domingo, 24 de maio de 2009

Luiz Alberto Gómez de Souza

A doutrina cristã e a consciência histórica de hoje.

Artigo de Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo, ex-funcionário das Nações Unidas (CEPAL e FAO), diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, é autor do livro Uma Fé exigente, Uma Política Realista, Rio de Janeiro: Educam, 2008.
Fonte: UNISINOS




Frequentemente vemos confundir doutrina – prescrições feitas num tempo dado – com o núcleo duro da Fé, que são os dogmas, bem menor do que se crê. O teólogo Newman, convertido ao catolicismo, feito cardeal por Leão XIII para mostrar distância de seu antecessor Pio IX que não o tolerava, escreveu, em 1845, um alentado livro sobre o desenvolvimento da doutrina no tempo. Ela permanentemente deve adequar-se às mudanças na consciência histórica de uma época. Se não o fizer, fica defasada e não corresponde às demandas dos fiéis. É o aggiornamento, posta em dia, a que se referiu João XXIII. Bento XVI acaba de lançar um livro, Elogio da consciência, com seus textos dos tempos de teólogo e ali alude a Newman, ao qual várias vezes tem declarado admirar. E cita o teólogo inglês, que escreveu que se devesse brindar, o faria primeiro à consciência e apenas depois ao papa. Só que Ratzinger, numa interpretação restritiva e paradoxal, considera que o papa é o responsável quase exclusivo pela memória e pela consciência cristãs.

Voltando a Newman, em célebre artigo para a revista The Rambler, (julho de 1859) indicou que, no século IV, a maioria dos bispos era ariana – negando a divindade de Jesus – e o próprio papa Libério parecia inclinar-se nessa direção. A ortodoxia foi salva pelo “consenso dos fiéis” (e pela reflexão dos teólogos, completaria mais tarde o Pe. Congar). Se isso aconteceu diante de um dogma tão central na Igreja, muito mais certo será quando se tratar de preceitos doutrinários ou disciplinares que tem de ser revistos quando mudam os tempos. Deixar de fazê-lo é ficar para trás e não responder às novas sensibilidades e às exigências emergentes. Não se trata de oportunismo, mas de estar à escuta dos “sinais dos tempos”.

Quando Leão XIII, em 1891, referindo-se ao que se chamaria depois a doutrina social, falou de “coisas novas” (Rerum Novarum) , elas o eram no mundo católico. Entretanto o leigo Ozanam, em 1848, quase meio século atrás, ano do Manifesto Comunista, profeticamente lançara seu “passemos aos bárbaros”, isto é, a classe operária e a democracia, sem ter sido levado em conta pelo magistério. Tratava-se porém de um tema antigo para um socialista francês, cujo pai lutara na comuna de Paris, o avô estivera nas barricadas de 1848 e o bisavô nas lutas sociais de 1830.

Durante o Vaticano II, João XXIII retirou da pauta o tema da reprodução e nomeou uma comissão para estudar o assunto. Paulo VI a ampliou para mais de sessenta membros, incluindo mulheres e um casal. A maioria, contra apenas três, foi favorável ao uso amplo de anticoncepcionais. O papa, depois de muitas dúvidas e sofrimento (papa hamletiano, como o chamaram), ficou com a minoria, onde se encontrava o cardeal Otaviani, para não contradizer o que dissera Pio XI na Casti Connubii nos anos trinta. Como se hoje tivéssemos de obedecer aos anátemas do Syllabus de Pio IX contra as liberdades modernas e contra a democracia. Ou manter o furor antimodernista dos tempos de Pio X, posto de lado logo depois por Bento XV. As conseqüências da Humanae Vitae de 1968 são negativas até hoje.

Em nossos dias, há um consenso crescente na sociedade e entre os fiéis, em sua prática cotidiana, em temas de sexualidade e de reprodução, não levando em conta uma doutrina oficial cada dia menos seguida. Também em voz baixa, mas de maneira crescente, sacerdotes e mesmo bispos se insurgem contra o celibato obrigatório, fonte de tantas deformações, como nos Estados Unidos e agora indicado em recente relatório na Irlanda. Além disso, frente à escassez de sacerdotes e diante de uma exigência de prática eucarística, sobe a demanda da ordenação de homens casados e de mulheres das próprias comunidades. Estamos assim frente à necessidade de um novo agggiornamento. Um teólogo escreveu, em 1990, que vivíamos um inverno na Igreja. Ele se mantém e mesmo se agrava. Não será o momento, num próximo futuro, de uma nova inesperada primavera, como disse o papa João do Concílio Vaticano II? Quando o Vaticano I proclamou isolado o dogma do primado do papa, Newman indicou a um amigo angustiado (carta de 3 de abril de 1871): “Pio (IX) não é o último dos papas. Um novo papa ou um novo concílio polirão a obra”. O problema, como chegou a proclamar o jovem Ratzinger durante o Vaticano II, é que a cúria tem “uma negação quase neurótica com tudo o que é novo”.



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