de organização”, em “História e consciência de classe”)

O marxismo foi concebido como teoria transformadora da realidade. Por essa razão, suas primeiras grandes expressões – Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, Gramsci, – foram, ao mesmo tempo, indissoluvelmente, teóricos e dirigentes revolucionários. Suas analises e denúncias estavam comprometidas com captar o nervo do real com suas contradições como motores da realidade, para poder compreendê-la na sua dinâmica e decifrar suas alternativas. Seu trabalho teórico estava intrinsecamente comprometido com projetos de transformação concreta e radical da realidade. Daí essa identidade indissolúvel entre trabalho teórico e direção política revolucionária, prática intelectual e trabalho partidário, as fronteiras entre suas atividades como teóricos e como dirigentes revolucionários eram tênues, a ponto que a primeira sistematização da idéia do comunismo – o Manifesto Comunista – foi encomendada politicamente e serviu como documento básico do primeiro partido internacional dos trabalhadores.

A partir do fenômeno que Perry Anderson chamou de “marxismo ocidental” (Nota: in Anderson, Perry, Afinidades seletivas, Boitempo Editorial), - resultado da combinação negativa da stalinização dos partidos comunistas e da repressão fascista - passou a haver uma ruptura entre teoria e prática, retornando, agora sobre o marxismo, a imagem do intelectual desvinculado da prática política, com a correspondente autonomização do discurso teórico. As estruturas partidárias, hegemonizadas pelo stalinismo, bloqueavam elaborações e debates teóricos e políticos alternativos, fazendo com que se produzisse uma nova figura no marxismo: o intelectual desvinculado da prática política. Seu correlato foi a prática política partidária desvinculada da elaboração teórica.

Inevitavelmente a analise e a denúncia passaram a predominar sobre as propostas, as alternativas. Houve um deslocamento dos temas, mas também um deslocamento a favor da teoria desvinculada da prática política. Prática política sem teoria, teoria sem prática – os dois problemas passaram a pesar comum um carma sobre o marxismo e a esquerda. A prática política da esquerda tendeu ao realismo, ao possibilismo, ao abandono da estratégia, enquanto a teoria marxista tendeu ao intelectualismo, a visões especulativas, de simples denúncia, de polêmicas ideológicas em torno os princípios, sem desdobramentos práticos.

Nas décadas mais importantes até aqui da sua trajetória – dos anos 20 do século passado em diante -, a esquerda não pôde contar com a articulação entre seus melhores intelectuais para elaborações que contribuíssem diretamente para enriquecer sua prática política e, ao mesmo tempo, um período de extraordinária riqueza na elaboração teórica do marxismo, não esteve diretamente articulada com a prática, enriquecida por ela e apontando temas e relações concretas de força.

A afirmação de Lênin que encabeça este artigo remete exatamente a isso: não existe um momento de elaboração teórica e depois um momento de aplicação concreta das conclusões teóricas. O marxismo articula intrinsecamente a política e as questões de organização, como uma das expressões da articulação entre teoria e prática. Uma analise marxista que não se articule com projetos de transformação revolucionária, castra o marxismo da sua diferença específica em relação a todas as outras teorias. Um intelectual que se diz marxista e não articula seu pensamento com a prática político-partidária, não assume o marxismo como pensamento dialético, como motor da prática política concreta. Corre todos os riscos de autonomizar a teoria, de desprezar as relações de força políticas, de não captar os movimentos reais da história. Foi o que afetou o marxismo ocidental, que não pôde aliar a imensa criatividade teórica dos autores que podem ser incorporados nessa categoria, à transformação dessa teoria em força material, pela penetração nas massas – conforme a afirmação de Marx. Perdeu a teoria sua dimensão transformadora, perdeu a prática política a imensa capacidade analítica da teoria.

Esse descolamento é politicamente grave, sendo responsável por um forte e reiterado sentimento de parte dos intelectuais, que se reivindicam legítimos representantes da teoria, que pretendem expressar em estado puro, que tem razão contra o abastardamento da política. (O próprio Lukacs expressou isso de forma consciente no novo prefácio de História e consciência de classe, quando confessa que sentia que sempre tinha tido razão e sempre tinha perdido politicamente, deduzindo que devia afastar-se da política.) Que, na realidade, entre a teoria e a realidade – sempre heterodoxa – ficam com a teoria e se isolam da prática, dos caminhos reais da história concreta.

Essa distância se torna ainda mais grave quando o mundo vive situações inéditas – hegemonia capitalista e imperial global, junto a exibição clara de suas debilidades e de retrocesso dos chamados fatores subjetivos da construção de alternativas anticapitalistas -, em que a reflexão teórica articulada com a prática política se torna ainda mais indispensável. O refúgio de setores da intelectualidade na denuncia de capitulações políticas, sem capacidade de propor alternativas, e a trajetória empírica, de adaptação correlações de força desfavoráveis por parte de forças políticas, constitui um quadro negativo, desfavorável à construção de soluções superadoras da enorme crise hegemônica que vivem nossos países e o mundo globalizado.

O exemplo dramático da Venezuela é muito significativo, em que um processo político inovador, corajoso, se choca com a oposição frontal de quase que a totalidade da intelectualidade universitária. Enquanto esta se divide entre um denuncismo de esquerda, sem ingerência política e capacidade propositiva alternativa, o processo político ressente de uma capacidade reflexiva vinculada á sua prática para contribuir a encarar seus dilemas e a definir seu futuro.

Mas o fenômeno se estende, de maneira mais ou menos similar, a todo o continente. Um brilhante pensamento critico não costuma estar acoplado à prática política, enquanto forças políticas novas tem dificuldades para encarar os novos desafios políticos, em suas dimensões teóricas. Se trata de valorizar a reflexão teórica, acoplada organicamente à prática política, e de enriquecer a prática política, iluminada pela reflexão teórica. Exemplos da articulação entre capacidade de elaboração teórica e de direção política fora, na América Latina, o chileno Luis Emilio Recabarren, o cubano Julio Antonio Mella, o peruano José Carlos Mariategui e, mais recentemente, o brasileiro Ruy Mauro Marini e o boliviano Alvaro Garcia Linera – demonstrando a factibilidade dessa articulação e de como ela fertiliza tanto a criação teórica, quanto a prática política.

A imagem do marxista universitário, desvinculado da prática política é uma contradição em termos, uma incoerência, da mesma forma que dirigentes políticos marxistas que não sejam ao mesmo tempo intelectuais revolucionários. O ponto de vista do marxismo é um ponto de vista de partido, desde um partido, desde a acumulação de forças para um objetivo estratégico, programático. Não se trata defender a teoria como cânone teórico intocável, mas de resgatar o marxismo como metodologia – sua única dimensão ortodoxa, segundo Lukacs -, de crítica e de superação da realidade existente.

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